sexta-feira,19 abril 2024
ColunaCivilista de PlantãoApartamento com defeito! O que dá pra fazer? - Parte II

Apartamento com defeito! O que dá pra fazer? – Parte II

Dando continuidade à matéria escrita neste link, sobre os defeitos ocorridos nos imóveis, desta vez vamos falar sobre a compra de casa ou apartamento com defeito construtivo (vazamentos, infiltrações, rachaduras, metragem menor do que o convencionado, entre outros) quando as relações entre comprador e vendedor são de consumo, ou seja, quando se aplica o Código de Defesa do Consumidor.

Como já foi dito, é preciso analisar se a compra do imóvel com defeito é fruto de uma relação de consumo, pois isso gera uma grande diferença na hora de procurar a justiça, principalmente no que diz respeito aos prazos prescricionais e de garantia, bem como a responsabilidade do fornecedor do imóvel.

No texto anterior, esclarecemos que, para que seja aplicável o Código de Defesa do Consumidor – CDC é necessário, obviamente, que haja uma relação de consumo e, para tal, se faz necessária a presença de um fornecedor (art.3º do CDC) e de um consumidor (art.2º do CDC).

Portanto, se encaixa aqui aquela casa ou apartamento comprado de um fornecedor, ou seja, daquela pessoa física ou jurídica que habitualmente constrói ou comercializa imóveis (construtoras, incorporadoras, empreiteiras ou imobiliárias, por exemplo), sendo esta sua atividade comercial principal.

Da mesma forma, a pessoa que comprou deve se encaixar na figura de consumidor, ou seja, todo aquele “que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (ex.: pessoas ou empresas que compram imóveis para uso próprio).

Pois bem, vamos verificar então o que podemos fazer quando, nesta situação específica, nos deparamos com problemas nos imóveis.

III) Relação de Consumo (CDC).

Primeiramente vamos esclarecer que nas relações de consumo todas as responsabilidades dos fornecedores são objetivas (arts. 12, 14, 18 e 20 do CDC), ou seja, isso quer dizer que, para demonstrar a necessidade de reparação do problema do imóvel (seja por meio de conserto ou indenização) somente é necessária a comprovação da ocorrência do dano, da ação ou omissão e do nexo causal, que é a relação entre a ação (construção do imóvel) e o dano (rachadura, piso estourado etc.).

Não é necessário, portanto, comprovar que o vendedor ou construtor agiu com dolo ou culpa, sendo irrelevante saber se o motivo pelo qual aquele dano ocorreu.

Existem, porém, duas espécies de problemas (aqui chamados de “vícios de qualidade”) que podem ocorrer nos imóveis. Vamos a elas:


a) Defeitos do produto (também chamados de “vícios de qualidade por insegurança”)

A doutrina chama de “defeito do produto” aquele problema no imóvel capaz de gerar abalo à sua segurança ou solidez (art. 12 a 17 do CDC).

Estes defeitos devem apresentar, cumulativamente, dois aspectos:

  • Desconformidade com as legítimas expectativas do consumidor; e
  • Capacidade (potencialidade) de provocar acidente de consumo.

Entra nesta espécie de problema construtivo as rachaduras, infiltrações, graves abalos estruturais, descumprimento do projeto estrutural, desprendimento de revestimentos externos e pastilhas, problemas elétricos, entre outros capazes de gerar potencial acidente aos consumidores.

Podemos ver que ele se parece muito com a responsabilidade apontada pelo artigo 618 do Código Civil, porém traz mais vantagens ao consumidor.

Nesta espécie, quem comercializa o imóvel só responde quando o construtor e/ou incorporador não puderem ser encontrados (o que é difícil de acontecer), porém, é certo que há responsabilidade solidária entre os causadores do dano (art. 25 do CDC), cabendo o direito de regresso.

Caso um dos intermediários responsáveis pela construção não tenha contribuído para o dano no imóvel (por exemplo, uma empresa de aplicação de gesso, quando o dano é elétrico) a este cabe provar em juízo que nada teve a ver com o “defeito do produto”, em razão da aplicação da inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII do CDC).

Profissional liberal

No caso de a construção ter sido feita por um profissional liberal (um pedreiro, por exemplo), existe uma exceção quanto à natureza da responsabilidade. Se este profissional não for vinculado a nenhuma pessoa jurídica a sua responsabilidade será subjetiva, cabendo ao consumidor também comprovar que este agiu com dolo ou com imperícia (ou negligência, ou imprudência) e que isto foi determinante para a ocorrência do dano no imóvel (art.14, §4º do CDC). Isso acontece porque, no caso em tela, não se pode equiparar o profissional liberal às empresas, pois estas têm, via de regra, uma desigualdade muito grande em relação ao consumidor, seja de natureza técnica, econômica, jurídica, dentre outras, desigualdade que não ocorre em relação a um pedreiro por exemplo.

