Por: Helen Dibout*
Alguns pontos sobre supremacia do interesse público sobre o particular.
A posição doutrinária majoritária é de que existe o princípio de supremacia do interesse público sobre o privado implícito na Constituição Federal. Celso Antônio Bandeira de Mello apresenta a noção de interesse público como uma projeção de interesses individuais e privados em um plano coletivo, ou seja, um interesse comum a todos os indivíduos e que representa o ideal de bem-estar e segurança almejado pelas pessoas.
Em conformidade com a opinião de Celso Antônio, Maria Sylvia Zanella Di Pietro propõe-se a analisar o tema, valendo-se da bipolarização público-privado. Assinala a autora que, mesmo diante de uma relativização desse posicionamento, trazida pelos novos tempos, há determinados axiomas não se pode ignorar. Dentre elas, ressalta a função específica das normas de direito público, qual seja, atender os interesses públicos, o bem estar coletivo. Neste diapasão, menciona o interesse particular como mero interesse reflexo, quando em análise no contexto de normas de direito público.
Essas delimitariam o seu âmbito de incidência a um plano único, no qual não se comportaria atender interesses de cunho individual.
Adiante, ao reiterar a relevância do dito princípio para exercê-lo das atividades administrativas, lança o seguinte pensamento:
“Se a lei dá à Administração os poderes de desapropriar, de requisitar, de intervir, de policiar, de punir, é porque tem em vista atender ao interesse geral, que não pode ceder diante do interesse individual”.
Não há como negar que todo o seu discurso caminha no sentido de confirmar a existência do princípio em análise, e nele identificar a “sede principal” do Direito Constitucional e Administrativo.
Hely Lopes Meirelles, a seu turno, afirma que o direito privado e o direito público encontrariam na relação entre os seus sujeitos de direito a sua principal distinção, visto que o primeiro basear-se-ia na paridade entre referidos sujeitos, ao passo que o segundo pautaria dita relação no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, ou seja, na supremacia do Poder Público em face do cidadão. Ademais, tal como Celso Antônio, atrela o princípio da supremacia do interesse público a privilégios e prerrogativas que dele resultam.
Talvez a mais ampla e completa defesa do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular tenha sido empreendida por Fábio Medina Osório. Inicialmente, como pressuposto mesmo à construção de sua tese, Medina Osório admite seja a supremacia do interesse público sobre o privado um princípio constitucional implícito, extraído da leitura sistemática de diversos dispositivos os quais protegem o interesse público na Constituição Federal.
“São múltiplas as fontes constitucionais da superioridade do interesse público sobre o privado. Dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública decorre a superioridade do interesse público em detrimento do particular, como direção teleológica da atuação administrativa. Resulta clara, na sequência, a relação entre o imperativo conteúdo finalístico da ação administrativa (consecução do interesse público) e a existência de meios materiais e jurídicos que retratam a supremacia do interesse público sobre o privado, é dizer, as situações de vantagens da Administração em detrimento do particular encontram raízes na existência de fins de utilidade pública perseguíveis pelo Poder Público. De outro lado, a existência de bens coletivos que reclamam proteção estatal e restrições a direitos individuais também retrata um princípio de superioridade do interesse público sobre o particular. Nas normas constitucionais protetivas desses bens e valores coletivos, portanto, está implícita a existência do interesse público e sua superioridade relativamente ao privado”
“Todos esses dispositivos evidenciam peculiares manifestações do princípio da superioridade do interesse público sobre o privado, dado que do conjunto de muitas dessas regras emerge um elemento comum: a superioridade do interesse público sobre o privado. Há muitas outras normas constitucionais que evidenciam o princípio em exame, na medida em que protegem bens coletivos”
Os trechos destacados, como se vê, deixam transparecer a tese em favor da prevalência do coletivo sobre o privado, lógica a qual traduziria o princípio da supremacia do público sobre o privado. O autor deixa assente a possibilidade de se distinguirem interesses coletivos de interesses individuais. De acordo com o seu raciocínio, embora, em alguns casos, o interesse público venha a se identificar com o privado, não se pode ignorar a distinção existente entre os interesses públicos, equiparados aos interesses coletivos, e os privados, residindo nesta distinção a separação entre a esfera pública e a privada. Tal dissociação permitiria, portanto, a consagração de um princípio pautado na supremacia enquanto resultado de uma equação na qual se consideram dois fatores: o público e o privado.
Na sequência, Medina Osório procura demonstrar a existência do princípio em apreço indicando sua influência no ordenamento jurídico sob três vertentes:
(a) como direção finalística da Administração Pública;
(b) como fundamento constitucional de normas que outorgam privilégios à Administração;
(c) como fundamento para ações administrativas restritivas de direitos individuais.
Na primeira daquelas manifestações, o autor imprime ao princípio da supremacia do interesse público o título de fundamento justificador da ação administrativa. Afirma que a atividade administrativa não pode nunca se divorciar do fim para o qual foi instituída, qual seja, a persecução do interesse público, não sendo possível guiar-se única e exclusivamente sob o influxo de interesses privatísticos. Com tal discurso, o princípio é tido como garantia aos particulares, no sentido deque o Estado não se desviará de sua precípua função de realizar interesses coletivos.
Desta forma, na Constituição são encontrados os fundamentos para a restrição de direitos individuais em prol de interesses da coletividade. Ora, se é a Constituição que, explícita ou implicitamente, estabelece quando e em que medida direitos individuais podem ser restringidas, (I) o fundamento da restrição é a norma constitucional específica, e não o dito princípio e (II) a medida da restrição, conforme permitida pela Constituição, é dada por uma norma de proporção e preservação recíproca dos interesses em conflito, e não de prevalência a priori do coletivo sobre o individual.
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bilu,bilu!!!!
Muito bom! Explicitou a prevalência dos direitos individuais, só restringidos pela CF. A meu juízo as disposições constitucionais, nessa matéria, têm sido dolosamente desvirtuadas em nome da prevalência de um
falso “interesse público” sobre os indivíduos.