terça-feira,19 março 2024
AdvocaciaHonorários advocatícios contratuais e o princípio da reparação integral

Honorários advocatícios contratuais e o princípio da reparação integral

Desde a edição do Código Civil/02, a redação do art. 389 tem gerado controvérsias, ao dispor que “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”. O Código Civil de 1916 estipulava que “Não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos” (art. 1.056). Embora não houvesse menção, se entendia que os acessórios da dívida, tais como correção monetária, juros de mora e multa, estavam incluídos no principal.

A controvérsia reside na definição dos honorários de advogado, precisamente a qual espécie a norma se refere? Os serviços jurídicos prestados pelos advogados geram o direito aos honorários advocatícios que podem ser convencionais (ajustados em contrato escrito como remuneração pelos serviços), de sucumbência (decorrentes de sentença que condena a parte vencida a pagar honorários ao advogado da parte vencedora) ou por arbitramento judicial (na falta de estipulação ou de acordo, o juiz fixará honorários devidos ao advogado), a teor do art. 22 do Estatuto da OAB.

Os honorários advocatícios convencionais são devidos por quem contrata o advogado para lhe prestar serviços, e os de sucumbência são devidos pela parte que se torna vencida em processo judicial, cuja condenação deve ser estipulada pela sentença.

Se se entender que os honorários mencionados no art. 389 do CC são os de sucumbência, não haveria qualquer inovação legal, eis que os honorários sucumbenciais já decorrem da sentença, incidindo sobre a parte vencida (CPC, art. 85). De outro lado, se se entender que os honorários mencionados são os convencionais, haveria de fato uma inovação legal.

Pelo princípio da reparação integral, aquele que sofre um dano, em razão de um ato ilícito, tem o direito de obter judicialmente perdas e danos, compreendendo o que perdeu e o que razoavelmente deixou de lucrar (CC, art. 402). Famoso autor italiano já expressava que a necessidade de se servir do processo para obter razão não pode reverter em dano a quem tem razão, pois a administração da justiça faltaria ao seu objeto e a própria seriedade dessa função do Estado estaria comprometida, se o mecanismo organizado para o fim de atuar a lei tivesse de operar como prejuízo de quem tem razão (CHIOVENDA, Giuseppe. Sagli di Diritto Processuale Civile. Roma: Foro Italiano, 1930, vol. I, p. 110).

A sistemática prevista no Código Civil contempla a ampla indenização decorrente do princípio restitutio in integrum, permitindo-se, pois, recomposição dos valores dispendidos pelo ofendido para fazer valer em juízo o direito à indenização. Em outros termos, não é crível que os honorários advocatícios contratuais pagos sejam suportados exclusivamente pelo ofendido, sem ressarcimento do ofensor (cf. Luiz Antonio Scavone Junior. Do descumprimento das obrigações. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007, p. 172).

Como os honorários advocatícios convencionais são pagos por quem contrata o advogado, na hipótese de haver em favor do ofendido reconhecimento judicial do direito à reparação por perdas e danos, entende-se que em tese o ofensor deve reparar também tal dispêndio.

Por oportuno, os honorários advocatícios mencionados nos arts. 389, 394 e 404 do Código Civil são os convencionais, de sorte que, sendo pagos diretamente por quem contratou o advogado, tal valor constitui prejuízo ou dano emergente apto e idôneo de reparação por responsabilidade civil.

O Enunciado 426 da V Jornada de Direito Civil indica que “Os honorários advocatícios previstos no art. 389 do Código Civil não se confundem com as verbas de sucumbência, que, por força do art. 23 da Lei 8.906/1994, pertencem ao advogado”.

De outro lado, é possível alegar que a contratação de advogado para o ajuizamento de ação não se apresenta como um dano passível de indenização, eis que inerente ao exercício de direito constitucional fundamental de acesso ao Poder Judiciário. Além disso, não se mostraria justo que a parte, que não tem relação alguma com o advogado, tenha o dever de arcar com os honorários advocatícios convencionais.