Aplica-se, porém, ao profissional liberal, todas as demais regras do CDC no caso de haver relação de consumo.

Ações e prazos

As ações e o prazo para reclamar dos “defeitos do produto” também são diferenciados.

Cabe neste caso ação de indenização por vícios construtivos, com o fim de que o fornecedor do imóvel (construtora/incorporadora) seja condenado a pagar pelo conserto ou finalização da obra, bem como por eventuais perdas e danos decorrentes do problema, além de custas processuais e os honorários do perito técnico judicial.

O prazo para propor esta ação segue o que diz o artigo 27 do CDC, ou seja é de 05 anos.

Como vimos, a responsabilidade do artigo 618 do Código Civil é muito parecida com esta, pois ambas se referem à segurança e solidez da obra, são responsabilidades objetivas (não necessitam da comprovação da culpa) e as duas tem o prazo de 05 anos. Qual a diferença entre as duas então?

A contagem do prazo.

No CDC, a contagem do prazo de 05 anos (que neste caso é prescricional) se inicia a partir do conhecimento do dano e da identificação da autoria.

Como na maioria dos casos de construção de imóveis a construtora é, via de regra, a autora do dano, o prazo começa a correr da data em que você se deu conta do problema construtivo.

Assim, o consumidor tem prazo estendido para a realização de seu direito


b) Vício por inadequação (art. 18 a 25 do CDC).

Neste caso, trata-se dos problemas relacionados a perfeição da construção e a metragem do imóvel.

Para o CDC, diferentemente do Código Civil, não importa se o problema é aparente ou oculto. A proteção ocorre nos dois casos, sendo que a única diferença será a contagem do prazo decadencial (conforme §§ 1º e 2º do art. 26 do CDC).

Nestes tipos de vício, não há necessariamente um risco para o consumidor, porém o imóvel lhe foi entregue em desconformidade com sua legítima expectativa.

Como exemplo de vício por inadequação, podemos citar o caso em que o imóvel apresenta cor diferente do que foi combinado, ou quando a publicidade dizia que teria um playground e não tem, ou quando o memorial descritivo indica que uma área seria gramada, mas na realidade é cimentada, ou então quando o imóvel é menor do que o contrato ou a publicidade indicava, entre outros casos.

Portanto, se o fornecedor se comprometeu a entregar o produto de uma maneira e isto não foi cumprido, desde que não possua uma potencialidade de oferecer acidentes, poderá existir o vício por inadequação.

Deste modo, o vício por inadequação se divide em três subespécies:

(i)     de qualidade (baixa qualidade do material utilizado, cor diferente, pintura no lugar de azulejos, entre outros exemplos);

(ii)   de disparidade do produto com as informações fornecidas (quando a publicidade dizia que o espaço gourmet seria mobiliado e não é, ou que a academia contaria com equipamentos e não conta, ou então quando não existe a jardinagem proposta no panfleto de venda); e

(iii) de quantidade (quando a metragem do imóvel, a altura do teto, a dimensão do terreno é menor do que a indicada na publicidade de venda ou no contrato.

Tratando-se de (i) vícios de qualidade, ou (ii) vícios de disparidade do produto com as informações fornecidas, quando o consumidor recebe o imóvel e constata o problema, ou quando o constata após o recebimento (pois não importa se é oculto ou aparente), ele deve proceder reclamação imediata ao fornecedor, que tem 30 dias para sanar o problema ou ao menos iniciar as obras para tal.

Caso o fornecedor não o faça (ou se negue expressamente a fazer), o consumidor pode, segundo o art.18, §1º do CDC:

  • Propor ação de obrigação de fazer para substituição imediata do produto por outro em perfeitas condições, no prazo de 90 dias a contar da entrega do imóvel ou da ciência do dano; ou
  • Propor ação redibitória, para a resolução do contrato (devolver o apartamento e recuperar as parcelas pagas), também no prazo de 90 dias a contar da entrega do imóvel ou da ciência do dano; ou
  • Propor ação de indenização/ação estimatória, visando o abatimento proporcional do preço, também no mesmo prazo e condições.

O prazo de 30 dias citado acima (para o fornecedor consertar voluntariamente o problema) suspende os prazos das ações supracitadas, portanto, enquanto corre o prazo para o fornecedor arrumar o imóvel, não há que se falar em perda do prazo para a ação.

Há que se falar também que, como o prazo do Código Civil para estes mesmos problemas é de 01 ano a contar da entrega da obra (art. 441 e seguintes do CC/2002), pode acontecer que este prazo seja mais benéfico para o consumidor do que o prazo do CDC, que é de 90 dias (principalmente se o problema ocorrer nos primeiros meses após a entrega do imóvel).

