Coordenadora: Ana Claudia Martins Pantaleão
Não é recente a preocupação mundial sobre a saúde mental das pessoas, principalmente, ao se ter em vista que o número de casos aponta para um crescimento desproporcional atingindo, em sua maioria, adolescentes e idosos. Enquanto os adolescentes vêm sendo acometidos por crises de ansiedade, os idosos acumulam sintomas relacionados à depressão, revelando a Organização Mundial da Saúde que uma a cada oito pessoas vive com alguma doença ou transtorno mental no mundo.
O Brasil possui o 4º pior índice relacionado à saúde mental, conforme ranking disponível no The Mental State of The World in 2023, realizado pela Sapiens Labs:
“No total dos 71 países inclusos, o Brasil aparece em 4ª posição entre os piores, com nota 53 de um total de 110. O país supera apenas África do Sul (50), Reino Unido (49) e Uzbequistão (48), e empata com o Tajiquistão. Brasileiros estão entre os que mais relatam sentir stress e dificuldades com a parte mental de sua saúde (são 34% dos respondentes no país).
O Brasil vai na contramão da América Latina,que está inserido entre os campeões do bem-estar psicológico. No top 10 global, metade são latinos: Uruguai (81), Costa Rica (81), El Salvador (83), Venezuela (83), Panamá (85) e República Dominicana (91)”.
O adoecimento mental possui consequência diretas, não apenas na saúde do enfermo, mas, também, no trabalho com a queda de desempenho, na previdência com a utilização de auxílios e na perda de vidas, por exemplo.
Apesar de se tratar de um assunto de extrema relevância, incrivelmente, ainda se percebe uma estigmatização das doenças de cunho mental, desvalorizando seus sintomas e menosprezando a dor sentida pelo outro. A necessidade de políticas públicas voltadas para a temática, sem o estigma em torno do sofrimento psíquico é urgente.
Diante de tal cenário, a deputada Sra. Maria Arraes apresentou o Projeto de Lei 4358/2023, recentemente aprovado e convertido na Lei 14.831/2024 que dispõe sobre a concessão de certificação para as empresas que promoverem a saúde mental com durabilidade de 2 (dois) anos e autorização de uso para divulgação pública.
Denota-se um avanço genuíno na postura governamental de incentivo às empresas para a atenção e o cuidado mental de seus funcionários evitando-se, assim, o agravamento da doença ou seu próprio gatilho, tal como o burnout, que é uma doença mental de cunho laboral.
Tal como apontado na justificativa do Projeto de Lei “a subnotificação e a falta de medidas preventivas têm tornado as doenças psicológicas e psiquiátricas como a depressão, o estresse, a síndrome de burnout, o transtorno de ansiedade e vários outros problemas cada vez mais recorrentes, sendo a falta de estrutura de apoio um importante fator de piora dos quadros”.
Tornar o ambiente de trabalho saudável e acolhedor refletirá não só no bem estar dos funcionários, mas, também, no melhor desempenho da atividade empresarial, sendo, portanto, vantajoso para o próprio empreendimento investir na melhoria, sugerindo, portanto, a Lei 14.831/2024 o desenvolvimento de ações e políticas públicas fundamentados nas seguintes diretrizes: I – Promoção da saúde mental; II – Bem estar dos trabalhadores; e III – Transparência e prestação de contas.
A fim de atender as diretrizes sugeridas, traz a referida Lei situações práticas para o cumprimento, destacando:
“Promoção da saúde mental:
a) implementação de programas de promoção da saúde mental no ambiente de trabalho;
b) oferta de acesso a recursos de apoio psicológico e psiquiátrico para seus trabalhadores;
c) promoção da conscientização sobre a importância da saúde mental por meio da realização de campanhas e de treinamentos;
d) promoção da conscientização direcionada à saúde mental da mulher;
e) capacitação de lideranças;
f) realização de treinamentos específicos que abordem temas de saúde mental de maior interesse dos trabalhadores;
g) combate à discriminação e ao assédio em todas as suas formas;
h) avaliação e acompanhamento regular das ações implementadas e seus ajustes.
Bem-estar dos trabalhadores:
a) promoção de ambiente de trabalho seguro e saudável;
b) incentivo ao equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional;
c) incentivo à prática de atividades físicas e de lazer;
d) incentivo à alimentação saudável;
e) incentivo à interação saudável no ambiente de trabalho;
f) incentivo à comunicação integrativa.
Transparência e prestação de contas:
a) divulgação regular das ações e das políticas relacionadas à promoção da saúde mental e do bem-estar de seus trabalhadores nos meios de comunicação utilizados pela empresa;
b) manutenção de canal para recebimento de sugestões e de avaliações;
c) promoção do desenvolvimento de metas e análises periódicas dos resultados relacionados à implementação das ações de saúde mental”.
Apesar do avanço genuíno da legislação sobre o tema, há lacunas que o texto normativo possui, que podem impor dificuldades no cumprimento e fiscalização dos programas e práticas para a recepção do certificado.
Há diretrizes e práticas para adoção das empresas, entretanto, não se evidenciam os requisitos mínimos necessários para que a empresa receba a certificação. É necessário a adoção de todas as práticas? Qual a quantidade mínima para cumprimento da obrigação? O que se considera descumprimento da norma para que haja revogação da certificação? E mais, quando será nomeado o órgão fiscalizador? A fiscalização será feita de que forma?
Existem indagações que a legislação não responde tornando questionável se sua eficiência e eficácia serão, de fato, alcançados atingindo os objetivos esperados com a publicação desta Lei.
Referências:
Mental State of the World. (2023). Mental State of the World Report 2023. Recuperado de https://mentalstateoftheworld.report/2023_read/
Brasil. Câmara dos Deputados. (2023). Projeto de Lei nº 4358 de 2023. Recuperado de www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2324852&filename=PL%204358/2023
Brasil. Lei nº 14.831, de 27 de março de 2024. Recuperado de https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2024/lei-14831-27-marco-2024-795429-publicacaooriginal-171371-pl.html
Advogada, consultora em Compliance, pós-graduada em Direito Material e Processual do Trabalho pela PUC-SP e em Direito Processual Civil pela Universidade Mackenzie. Mestre em Compliance pela Ambra University.