sexta-feira,29 março 2024
ColunaElite PenalPosse de arma de fogo com registro vencido não configura crime

Posse de arma de fogo com registro vencido não configura crime

Recente decisão do STJ afastou a configuração do crime de posse de arma de fogo nas hipóteses de registro com validade vencida.

De acordo com o novo entendimento do STJ, a posse de arma de fogo, obtida de forma lícita, mas com registro vencido, não configura crime.

Analisemos a aplicação da Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento)em relação a posse irregular de arma de fogo.

 

Posse irregular de arma de fogo na Lei 10.826/03

 

Prevista no artigo 12 do atual Lei nº 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), a posse irregular de arma de fogo de calibre permitido prevê pena de 1 a 3 anos de detenção e multa; já a de calibre restrito, está prevista no art. 16, com pena de 3 a 6 anos de reclusão e multa.

posse-arma-registro-vencido-stj Com base nos artigo 5º, § 3º, e artigo 30 da Lei 10.826/03, foi possibilitado aos possuidores de arma de fogo, promover seu recadastramento ou registro inicial junto à Polícia Federal. Uma vez preenchidos os requisitos possuidores e proprietários de arma de fogo ficam autorizados a possuí-la e mantê-la sob os seus cuidados. O referido Estatuto remete à obrigatoriedade do registro de arma de fogo no órgão competente até 31 de dezembro de 2008, com a prorrogação estabelecida no artigo 20 da Lei 11.922/09, estendeu-se o prazo até 31 de dezembro de 2009.

Encerrado o prazo, todas as armas passaram a exigir a renovação de seus registros a cada 03 anos (art. 5º, §2º da Lei 10.826/03) e o tipo penal adquiriu sua plena eficácia. O registro pode ser renovado sucessivas vezes, desde que o proprietário e possuidor de arma de fogo comprove novamente os requisitos supramencionados.
Com isso, a irregularidade na posse da arma para a configuração do delito era tomada em sentido amplo, sendo equiparadas as armas jamais registradas e aquelas cujo registro teve sua validade expirada, bastando que uma arma de origem lícita tivesse seu registro vencido para já ser considerada uma “arma do crime”, cabendo prisão do agente por posse irregular de arma de fogo, pois estaria em “desacordo com determinação legal ou regulamentar”.

 

Novo entendimento do STJ

Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que a posse de arma de fogo com o registro vencido não é crime. No julgamento do Habeas Corpus nº 294.078-SP, a corte, por sua Quinta Turma, pela primeira vez afastou a configuração de crime por alguém manter em seu poder uma arma de fogo com registro vencido.

O entendimento agora alcançado, contudo, estabeleceu nítida distinção entre a posse intencionalmente irregular e aquela decorrente da mera inobservância de um procedimento burocrático. Conforme entenderam os ministros do STJ, se uma arma foi originalmente registrada, a ausência de renovação do respectivo registro “não pode extrapolar a esfera administrativa”, não se prestando, portanto, à configuração de crime, uma vez que, para o Direito Penal, a mera falta daquela renovação não apresenta relevância capaz de automaticamente transformar o proprietário da arma em criminoso. Com isso, a ele podem ser aplicadas, tão somente, sanções de âmbito administrativo, mas não penais.

O Ministro Relator Marco Aurélio Belizze, compreendeu que por mais que a arma de fogo esteja irregular, em razão do vencimento do seu registro, não caberia qualquer sanção criminal, por ser materialmente atípica a conduta do agente, sendo passível apenas de sanção administrativa. Acrescentou, ainda, que “a mera inobservância da exigência de recadastramento periódico não pode conduzir à estigmatizadora e automática incriminação penal”.
No seu voto, o relator ainda menciona o Projeto de Lei 3.722/2012, em trâmite na Câmara dos Deputados, que visa substituir o Estatuto do Desarmamento, e que prevê como típica a conduta de possuir arma de fogo sem o devido registro, mas não menciona a suposta irregularidade abstrata como elementar do tipo.