O Superior Tribunal de Justiça já proferiu decisões discrepantes, a saber: (i) “os honorários advocatícios contratuais integram os valores devidos a título de reparação por perdas e danos, conforme o disposto nos arts. 389, 395 e 404 do Código Civil de 2002. A fim de reparar o dano ocorrido de modo integral, uma vez que a verba é retirada do patrimônio da parte prejudicada, é cabível àquele que deu causa ao processo a reparação da quantia” (AgRg no REsp 1.410.705/RS, rel. Min. Humberto Martins); (ii) “os custos decorrentes da contratação de advogado para ajuizamento de ação, por si só, não constituem ilícito capaz de ensejar danos materiais indenizáveis” (AgRg no AREsp 477.296/RS, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira); e (iii) “os arts. 389, 395 e 404, todos do Código Civil, devem ser interpretados de forma a abranger apenas os honorários contratuais pagos ao advogado para a adoção de medidas extrajudiciais, tendo em vista que na esfera judicial há previsão do pagamento de honorários sucumbências” (EREsp 1.155.527/MG, rel. Min. Sidnei Beneti).

A Corte Especial do STJ, pacificando a discussão jurídica, decidiu que “cabe ao perdedor da ação arcar com os honorários de advogado fixados pelo Juízo em decorrência da sucumbência, e não os honorários decorrentes de contratos firmados pela parte contrária e seu procurador, em circunstâncias particulares totalmente alheias à vontade do condenado” (EREsp 1507864/RS, rel. Min. Laurita Vaz).

Com a tese fixada no referido julgado, a jurisprudência passou a se orientar que a contratação de advogado para ajuizamento de ação não constitui ato ilícito capaz de ensejar danos materiais indenizáveis.

No entanto, a mencionada interpretação acaba por transgredir o princípio da restituição integral no campo da responsabilidade civil, reduzindo à completa irrelevância e inutilidade a expressão honorários advocatícios prevista no art. 389 do Código Civil.

Na hipótese de o valor dos honorários advocatícios contratuais ser excessivamente elevado, deverá o juiz efetuar o controle da sua regularidade, à luz da teoria do abuso de direito (CC, art. 187), devendo ser fixado um valor compatível e condizente com os serviços prestados.

De outro lado, remanesce, no âmbito da autonomia privada, a possibilidade de ser ajustada em contrato a obrigação de uma das partes a arcar com os honorários advocatícios convencionais da outra parte, como efeito do inadimplemento contratual.

Vale dizer, nos contratos empresariais e nos contratos civis, em que existe em regra situação de paridade das partes, a presença do princípio da autonomia privada tem a sua importância em destaque, de sorte que a Constituição Federal, ao contemplar a livre iniciativa, concede aos particulares poderes para regularem seus interesses econômicos, mediante a celebração de negócios jurídicos, inclusive para definir o conteúdo e os efeitos da manifestação da vontade (cf. Paula Forgioni. A interpretação dos negócios empresarias. Tratado de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2015, vol. 5).

Em julgado proferido em 18.08.2020, a 3ª Turma do STJ decidiu que é possível a inclusão de valor relativo a honorários advocatícios contratuais previamente ajustados pelas partes em contrato de locação de espaço em shopping center em execução movida pelo locador contra o locatário (REsp 1.644.890/PR, rel. Min. Villas Boas Cueva).

A par deste precedente, há o reconhecimento de que, nos contratos simétricos, de que são exemplos os contratos empresariais e civis, deve prevalecer a autonomia privada, sendo reputada válido ajuste de que, em caso de inadimplemento contratual, os custos com honorários advocatícios do credor sejam pagos pelo devedor.

 

Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.

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1 COMENTÁRIO

  1. Excelente o artigo, irretocável. Quando li o precedente aplicável as contratos de locações em Shopping Centers, pensei exatamente da mesma forma. Entendimento diverso torna extremamente oneroso, para o vencedor da demanda, o exercício dos seus direitos, afastando os jurisdicionados do acesso à justiça, e sobrecarregando as defensorias públicas.

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