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Casei com um alemão. E agora?

161MJ

Olá!

Recentemente assisti um vídeo que explicava sobre como a tecnologia da informação e comunicação revolucionou as relações interpessoais: o arcabouço rudimentar e caro transformou-se em barato e acessível, gerando conexões cada vez mais dinâmicas.

E assim, grandes distâncias tornaram-se pequenos detalhes. Namorar ou até mesmo casar com alguém de outra nacionalidade não mais soa como um grande absurdo. Pelo contrário! Vem se tornando cada vez mais comum.

Mas o que isso tem a ver com o Direito Internacional?

Digamos que você se casa com um(a) alemão(ã), como sugeri no título. Quais formalidades legais devem ser cumpridas: brasileiras ou alemãs? E o casamento no consulado? Como ficaria sua validade perante o ordenamento jurídico brasileiro? Mas o casamento com o tal do(a) alemão(ã) não deu muito certo e me divorciei no exterior.. e agora?

Bem. Todas as estas questões relacionam-se intimamente com o Direito Internacional Privado.

Como bem informa Portela[1], em que pese o Direito Internacional Público limite a soberania nacional, os Estados continuam deliberando, em caráter exclusivo, acerca do desenvolvimento da vida social dentro dos seus respectivos territórios. Há situações, contudo, que ultrapassam as fronteiras geográficas daquele determinado Estado: transações comerciais, investimentos no exterior, aquisições de bens e – por que não – casamentos entre pessoas de nacionalidades distintas.

Nesses casos de conexão internacional, indaga-se sobre qual norma de Direito seria aplicável: o próprio ordenamento jurídico ou a regra estrangeira?

É a partir desses pontos controversos que o Direito Internacional Privado ganha contornos mais nítidos, uma vez que “visa regular os conflitos de leis no espaço em relações de caráter privado que tenham conexão internacional, determinando qual a norma jurídica nacional que se aplica a esses vínculos, que poderá tanto ser um preceito nacional como estrangeiro”.[2]

Esse estudo é relevante ao ponderarmos toda a “diversidade legislativa” – tratamento diferenciado que diferentes Estados dão às mesmas questões, considerando todo o contexto social, econômico e político daquela sociedade -, bem se ponderarmos a existência de uma “sociedade transnacional” (como expliquei no primeiro parágrafo) [3].

A fim de solucionar o conflito de normas, o Direito Internacional Privado divide-se entre o “objeto da conexão”, que descreve a matéria a qual se refere a norma (casamento, domicílio, capacidade civil, etc.) e o “elemento de conexão”, que indica qual a lei será aplicada ao caso concreto. [4]

A título prático, cito como exemplos de elementos de conexão o domicílio (aplica-se a lei do domicílio de uma das partes); a nacionalidade (aplica-se a lei do Estado que a pessoa é nacional); “lex fori” (aplica-se a lei do lugar onde se desenvolve a relação jurídica); “lex rei sitae” (aplica-se a lei do lugar onde está situado o bem); “lex loci executionis” (aplica-se a lei do local de execução de um contrato ou obrigação); e, por fim, o “locus regit actum” (aplica-se a lei do local em que a obrigação foi contraída).

Mais especificadamente quanto ao casamento, tema principal do artigo, tem-se que:

– A capacidade para casar é regida pelo elemento de conexão do domicílio.

– As formalidades legais regem-se pela norma do local do casamento, como determina o art. 7, §1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB):

Art. 7º. A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.
§ 1º Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.

– O regime de bens e os casos de invalidade do matrimônio, por sua vez, também obedecem à lei do país em que os nubentes tiverem domicílio (art. 7, §§ 3º e 4º da LINDB).

– Caso o seu(sua) amado(a) alemão(ã) faleça, a sucessão por morte ou ausência também obedece à lei do país em que era domiciliado o “de cujus” ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens (art. 10 da LINDB):

Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.
§ 1º. A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.
§ 2º. A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.

– É possível que o casamento se proceda no consulado do país (o casamento de dois americanos no consulado dos Estados Unidos não se submete à nossa legislação);

– É possível que dois brasileiros se casem no exterior e, ao retornarem, registrem no cartório. Esse registro deve ser feito em até 180 (cento e oitenta) dias do retorno ao Brasil, senão o casamento não surtirá efeitos no nosso ordenamento.

– O divórcio realizado no exterior precedido de sentença precisa ser homologado pelo STJ para que o cidadão possa se casar novamente. Cabe ao STJ verificar se houve citação válida e se o juízo foi competente, mesmo nos divórcios consensuais:

Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reuna os seguintes requisitos:
a) haver sido proferida por juiz competente;
b) terem sido os partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia;
c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida;
d) estar traduzida por intérprete autorizado;
e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal.

Embora conste no citado artigo que a homologação será feita pelo STF, cabe ao STJ desde a Emenda Constitucional 45.

Elucidadas estas pequenas questões, vê-se que não é um grande “imbróglio que quiproquó” casar com alguém de nacionalidade distinta. Deixemos as dificuldades apenas para o idioma e a distância.

Referências:

[1] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado – Incluindo Noções de Direitos Humanos e Direito Comunitário. 3ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2011.

[2] Idem.

[3] BREGALDA, Gustavo. Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado.

[4] DEROLLE, Patrícia Galves. Direito Internacional Privado: LINDB, elementos de conexão, homologação de sentença estrangeira e carta rogatória. Disponível em: http://e-internacionalista.com.br/2014/06/01/direito-internacional-privado-lindb-elementos-de-conexao-homologacao-de-sentenca-estrangeira-e-carta-rogatoria/.

Advogada. Mestranda em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Dedica-se à pesquisa de temas relacionados a Direitos Humanos, Direito Internacional e Relações Internacionais.
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1 COMENTÁRIO

  1. Excelente artigo. Parabéns! Somente uma dúvida: não houve mudança com o novo CPC quanto a homologação de sentenças de separação e divórcio quando inexistente outros questões como partilha , guarda, etc.? Não seria dispensada homologação pelo STJ?

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