sexta-feira, 26/julho/2024
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O teletrabalho e o direito à desconexão: impactos da reforma trabalhista

Coordenador: Ricardo Calcini

As transformações do mundo demandam permanente adaptação da ordem jurídica, inclusive na seara laboral. O advento de novas tecnologias implica na adaptação do texto formal da lei às novas dinâmicas do trabalho. Em 2011, o art. 6º [1] da CLT foi alterado, vedando as distinções do trabalho realizado no estabelecimento empresarial e o executado fora da empresa; e equiparando os efeitos jurídicos da subordinação por meios telemáticos e informatizados à exercida por meios pessoais e diretos.

O trabalho à distância já era uma realidade no mundo corporativo antes mesmo dessa mudança. Todavia, foi apenas com o advento da Lei nº 13.467/2017, a chamada “reforma trabalhista”, que a legislação do trabalho passou efetivamente a dispor de regras específicas acerca do teletrabalho.

Seja, em sua residência (home office) ou em prestação remota (anywhere office), o teletrabalho pode gerar vantagens para ambas as partes da relação empregatícia, uma vez que o trabalhador pode realizar suas funções sem os transtornos do deslocamento até o local de trabalho e retorno, com liberdade de mobilidade; enquanto a empresa reduz significativamente seus custos, principalmente com energia elétrica e equipamentos de tecnologia.

Porém, é mister a reflexão: será respeitado o direito do empregado ao desligamento do trabalho? A comodidade de não precisar sair de casa para trabalhar compensará o excesso de produtividade que se espera de um teletrabalhador? Haverá um controle efetivo das horas laboradas?

O art. 75-B, “caput” da CLT [2] conceitua o teletrabalho e os demais artigos do Capítulo II-A o caracterizam e regulamentam. Contudo, no que concerne a duração do trabalho, o legislador da reforma incluiu no art. 62 da CLT, o inciso III, que expressamente retira a aplicação dessas regras aos empregados em regime de teletrabalho.

Isso pode ocasionar uma interpretação de que haveria a cobrança do empregador por resultados e metas, sem, entretanto, a devida atenção ao tempo despendido para a realização de atividades, bem como o seu controle. Seria essa a nova realidade para essa espécie de trabalho remoto?

Dada a devida vênia, é um equívoco do legislador presumir que o teletrabalho exclui, por si só, qualquer meio eficaz de controle do tempo de trabalho do empregado. O legislador falhou, gravemente, no seu dever protetivo perante o teletrabalhador, especialmente considerando que é plenamente possível compatibilizar o trabalho à distância com o controle de jornadas nesse caso, que pode ser realizado, por exemplo, por meio de registro eletrônico de entrada e saída da intranet da empresa (log in e log out).

Em tempo, é importante trazer a esse debate que o direito à desconexão é direito fundamental do trabalhador, sendo norma de segurança e higiene do trabalho. Trata-se se um direito imprescindível para a garantia da dignidade da pessoa humana.

Para Jorge Luiz Souto Maior [3], “quando se fala em direito a se desconectar do trabalho, que pode ser traduzido como direito de não trabalhar, não se está tratando de uma questão meramente filosófica ou ligada à futurologia (…), mas sim numa perspectiva técnico-jurídica, para fins de identificar a existência de um bem da vida, o não-trabalho, cuja preservação possa se dar, em concreto, por uma pretensão que se deduza em juízo.”

A temática está prevista em diversos diplomas normativos internacionais ratificados pelo Brasil, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), o Protocolo de São Salvador (1988); e nacionais, como a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 7º. Vale lembrar, ainda, que um dos fundamentos da nossa República Federativa é a dignidade da pessoa humana, com atribuição de valor social ao trabalho, conforme preconiza o art. 1º, incisos III e IV da CF/88.

Não há que se demonizar o teletrabalho, muito pelo contrário. Trata-se de um reflexo da evolução das relações sócio laborais, impulsionada pelos avanços da tecnologia. Inclusive, a expectativa hoje é de que o teletrabalho seja uma realidade cada vez mais presente no meio de trabalho contemporâneo. Respeitados os direitos fundamentais do trabalhador e o princípio protetor do Direito do Trabalho, o trabalho extramuros pode se mostrar uma alternativa inteligente, eficiente e econômica, tanto para a empresa, quanto para o empregado.

No teletrabalho, não obstante a previsão literal do texto trazido pela reforma trabalhista, não dá carta branca para o empregador abusar das forças de trabalho dos seus empregados. A “reforma trabalhista” não anulou o princípio da proteção ao empregado, nem as disposições acerca do direito à desconexão.

A permanente vinculação ao trabalho, sem limites de duração de jornada, subjugando os teletrabalhadores apenas a resultados e metas determinadas pelo empregador, é um afronto aos direitos fundamentais constitucionalmente previstos, bem como aos diversos diplomas normativos internacionais ratificados pelo Brasil.

Portanto, mesmo com as mudanças trazidas pela regulamentação da reforma trabalhista, permanece o direito do empregado de desligar-se do trabalho e, ainda que haja ausência de lei expressa, deve ser garantido ao empregado meio efetivo de controle de duração do trabalho, garantindo uma prestação laboral sadia e humana, por ser norma de saúde, segurança e higiene do trabalho, sob pena de reparação civil do empregador por danos morais e materiais causados.

 


Referências:

[1] Art. 6º, CLT.  Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Parágrafo único.  Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

[2] Art. 75-B, CLT.  Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.
Parágrafo único.  O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.

[3] SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Do Direito à Desconexão. Disponível em https://www.jorgesoutomaior.com/uploads/5/3/9/1/53916439/do_direito_%C3%A0_desconex%C3%A3o_do_trabalho..pdf

Advogada trabalhista graduada na Universidade Federal Fluminense (UFF), pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pelo IBMEC/RJ e pós-graduanda em Direito Empresarial do Trabalho pela FGV/RJ. Foi membro da Comissão OAB Mulher da Seccional do Rio de Janeiro. Articulista de temas trabalhistas.

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3 COMENTÁRIOS

  1. Olá Dra. Fabiana.
    Perfeita suas colocações quanto ao teletrabalho e o direito ao “não trabalho”.
    Me permita apenas narrar o que penso sobre o assunto, visando agregar a sua contribuição com o mundo jurídico.
    Acredito que o Poder Legislativo, o próprio Regulamento Interno das empresas, os órgãos representantes de classe ou até mesmo o MTE devem se preocupar em estabelecer parâmetros para a realização dessa forma de labor, pois não se trata apenas de controle de jornada, mas sim da saúde do trabalhador. Afinal, a hora extra deve ser a exceção, limitada a 2 (duas) diárias e sem serem habituais.
    Assim, se a Legislação ordinária não prevê tais limites, deve-se criar esses parâmetros, para que possa-se haver efetividade na aplicação das leis.
    Ainda, tem-se o Ministério Público do Trabalho, como fiscal da lei e também como órgão patrocinador do interesse público, que pode atuar na observação e aplicação da Constituição Federal (artigo 7º, inciso XXIX).
    Por isso, a hermenêutica jurídica permite aos operadores do Direito detectar a necessidade de complementação da legislação, a fim de alcançar o “bem comum”.
    Meus parabéns pela matéria e espero poder ler mais de seu conhecimento.

  2. Ótimas reflexões Dra. Fabiana!
    As inovações tecnológicas agregadas aos meios de produção não devem chocar-se com direitos trabalhistas já consagrados no ambiente regulatório vigente. Os pontos elencados parecem se revestir de maior importância, e merecedores de especial atenção, sobretudo pelos empregadores, dados os riscos que podem representar.

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