segunda-feira,18 março 2024
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Trabalho Intermitente e inovação legislativa pós reforma trabalhista

Coordenador: Ricardo Calcini.

 

A Lei 13.467, em vigor desde 11 de Novembro de 2017, é a responsável pela reformulação da CLT e a instituição de novidades até então sem precedentes em nosso ordenamento jurídico.

Logo em seguida, no dia 14 de novembro, houve a edição da Medida Provisória nº 808, a chamada “Reforma da Reforma”, alterando 17 pontos da lei, considerados os mais polêmicos. Sua validade, inicialmente de 60 dias, foi novamente prorrogada por igual período, ou seja, caso a Medida não seja convertida em lei perderá sua eficácia jurídica e voltará a valer o disposto na lei.

O artigo 443, que trata do contrato individual do trabalho, passou a dispor de nova redação, inserindo o novo §3º que conceitua o trabalho intermitente. De forma clara, o dispositivo legal deixa expressa a restrição dessa modalidade de trabalho para os aeronautas, haja vista serem ele regidos por legislação específica, a Lei 7.183/84.

O contrato de trabalho intermitente consiste num trabalho prestado de forma flexível, em dias alternados, sem jornada fixa. As necessidades do empregador é que determinam o horário da prestação de trabalho, bem como os dias em que efetivamente terá a prestação de serviços.

Há muita semelhança com o trabalho em tempo parcial, que até o advento da Reforma Trabalhista contava com o menor número de horas trabalhadas, 25 horas semanais, mas que a referida lei alterou para 30 horas. Entrementes, o contrato a tempo parcial tem mais garantias que o intermitente, justamente pela definição das horas a serem laboradas e a garantia de salário. A única certeza é o limite máximo de 44 horas previsto constitucionalmente.

Na seara trabalhista era muito comum esse tipo de contratação visando burlar o pagamento de verbas trabalhistas, mas, com essa nova modalidade de trabalho, tal tipo de contratação foi regulamentado e com consequente registro na CTPS, afastando, assim, possíveis fraudes.

A Reforma Trabalhista na realidade regulamentou os chamados “bicos”, aquelas prestações de serviços desprovidas de garantias trabalhistas. Foi assegurado um direito, mas, na prática, não gera efeitos tão concretos, haja vista não saber o empregado quando será convocado por aquele empregador que registrou o contrato em sua CTPS e a incerteza do salário a receber. Não surtirá o efeito desejado a diminuição dos índices de desemprego no país, sendo que os trabalhadores, teoricamente, serão “pseudo empregados”, que, na prática, necessitarão de vários empregos para garantir um valor razoável e digno para sobreviver.

Incluído o artigo 452-A, grande inovação da Reforma, houve quebra de paradigma, pois o legislador fez constar sua previsão no próprio conceito de contrato de trabalho, por lhe faltar o requisito da não eventualidade. Embora a palavra habitualidade não conste expressamente no artigo 3º da CLT, há consenso de que esse requisito é a chave para a compreensão da essência da relação de emprego.[1]

A sistemática dessa modalidade destoa daquelas existentes até então. Não há definição de horário, e sim uma convocação, feita pelo empregador, em até três dias úteis (conforme a MP 808) e o trabalhador tem 24 horas de prazo para responder, ao contrário do que previa na lei, que falava em um dia útil. Caso não o faça, presume–se que recusou o trabalho. As partes também podem convencionar acerca das formas e instrumentos de convocação.

Cabe salientar que a recusa é faculdade aberta ao empregado, e, por ser lícita, não descaracteriza a subordinação, nem configura infração trabalhista. A recusa é um simples ato de exercício da liberdade do empregado. A lei estipulou multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo. Já a MP 808 dispôs de forma distinta, tornando facultativa e acertada entre as partes esse tipo de reparação.