Veja o Habeas Corpus nº 294.078/SP – Quinta Turma do STJ:

HABEAS CORPUS Nº 294.078 – SP (2014/0106215-5)

RELATOR: MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
IMPETRANTE: EDUARDO NUNES DE SOUZA E OUTRO
ADVOGADO: EDUARDO NUNES DE SOUZA E OUTRO(S)
IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE: SERGIO FERNANDES DE MATOS

EMENTA

HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. 2. ART. 12 DA LEI N. 10.826/2003. POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO COM O REGISTRO VENCIDO. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. SUBSIDIARIEDADE DO DIREITO PENAL. PUNIÇÃO ADMINISTRATIVA QUE SE MOSTRA SUFICIENTE. 3. ORDEM NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, vinha se firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Nessa linha de evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial no intuito de verificar a existência de constrangimento ilegal evidente – a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício –, evitando-se prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.

2. O trancamento de ação penal na via estreita do writ configura medida de exceção, somente cabível nas hipóteses em que se demonstrar, à luz da evidência, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou outras situações comprováveis de plano, suficientes ao prematuro encerramento da persecução penal. Na espécie, o paciente foi denunciado pela suposta prática da conduta descrita no art. 12 da Lei n. 10.826/2003, por possuir irregularmente um revólver marca Taurus, calibre 38, número QK 591720, além de dezoito cartuchos de munição do mesmo calibre.

3. Todavia, no caso, a questão não pode extrapolar a esfera administrativa, uma vez que ausente a imprescindível tipicidade material, pois, constatado que o paciente detinha o devido registro da arma de fogo de uso permitido encontrada em sua residência – de forma que o Poder Público tinha completo conhecimento da posse do artefato em questão, podendo rastreá-lo se necessário –, inexiste ofensividade na conduta. A mera inobservância da exigência de recadastramento periódico não pode conduzir à estigmatizadora e automática incriminação penal. Cabe ao Estado apreender a arma e aplicar a punição administrativa pertinente, não estando em consonância com o Direito Penal moderno deflagrar uma ação penal para a imposição de pena tão somente porque o indivíduo – devidamente autorizado a possuir a arma pelo Poder Público, diga-se de passagem – deixou de ir de tempos em tempos efetuar o recadastramento do artefato. Portanto, até mesmo por questões de política criminal, não há como submeter o paciente às agruras de uma condenação penal por uma conduta que não apresentou nenhuma lesividade relevante aos bens jurídicos tutelados pela Lei n. 10.826/2003, não incrementou o risco e pode ser resolvida na via administrativa.

4. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido, de ofício, para extinguir a Ação Penal n. 0008206-42.2013.8.26.0068 movida em desfavor do paciente, ante a evidente falta de justa causa.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder habeas corpus de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Regina Helena Costa, Laurita Vaz e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 26 de agosto de 2014 (data do julgamento).

 

Com esta decisão, o STJ lançou nova luz sobre o tratamento penal da posse irregular de arma de fogo, abrindo importantíssimo precedente, o que pode indicar uma significativa evolução, não só na aplicação do vigente estatuto do desarmamento, mas na própria alteração das leis que regulamentam o acesso a armas.

 

Pergunto a você leitor, o que achou desta decisão? Qual a sua opinião a respeito?
Comente, opine, participe!


 

Referência:

– SÃO PAULO. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 294.078 – SP (2014/0106215-5), Matéria Criminal. Quinta Turma, Relator: Marco Aurélio Belizze, Julgado em: 26 ago. 2014.
– OLIVEIRA JÚNIOR, Ivan Pareta de. Posse de arma de fogo com o registro vencido. A decisão do STJ no julgamento do HC 294.078-SP e a aplicação da Lei nº 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento). Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4097, 19 set. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/32055>.

