sexta-feira, 26/julho/2024
ColunaAdministrativoResponsabilidade civil do Estado: Risco administrativo ou Risco integral?

Responsabilidade civil do Estado: Risco administrativo ou Risco integral?

Se observarmos dez editais de concursos públicos, “onze” constarão o tema “Responsabilidade civil do Estado” como matéria a ser estudada. O jogo de palavras apresentado parece exagero, mas é para alertar os concurseiros de plantão de que é uma temática que não pode faltar durante a preparação. Então, mãos à obra!

A Responsabilidade civil do Estado, segundo Maria Sylvia Zanella de Pietro, é “obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos”, tal responsabilidade se exaure na indenização.

Com o advento da Constituição brasileira de 1946 , a responsabilidade do Estado ganhou status  de direito administrativo constitucional.

Responsabilidade Civil do Estado

Existem várias teorias sobre a responsabilidade civil da Administração Pública, mas a adotada pelo Brasil é a Teoria do risco administrativo. Segundo o mestre Hely Lopes Meirelles, “a teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão, sem o concurso do lesado”.  A principal justificativa da adoção de tal teoria se refere ao ideal de solidariedade perseguido pelo Estado brasileiro, desta forma, todos os cidadãos devem contribuir com a reparação do dano, afinal, o valor da  indenização é retirado do erário.

Mas muito cuidado, amigo concurseiro! Existe um provérbio (supostamente alemão) que diz: “O diabo mora nos detalhes”, então, atenção! Algumas bancas examinadoras são maldosas e tentam confundir o candidato. Apresentam outra teoria que tem nome parecido, mas diferença crucial. A “casca de banana” se chama Teoria do risco integral. Segundo esta, a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resulte de culpa ou dolo da vítima. A principal diferença está nesta informação, como destaca Gustavo Amora Cordeiro, o risco integral não admite alegação de excludente de culpabilidade pelo Estado, ao passo que o risco administrativo sim.

 

Para clarear de vez a questão, vamos exemplificar:

Digamos que Romário é um servidor público lotado no Distrito Federal, seu cargo é motorista de ambulâncias.  Ele apresenta sempre um comportamento muito bom em serviço, sempre dedicado às suas obrigações junto à Administração Pública. Mas se tem uma coisa que deixa Romário completamente fora de si é o futebol. Ele é um apaixonado! Não perde um jogo sequer e adora tomar uma cervejinha nas horas vagas para acompanhar os jogos do seu time  do coração. Ocorre que no último dia 23 de junho de 2014, foi realizada a partida da Copa do mundo entre Brasil e  Camarões. Na ocasião, Romário que já havia comprado os ingressos com antecedência, estava de plantão. Tentou trocar a escala com colegas, mas em vão. O jogo começaria às 17h, Romário estava desesperado para ver Neymar fazer seus gols fantásticos. Foi ai que o servidor teve a brilhante ideia de ir ver o jogo e depois retornar ao seu posto. Afinal, quem sentiria sua falta? Usando o veículo oficial, Romário se dirigiu ao grandioso Estádio Mané Garrincha, assistiu ao jogo, chorou, sofreu. O nervosismo era tanto que Romário não se conteve e ingeriu algumas doses de bebidas alcoólicas para relaxar. Ao final do jogo, mais aliviado com o placar, mas apavorado para retornar discretamente ao seu posto de trabalho, Romário dirige o veículo oficial alcoolizado e em altíssima velocidade. No meio do caminho, colide contra o veículo de do Sr. Luciano, cidadão  que dirigia corretamente e em velocidade adequada. A vítima teve diversos ferimentos e seu veículo sofreu perda total.

GEDSC DIGITAL CAMERA

 

Diante da situação hipotética, quem assumirá a responsabilidade pelo ocorrido? Quem irá indenizar Luciano pelos danos? Se sua resposta foi “o servidor inconseqüente”, cartão vermelho para você! Está redondamente enganado. Quem irá arcar com o prejuízo é a Administração Pública, pois devemos relembrar que pela Teoria do risco administrativo basta que a vítima comprove a existência de um fato administrativo, o dano e o nexo existente entre o dano e o fato administrativo. A culpa da Administração é presumida e sua responsabilidade civil é objetiva, ou seja, havendo os três elementos (fato, dano e nexo), a administração não poderá alegar culpa ou dolo do agente público para se livrar do dever de indenizar.

E a Administração pública como fica, arcará com a irresponsabilidade do seu servidor pacificamente? Não é bem assim. Posteriormente, o Estado  poderá entrar com ação de regresso contra o servidor. É o que afirma o Art. 37, § 6º da Constituição de 1988:

“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros (responsabilidade objetiva) assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

É sempre válido ressaltar que ao contrário do que as bancas examinadoras perversamente afirmam a fim de ludibriar os candidatos, a responsabilidade objetiva deriva tanto de ações do Estado como de suas omissões. Ou seja, quando o Estado age de forma inadequada e quando ele deixa de desempenhar suas obrigações será responsabilizado no caso de ocorrência de dano, gerando o dever de indenizar.

Assim, se o caso apresentado fosse diferente, ou seja, se Romário não tivesse dado aquela “fugidinha” do trabalho, mas sim desempenhando sua função e  Luciano estivesse embriagado, dirigindo perigosamente e colidisse com o veículo oficial dirigida por Romário, de quem seria a responsabilidade? Preste muita atenção:

Pela Teoria do risco administrativo (que é a adotada pelo Brasil) a responsabilidade seria de Luciano, pois segundo ela, permite-se que seja demonstrada a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Foi o que brilhantemente ponderou o Ministro Eros Grau: “Responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandá-la ou mesmo excluí-la.” (AI-Agr636814/ DF, Rel. Min. Eros Grau, DJ 15/06/2007).

Já, segundo a Teoria do risco integral (que não é adotada pelo Brasil), o Estado seria responsabilizado, tendo que indenizar Luciano que agiu de forma completamente inadequada. Ou seja, segundo esta, Luciano poderia sair livremente colidindo contra veículos oficiais que teria a garantia da reparação do dano. Um absurdo, não?

A última observação acerca da Teoria do risco integral diz respeito a uma exceção prevista pela própria Constituição. Embora a teoria adotada pelo Brasil seja a Teoria do risco administrativo, existe uma exceção, hipótese em que o Brasil adota a Teoria do risco integral. Tal situação excepcional se refere aos casos de acidentes nucleares. O Art. 21, XXIII, alínea “d” da norma constitucional estabelece que “ a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa”. Desta forma, ainda que o Estado tenha tomado todas as precauções necessárias no que tange à exploração dos serviços e instalações nucleares, se responsabilizará. Assim, caso venha a ocorrer um acidente, mesmo que por culpa inteiramente da vítima, que não respeitou as normas aconselhadas ou adentrou clandestinamente em local perigoso e repleto de agentes nucleares, o Estado se responsabilizará civilmente, tendo que indenizar a vítima imprudente e curiosa.

O estudo acerca da Responsabilidade civil do Estado e suas teorias não é matéria complicada ou enfadonha, apenas requer o mínimo de atenção do candidato. Então, Vamos gabaritar!

Advogada,pós-graduanda em Direito Administrativo. Apaixonada pelo Direito,afinidade com Administrativo e Direitos Humanos.

Receba artigos e notícias do Megajurídico no seu Telegram e fique por dentro de tudo! Basta acessar o canal: https://t.me/megajuridico.
spot_img

2 COMENTÁRIOS

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Mais do(a) autor(a)

Most Read

Seja colunista

Faça parte do time seleto de especialistas que escrevem sobre o direito no Megajuridico®.

Últimas

- Publicidade -