quarta-feira, 8/maio/2024
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A redução unilateral da jornada de servidores públicos e a violação à irredutibilidade de vencimentos (ADI nº 2.238/STF)

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.238 tramita no Supremo Tribunal Federal – STF desde julho de 2000, estando entre os principais questionamentos a inconstitucionalidade de artigos da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal-LRF).

Dentre as determinações da LC está a possibilidade de redução de jornada de servidores estáveis e a respectiva diminuição de seus vencimentos, com a finalidade de contenção de despesas com pessoal. Assim, serão descritos alguns aspectos relacionados ao julgamento que está sendo realizado pelo judiciário.

 

1- DA VIOLAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

A LRF em seu art. 22, § 2º, possui a seguinte disposição sobre a redução da jornada:

Art. 23. Se a despesa total com pessoal, do Poder ou órgão referido no art. 20, ultrapassar os limites definidos no mesmo artigo, sem prejuízo das medidas previstas no art. 22, o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro, adotando-se, entre outras, as providências previstas nos §§ 3º e 4o do art. 169 da Constituição.

§1o No caso do inciso I do § 3º do art. 169 da Constituição, o objetivo poderá ser alcançado tanto pela extinção de cargos e funções quanto pela redução dos valores a eles atribuídos

§2o É facultada a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária. […].”

O fundamento utilizado na ADIN é o de que a diminuição das funções e cargos de confiança deveriam ser as primeiras providências a serem tomadas nos casos em que  os limites estabelecidos para gastos com pessoal  são ultrapassados (inciso I, do § 3º, do art. 169 da Constituição Federal- CF).  No mais, uma diminuição da jornada com a respectiva redução dos vencimentos, estaria violando o inciso, XV, do art. 37:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[…]

XV – o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI[i] e XIV[ii] deste artigo e nos arts. 39, § 4º[iii], 150, II[iv], 153, III[v], e 153, § 2º, I[vi];

As exceções presentes no texto constitucional referem-se aos limites remuneratórios e às situações de tributações. No mais, os vencimentos atribuídos ao exercício de determinado cargo não seriam passíveis de redução. Tal disposição também estaria em consonância com o inciso, VI, do art. 7º da Constituição Federal.

2-  DA SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DAS DISPOSIÇÕES

Em 09 de maio de 2002, o STF, por meio de deferimento de medida acautelatória, suspendeu a eficácia do parágrafo primeiro e segundo do art. 23 da LC 101/2000. Os principais argumentos utilizados para a concessão da liminar seria a violação do art. 37, XV, da Constituição Federal , com relação à redução dos vencimentos de ocupantes de cargos públicos.

Na manifestação da Procuradoria Geral da República- PGR[vii] há exceção quanto às situações de redução de vencimentos de maneira proporcional à jornada, vez que essa poderia ocorrer desde que houvesse a devida concordância do servidor. Interpretação dada em respeito às disposições contidas no art. 7º, XIII, da Constituição Federal. Outro ponto mencionado seria a impossibilidade dessas matérias serem regidas por Lei Complementar, já que o art, 169, § 3º, da CF prevê que tais temas “extrapolariam” os limites de disposição das leis complementares.

3-  DO JULGAMENTO EM PLENÁRIO

Em 22 de agosto de 2019[viii] foi retomado o julgamento em plenário. Na ocasião, os ministros Alexandre de Moraes (relator), Roberto Barroso e Gilmar Mendes, entenderam que a ação deveria ser julgada improcedente, com relação ao art. 23, §§ 1º e 2º, votando pela cassação da medida cautelar anteriormente concedida. Em posicionamento contrário, os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Marco Aurélio, votaram  pela procedência da ADIN para declarar parcialmente a inconstitucionalidade, sem redução do texto [ix] do art. 23, § 1º, da Lei de Responsabilidade Fiscal, para impedir a  interpretação de que seria possível a redução de valores de função ou cargo em que o servidor estiver provido, e, quanto ao § 2º do art. 23, declararam a sua inconstitucionalidade, confirmando a liminar.

Houve a apresentação de algumas divergências, podendo ser citado o voto do Ministro Dias Toffoli (Presidente), que, em relação ao § 1º do art. 23, acompanhou o Relator, e, quanto ao § 2º, julgou parcialmente procedente a ação para fixar interpretação conforme, no sentido de que o § 2º do art. 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal deveria observar a gradação constitucional estabelecida no art. 169, § 3º, da CF/88, em que os limites de despesas seriam primeiramente aplicados aos servidores não estáveis e, se ainda houvesse a  necessidade de adequação ao limite com despesas de pessoal, haveria a faculdade de adequação quanto ao servidor estável.

E assim, restou suspenso o julgamento tendo havido justificativa da ausência do Ministro Celso de Mello por motivos de saúde

Considerações Finais

O presente artigo teve como objetivo a descrição de alguns argumentos que estão sendo utilizados na ADI nº 2.238/STF. Trata-se de tema polêmico, por envolver a possibilidade de redução de despesas com pessoal, face o cenário vivenciado pela administração pública, mas também questões que submergem a garantia constitucional da irredutibilidade dos vencimentos e subsídios.

[i]“ XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos”

[ii] XIV – os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores;

[iii] “Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.  […] § 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.”

[iv] “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”.

[v]  “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: III – renda e proventos de qualquer natureza;”.

[vi]  “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: § 2º O imposto previsto no inciso III: I – será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei;”.

[vii]  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Manifestação da Procuradoria Geral da República nº ADI nº 2.238. Relator: Vice- Procuradora Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira. Brasília, 30 de março de 2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=1829732>. Acesso em: 05 set. 2019.

[viii] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Julgamento em Plenário nº ADI 2.238/ STF. Relator: Relator Ministro Alexandre de Morais. Brasília, DF, 22 de agosto de 2019. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=1829732>. Acesso em: 06 set. 2019.

[ix] Segundo Celso Ribeiro Bastos: “Trata-se de uma técnica de interpretação constitucional – que tem sua origem na prática da Corte Constitucional alemã – utilizada pelo Supremo Tribunal Federal, na qual se declara a inconstitucionalidade parcial da norma sem reduzir o seu texto, ou seja, sem alterar a expressão literal da lei. Normalmente, ela é empregada quando a norma é redigida em linguagem ampla e que abrange várias hipóteses, sendo uma delas inconstitucional. Assim, a lei continua tendo vigência – não se altera a sua expressão literal –, mas o Supremo Tribunal Federal deixa consignado o trecho da norma que é inconstitucional (BASTOS, Celso Ribeiro Hermenêutica e Interpretação Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999).”

Priscila Ramos de Moraes Rego Agnello é professora de Direito do Instituto Federal de Brasília-IFB. Advogada. Mestra em Direito e Políticas Públicas (Centro Universitário de Brasília- Uniceub). Especialista em Direito e Jurisdição (Escola da Magistratura do Distrito Federal- ESMA). Autora do livro Sursis Processual e Lei Maria da Penha: representações sociais (Lumen Juris-2016).
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