CEO / Diretora Executiva do Megajuridico. | Website

Advogada com atuação especializada em Direito de família e sucessões. Designer. Apaixonada por tecnologia e inovação, gosta de descomplicar o direito através do Legal Design e Visual Law.
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17 COMENTÁRIOS

  1. Eu acho que se você nasce com um registro aquele registro é seu até morrer eu só não entendo o porque de se ficar renovando registro,o curso sim de tiro sim acho valido o resto é burrocracia,Parabéns aos Ministros.

  2. Sou policial civil aposentado, penso que após o registro não se faz mais necessário renovar a cada 3 anos,is isso é mais um engodo de governo para arrecadação, com referência ao porte para os policiais aposentados concordo em sua renovação periódica, alguém tem que defender esse País, parabéns Ministro.

  3. sou policial civil aposentado,tenho arma ,quando na ativa não pagava taxa agora tenho que pagar ,qual a diferença,não é mais policial só porque aposentou-se.

  4. parabéns Sr Ministro. O pais está precisado de pessoas igual a vc. Espero que todos nós passamos comprar nossas armas. Os bandidos tudo armado tirando nossa paz. Quando eles souberem que nós temos também, eles vão pensar 10 vezes em entrar nosa casa.

    Essa história que vcs da pf fala que nós comprar uma arma legalizada vai cair na mão de bamdidos, não precisa cair na mão de bandidos, eles estão fortemente armados.

  5. Parabéns ministro pela decisão, espero agora que possa liberar pra TDS os cidadãos de bem, que queiram ter uma arma pra se depender desses monstros que tira o sossego do povo de bem, e que isso seja em tempo mínimo…vamos armar os povo de bem.

  6. Parabéns ministro,gostaria de saber quando vão liberar o porte de arma para quem faz um curso e está apto passando por todas as burocracias que cobram quando compramos uma arma .

    • E mais fácil liberar o cidadão de bem que tem o registro, doque ter que preencher papelada.deveria ser mais simples para fazer uma ocorrência.

  7. Então vamos lá!
    Um cidadão de bem compra uma arma de fogo devidamente registrada, após novas leis é preciso fazer um novo recadastramento!
    Observando-se que a arma de fogo registrada, é um bem como um automóvel, por exemplo!
    Deixando-se de recadastrar a arma, dentro do prazo imputado, dá direito ao Estado de recolhe-lá sem estar envolvida em qualquer crime?
    Teria que haver um paliativo para atualizar esse cadastro e devolução da mesma, já que foi um bem adquirido!
    O que vcs acham?

  8. Decisão sensata, pois começa que o registro de arma de fogo sempre foi definitivo e depois da lei do desarmamento tornou se temporário, não consigo entender o governo, eles estão cada vez mais fragilizando o cidadão de bem e fortificando o infrator(meliante). Possuo uma arma de fogo ha 24 anos, sempre andei armado e nunca apontei ou intimidei alguém, venho de uma família tradicional em que todos sempre andamos armados e nunca matamos ninguém, sofri uma tentativa de assalto e só saí ileso por me defender com minha arma, tenho porte federal mas está cada vez mais difícil de renovar, sem falar que hoje eles exigem que o cidadão seja quase um perito com a arma.

    • Concordo plenamente com o colega. Sou PRF aposentado trabalhei armado durante 40 anos. Teno minha arma registrada. Acho babaquice ter que ficar de 03 em 03 anos, renovando registro. Isso serve só p tirar mais dinheiro do nosso bolso. O registro tem que ser definitivo. Renovar em caso de extravio. Qto ao porte, concordo que o policial aposentado seja obrigado a comprovar aptidão psicológica periódica. Mas que seja gratuita, feita na própria organização onde trabalha. Vou sempre andar armado.

  9. eu tenho uma arma registrada no meu nome,sou pm da reserva já prendi muitos bandidos, deixei de renovar tanto o registro quanto o exame psicologico, sabe porque renovar o registro é uma tremenda burocracia,fazer exame medico vc vai ter que pagar, o governo invez de da aumento salarial a nós mete a mão nu nosso dinheiro,isso nus deixa revoltado e nunca vou deixar de andar armado.e ninguem faz nada pela classe.

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