sexta-feira, 26/julho/2024
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O isolamento social e a necessidade de modernização dos padrões de qualidade dos serviços de internet

Por Igor Atanes Chainça*

 

A pandemia de coronavírus, assim declarada pela Organização Mundial de Saúde em 11 de março de 2020[1], trouxe ao Brasil a maior crise sanitária do século e, com isso, fez com que governantes adotassem inúmeras medidas de contenção da doença.

Por se tratar de um vírus novo, altamente infeccioso e para o qual o ser humano não possui imunidade, foi promulgada a Lei nº 13.979/20, que “dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019[2]. Uma das medidas previstas na referida Lei é o isolamento social.

O isolamento social trouxe mudanças não somente no convívio social, mas também no funcionamento de empresas, de instituições de ensino e de instituições do Estado.

Cita-se, a título de exemplo, estudo realizado pelo instituto de estudos Gartnet e pelo Capterra, que constatou que o isolamento social imposto pelo novo coronavírus levou 77% das pequenas e médias empresas brasileiras para o home office[3]. Por sua vez, a Fundação Getúlio Vargas apontou que ao menos 30% das empresas brasileiras devem manter o home office em suas jornadas de trabalho após a pandemia de Covid-19[4]. Ainda, o Ministério da Educação autorizou até 31 de dezembro de 2020 as aulas a distância no ensino superior e listou novos critérios para o estágio e práticas laboratoriais enquanto durarem as medidas de restrição social devido à pandemia de coronavírus[5].

Evidente, destarte, que o isolamento social trouxe mudanças comportamentais e uma nova realidade à vida de todos. O home office e a educação a distância são uma realidade cada vez mais comum, o que novamente traz à tona o antigo debate sobre a velocidade de internet fornecida pelas operadoras do país.

Antes mesmo do crescente número de home office e de educação a distância no Brasil, a velocidade de internet sempre foi uma das principais reclamações contra provedores de internet na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Com a pandemia de Covid-19, tais problemas aumentaram: um estudo do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR indicou que a quarentena teve impacto inicial negativo sobre a velocidade de acesso à internet no Brasil. Segundo o estudo, o número de reclamações registradas na Anatel cresceu 32% na segunda quinzena de março[6].

É comum entre especialistas associar a má-prestação de serviços pelas operadoras ao fraco ambiente regulatório do serviço de internet no Brasil. De fato, parece que a regulamentação de tais serviços não é o suficiente para suprir as novas necessidades da população.

A Anatel regula os padrões mínimos de qualidade dos serviços de internet por meio da Resolução nº 574, de 31 de outubro de 2011[7]. Não obstante, é evidente que há tolerância exacerbada em relação a qualidade dos serviços de banda larga prestado pelas operadoras.

Segundo a Resolução supramencionada, a velocidade da conexão não deve ser inferior a 40% da velocidade que foi ofertada ao cliente. Ou seja, quando a prestadora oferece um pacote com velocidade de 1 megabite por segundo, a velocidade nunca pode ser inferior a 400 kilobites por segundo. Considerando todas as conexões à internet, a média mensal da velocidade não deve ser inferior a 80% da velocidade ofertada ao cliente. Ou seja, a média da velocidade ao longo do mês não pode ser inferior a 800 kilobites por segundo, seguindo o exemplo acima e nos termos dos artigos 16 a 18 da Resolução em análise[8].

Em outras palavras, a Resolução nº 574 da Anatel prevê que o consumidor deve receber tão somente uma velocidade não inferior a 40% do que paga. Mensalmente, mesmo que pague 100% do contratado, a operadora deve fornecer tão somente velocidade não inferior a 80% do que foi pago.

Não se mostram razoáveis tais disposições. A Anatel, ao fixar estes padrões mínimos de qualidade, relevou-se omissa para com os direitos dos consumidores, ainda mais diante da realidade brasileira. Isto porque, segundo dados da própria Anatel, a velocidade média da internet fixa em 45% das cidades do país é de 5 megabites[9], insuficiente para ver o uso de serviços de streaming, por exemplo – mais insuficiente ainda para trabalhar por home office ou estudar por educação a distância.

Quando da edição da Resolução nº 574 da Anatel, as disposições já eram omissas em regular devidamente os serviços prestados. Agora, com a nova realidade trazida pela pandemia de Covid-19, as disposições constantes na referida Resolução soam não somente desatualizadas, mas até mesmo desrespeitosas com os consumidores. Isto porque, conforme demonstrado, a internet passou a ter cada vez mais um novo papel. Não serve mais somente para serviços de streaming, é o meio de trabalho de grande parte dos trabalhadores. Não serve mais somente para o uso de redes sociais, é a nova sala de aula de grande parte dos estudantes.

À vista disso, é imprescindível a edição de novos padrões mínimos de qualidade, pois, se a pandemia de Covid-19 transformou a realidade brasileira em inúmeros aspectos, por que não transformar também os serviços prestados pelas operadoras de internet? A Anatel, agência reguladora tão valorosa à população, precisa observar os novos anseios sociais e modernizar os padrões mínimos de qualidade dos serviços de internet, que indubitavelmente pode ser considerado um serviço essencial.


Referências bibliográficas

 [1] ORGANIZAÇÃO Mundial de Saúde declara pandemia do novo Coronavírus. 11 mar. 2020. Disponível em: https://bit.ly/305kQUU. Acesso em: 28 jul. 2020.

[2] PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. 6 fev. 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979compilado.htm. Acesso em: 28 jul. 2020.

[3] 77% das PMEs brasileiras adotaram home office durante a pandemia. Revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, 14 maio 2020. Disponível em: https://glo.bo/2Ddlk2s. Acesso em: 28 jul. 2020.

[4] NO BRASIL, 30% de empresas devem manter home office depois da pandemia. Brasil Econômico, 11 jun. 2020. Disponível em: https://bit.ly/2DdZ4p0. Acesso em: 28 jul. 2020.

[5] MEC autoriza aulas por meios digitais até dezembro para ensino superior. Uol, 17 jun. 2020. Disponível em: https://bit.ly/309Rl4x. Acesso em: 28 jul. 2020.

[6] VELOCIDADE da internet cai e reclamações crescem 32%. Valor Investe, 13 abr. 2020. Disponível em: https://glo.bo/3hKWHZI. Acesso em: 28 jul. 2020.

[7] Resolução nº 574, de 31 de outubro de 2011. Aprova o Regulamento de Gestão da Qualidade do Serviço de Comunicação Multimídia (RGQ-SCM). 31 out. 2011. Disponível em: https://www.anatel.gov.br/legislacao/resolucoes/2011/57-resolucao-574/. Acesso em: 28 jul. 2020.

[8] InVelocidade de conexão. 9 fev. 2015. Disponível em: https://bit.ly/3fasotT. Acesso em: 28 jul. 2020.

[9] Home office expõe fragilidade da infraestrutura de internet em alta velocidade. O Globo, 5 abr. 2020. Disponível em: https://glo.bo/308iyEy. Acesso em: 28 jul. 2020.

 

 

 

*Igor Atanes Chainça, colaborou com nosso site por meio de publicação de conteúdo. Ele é advogado sócio do escritório Chainça Advocacia.

 

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