Assim, em razão da interpretação sistemática que devemos dar ao CDC, deve-se aplicar o prazo do Código Civil e não o do Código de Defesa do Consumidor.

Um outro ponto importante é: e se problema aparecer muitos anos depois de entregue o imóvel ??

Para responder esta pergunta, devemos nos valer do conceito de vida útil do bem, que deve ser apurado e decidido pelo juiz. Por exemplo: é normal um azulejo descolar após 03 anos de uso regular? É certo que não. Porém, após 10 anos, é natural que as janelas emperrem em razão de certa ação do tempo.

Portanto deve o juiz analisar o caso concreto, e estando dentro da vida útil do bem, caso ocorra o problema, o consumidor tem os 90 dias de prazo para propor a ação a partir do seu conhecimento.

Segundo parte da doutrina, este prazo de vida útil deve ser ainda somado com a garantia contratual que a construtora fornece.

Tratando agora dos (iii) vícios de quantidade, devemos dizer que aquela limitação da diferença ser maior do que 5% do tamanho total, trazida pelo art. 500 do Código Civil, não se aplica nos casos de relação de consumo.

Assim, qualquer que seja a diferença, a menor, entre o tamanho prometido do imóvel em relação ao tamanho real do imóvel que foi entregue, é capaz de gerar a reclamação por parte do consumidor.

Constatada a diferença de tamanho, pode o consumidor, imediatamente, e nos termos do art. 19 do CDC:

  • Propor ação de obrigação de fazer para substituição imediata do produto por outro sem o vício da quantidade; ou
  • Propor ação redibitória, para a resolução do contrato (devolver o imóvel e recuperar as parcelas pagas); ou
  • Propor ação de indenização/ação estimatória, visando o abatimento proporcional do preço;

Pode também o consumidor pedir a complementação da medida ou da área. Para o caso de imóveis construídos isso dificilmente acontece porque o fornecedor não poderá construir um cômodo a mais em um apartamento, por exemplo. Porém, se tratarmos da compra de um terreno, caso o fornecedor possua o terreno ao lado o consumidor pode pedir que a área seja complementada sob as custas do fornecedor, mediante ação de obrigação de fazer.

Os prazos para a propositura das ações acima não são trazidos pelo CDC, de modo que devemos buscar os prazos do Código Civil, ou seja, prazo decadencial de 01 ano a partir da entrega do imóvel para propor a resolução do contrato (art. 501 do CC/02) ou prazo prescricional de 03 anos para pleitear indenização por danos em razão da quantidade a menor do imóvel entregue (art. 206, §3º do CC/02).


De maneira geral, os vícios por inadequação (seja de qualidade, quantidade ou desconformidade) não trazem qualquer ressalva quanto à responsabilidade solidária dos fornecedores, de modo que todos os agentes da escala produtiva devem responder solidariamente pelos problemas construtivos (construtoras, incorporadoras, loteadores, empreiteiras etc), tudo de acordo com o art. 18 do CDC.

Quanto aos profissionais liberais, também não há qualquer indicação de que devem responder subjetivamente (como é o caso dos defeitos do produto, ou vícios por insegurança).

Deste modo, mesmo que o imóvel seja construído por um pedreiro (pessoa física, portanto), configurada a relação de consumo, sua responsabilidade continuará sendo objetiva, não tendo o consumidor que comprovar a ocorrência de culpa.

Devemos destacar ainda que, nos termos dos §§3º dos art. 12 e 14, caso o fornecedor comprove que o problema não existe ou que ele ocorreu por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, nada terá que pagar, excluindo assim, sua responsabilidade.

Por fim, ressaltamos que é considerada prática abusiva a construção em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais, como ABNT ou a Conmetro por exemplo, conforme art. 39, VII do CDC.

Desta forma, caso haja diferença no tamanho das vagas de garagem, ou o barulho de um apartamento seja facilmente ouvido no vizinho por exemplo, pode ser caso de configuração de prática abusiva, capaz de embasar pedido de indenização (por danos morais e materiais) ou a resolução do contrato, cumulada com a devolução dos valores e a condenação do fornecedor em perdas e danos.


Pois bem. Estas foram algumas palavras sobre o que se pode fazer, caso o imóvel apresente algum defeito.

Se você ainda não viu a matéria anterior, que tratou dos problemas decorrentes de relação civil (aplicando o Código Civil de 2002 e não o CDC) entre neste link e acompanhe.

Muito obrigado e até a próxima.

 

Advogado. Diretor Jurídico e de Relações Institucionais da Câmara Municipal de Salto de Pirapora/SP. Pós-graduado em Direito Contratual e em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito. Entusiasta da Mediação e da Arbitragem (pública e privada).

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