O empregado trabalha e pode haver um acordo entre as partes acerca da data para pagamento dos dias trabalhados, o que vai ao contrário do inicialmente proposto pela Lei 13.467/2017, que esse pagamento deveria ser no mesmo dia da prestação do serviço. Tal fato inviabilizaria a contratação, pois, geralmente, os cálculos de débitos trabalhistas são elaborados por contadores, o que demanda um tempo maior, pois pode haver prática de trabalhos em que incidam adicionais, gerando reflexos em determinadas verbas e, consequentemente, um cálculo mais apurado. Agora, com a MP 808, esse prazo pode ser convencionado entre os envolvidos. Caso seja período superior a um mês, essas verbas não podem ser pagas em período superior a tal prazo, devendo ser quitadas tendo como limite o 5º dia útil do mês subsequente.

O tempo de inatividade, ou seja, o tempo em que o empregado fica sem ser acionado, não é considerado como tempo à disposição do empregador, não incidindo, assim, pagamento de nenhum valor. Mas caso haja pagamento por esse período, o contrato será desnaturado e passará a ser um contrato normal celetista. O intervalo intrajornada, em nenhuma hipótese, será remunerado, não importando a forma de contratação.

No tocante às férias, essas podem ser fracionadas em até 3 períodos, mediante prévio ajuste com o empregador.

Houve ampliação das hipóteses de acordo individual, através do qual as partes contratantes poderão estabelecer diversas condições para o trabalho referente a valor da hora ou dia de trabalho, não podendo esse ser inferior a valor horário ou diário do salário mínimo.

Permanece a garantia constitucional de salário nunca inferior ao mínimo legal durante a existência do contrato de trabalho, pois o STF reafirmou tal posição em diversos julgados, principalmente em relação aos servidores celetistas da Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional (OJ 358, II, TST).

Essa garantia constitucional expressa deve ser estendida aos demais empregados do país, por ser residual a situação de o empregado receber valor inferior ao salário mínimo no mês de trabalho (OJ 358, I, TST). Isto porque a distinção nos incisos I e II refere-se à contratação para trabalho prestado em jornada inferior à previsão constitucional de 8 horas diárias e 44 horas semanais, devendo respeitar o valor do salário mínimo hora para os empregados privados.

Nas palavras do ilustre Ministro Maurício Godinho Delgado: “Não há dúvida de que a nova fórmula jurídica poderá ter um efeito avassalador quanto ao rebaixamento do valor trabalho na economia e sociedade brasileira. È que ostentando essa fórmula uma amplitude bastante extensa (vide a generalidade da regra constante do §3º do artigo 443 da CLT), ela tenderá a instigar os bons empregadores a precarizarem a sua estratégia de contratação trabalhista tão logo as concorrentes iniciarem esse tipo de prática. Afinal, como a Sociologia e a Medicina explicam, as más práticas se deflagram e se generalizam epidemicamente, ao passo que as boas práticas levam longo tempo de maturação, aculturação, insistência e educação para prevalecerem.”[2]

Restam assegurados os direitos referentes ao trabalho noturno e a remuneração dos empregados intermitentes não poderá será inferior àquela devida aos demais empregados que exerçam a mesma função no mesmo local de trabalho. Evidentemente que o Poder Judiciário poderá verificar casos de desrespeito a preceitos legais, como são aqueles previstos nos artigos 479 e 480 da CLT.
O contrato de trabalho será extinto por ausência de convocação, após o período de um ano sem que ela ocorra, prazo esse que poderá ser contado a partir da data da celebração do contrato, da última convocação ou do último dia de prestação de serviços, aquele que for mais recente.

As verbas rescisórias devidas são as mesmas para o empregado que pede demissão, aquele que é dispensado e aquele que tem seu contrato extinto por falta de convocação.
As verbas devidas são: metade do aviso prévio indenizado e 20% de multa sobre os depósitos do FGTS; e integralmente as demais verbas: saldo de salário, décimo terceiro, férias e FGTS sobre a rescisão. Excluído o direito ao Seguro-Desemprego. O aviso prévio deverá ser obrigatoriamente indenizado, e pela literalidade do artigo 452-E não será devido na justa causa, e sim na rescisão indireta.

Com o FGTS é diferente, tanto no caso do pedido de demissão, de dispensa sem justa causa e do contrato findado por falta de convocação, o trabalhador faz jus à movimentação de 80% do saldo depositado em conta. Mas se a dispensa ocorrer por justa causa cometida pelo empregado não haverá direito ao saque. E havendo justa causa cometida pelo empregador, o empregado terá direito ao saque do FGTS, integralmente.

Mesmo sendo um novo instituto, ficam mantidos os benefícios da Previdência Social, FGTS e demais verbas. Porém, a única questão conflitante é em relação à flexibilização dos períodos de prestação de serviço, tanto para empregado, quanto para empregador. O empregador efetuará o recolhimento das contribuições previdenciárias próprias e do empregado com base nos valores pagos mensalmente, fornecendo comprovante ao empregado, sendo idêntico o procedimento aplicado em relação ao FGTS.

Para a recontratação de trabalhadores efetivos sob a modalidade de trabalho intermitente, a MP estabeleceu prazo de quarentena até o dia 31 de dezembro de 2020. Com isso, o empregado contratado por prazo indeterminado é proibido de prestar serviços para o mesmo empregador por meio de contrato de trabalho intermitente, pelo prazo de 18 meses, contado esse prazo da data de demissão do empregado.

O auxílio doença é devido ao empregado intermitente, cujo benefício do INSS é devido desde o primeiro dia de afastamento, cabendo à empresa pagar ao segurado empregado seu salário integral, conforme disposto no artigo 60, §3º da Lei 8.213/91. E, mais, o artigo 72, §3º, d Lei Previdenciária, garante o pagamento do salário maternidade diretamente pela Previdência Social.
Recentemente, a empresa Magazine Luiza implementou o uso do contrato de trabalho intermitente já presente em nosso ordenamento jurídico para contratar na Black Friday 1,7 mil trabalhadores para reforçar as equipes de vendas.

O presidente da empresa, Frederico Trajano informou que deve manter esse tipo de contratação em períodos de picos de venda, como acontece nos dias que antecedem o Natal e, até mesmo, aos sábados, permitindo assim ter mais funcionários nas lojas.

E além das contratações extraordinárias para a Black Friday, a empresa inovou ao montar um banco de dados que hoje conta com mais de 3,1 mil nomes de pessoas que pode ser chamadas para trabalhar de forma intermitente quando houver necessidade de mão de obra. [3]

Para muitos, essa inovação legislativa beneficiará inúmeros trabalhadores, havendo a modernização dos direitos trabalhistas e a consequente redução dos índices de desemprego. Mas a situação pode ser agravada pela precarização do trabalho e acontecer justamente o contrário ao esperado. Afinal, muitos trabalhadores poderão apenas compor bancos de dados de empresas e nem sequer serem convocados, sem terem garantia de salário, com nítida redução do patamar mínimo civilizatório, aniquilando, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana.


 

Referências:

[1] SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à Reforma Trabalhista. São Paulo: RT, 2017. Pag.45-52.
[2] DELGADO. Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil. Com os comentários à Lei 13.467/2017. São Paulo: LTR, 2017. Pag. 153-157.
[3] http://atarde.uol.com.br/economia/noticias/1918958-magazine-luiza-contratou-17-mil-para-trabalho-intermitente-na-black-friday. Acesso em 12/12/2017.

CASSAR, Vólia Bonfim. Comentários à Reforma Trabalhista/ Vólia Bonfim Cassar, Leonardo Dias Borges. São Paulo: Método, 2017.

FRANCO FILHO, Georgenor de Souza. Reforma trabalhista em pontos: de acordo com a Lei 13.467/17 e a MP n. 808/17. São Paulo: LTr, 2018.

MIESSA, Elisson; CORREIA, Henrique; MIZIARA, Raphael; LENZA, Breno. CLT comparada com a Reforma Trabalhista. São Paulo: Juspodium, 2017. Pag. 330.

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1 COMENTÁRIO

  1. eu sou Intermitente do Magazine Luiza, e gostaria de saber referente ao décimo terceiro se tenho direito ou não ! e como faço pra conferir meu salário, já q meu holerite é mega confuso e ngm consegue entender

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