quinta-feira,25 abril 2024
ColunaDireito ImobiliárioA cláusula resolutiva expressa na compra e venda de imóvel e a...

A cláusula resolutiva expressa na compra e venda de imóvel e a (DES)necessidade de manifestação judicial

No âmbito do direito contratual imobiliário, um tema que sempre despertou discussões foi o alusivo à necessidade, ou não, da notificação prévia para configurar a mora do promitente comprador com vistas à propositura de demanda judicial de resolução.

Para tanto, tornou-se comum a previsão de cláusula resolutiva expressa, segundo a qual as partes ajustam que haverá a extinção do contrato em hipótese de descumprimento voluntário de obrigação por um dos sujeitos do contrato, sem a necessidade de notificação prévia do comprador, nem tampouco de ingresso de demanda judicial perante o Poder Judiciário.

No Código Civil, em seu art. 397, a constituição do devedor em mora pode decorrer do simples vencimento da obrigação positiva e líquida, segundo o qual o inadimplemento de obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor (EREsp 1.250.382, rel. Min. Sidnei Beneti), como também pode decorrer da realização de notificação prévia, quando não houver tempo certo para o cumprimento ou se a obrigação não for positiva ou líquida.

Há vários casos em que a legislação especial exige a notificação prévia para a constituição do devedor em mora, ainda que se trate de obrigação positiva, líquida e com data de vencimento, tais como na compra e venda de imóveis vinculados à incorporação imobiliária (Lei 4.591/64), ao sistema financeiro habitacional (Lei 5.741/71), a loteamento (Lei 6.766/79), ao sistema financeiro imobiliário (Lei 9.514/97), com vistas à resolução contratual.

Nestes casos especificados em lei especial, extrai-se a lição de que somente após a concessão de oportunidade para purgação da mora, mediante notificação prévia, é que, não vindo o devedor a purgá-la, terá lugar a resolução contratual, mesmo que se trate de obrigação, positiva, líquida e a termo.

Em outros termos, nos contratos de compra e venda de imóveis previstos nas Leis 4.591/64 (incorporação imobiliária), 5.741/71 (sistema financeiro habitacional), 6.766/79 (loteamento) e 9.514/97 (sistema financeiro imobiliário), há regra especial que afasta a norma geral prevista no art. 397 do Código Civil, impondo-se que a constituição em mora do devedor se opere mediante prévia notificação, com vistas à constituição do devedor em mora. Assim, o simples transcurso do prazo de vencimento estipulado no contrato de compra e venda de imóvel para pagamento das prestações não autoriza o vendedor à propositura de demanda de resolução contratual, impondo-lhe, antes, promover a notificação prévia que, em última análise, visa a propiciar ao comprador faltoso a oportunidade de purgar a mora em que incorreu (REsp. 15489, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).

Em realidade, o legislador em tais hipóteses especiais estabelece uma oportunidade a mais para que o comprador venha a purgar a mora em que incorre, à luz do princípio da conservação do negócio jurídico imobiliário. Assim, sobrevindo o temo para o cumprimento da obrigação positiva e líquida, o Vendedor deve providenciar a notificação do Comprador, concedendo-lhe a oportunidade para purgá-la, sob pena de extinção do contrato por inadimplemento. “O que a lei objetiva é despertar a atenção do inadimplente e dar-lhe um prazo para cumprimento da obrigação” (RTJ 85/1002).

Caso a demanda de resolução de contrato venha a ser ajuizada, sem que tenha sido realizada a notificação prévia do devedor, entende-se que há a ausência de condição da ação, devendo o feito ser extinto sem exame do mérito. A citação somente se presta a constituir em mora o devedor nos casos em que a ação não se funda da mora do réu (REsp 261903, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).

Por sua vez, há discussão, se prevista cláusula resolutiva expressa, acerca da necessidade ou não de ingresso de demanda cujo pedido venha ser a resolução contratual propriamente dita.

Há manifestação no sentido de que a cláusula resolutiva expressa implica que, julgada procedente o pedido da demanda de resolução contratual, se considera extinto o contrato desde o vencimento da obrigação inadimplida, sendo imprescindível, pois, a intervenção judicial para a resolução contratual (cf. Orlando Gomes. Contratos. 9ªed., Rio de Janeiro: Forense, p. 281; Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil. São Paulo: Saraiva, p. 813).

De outro lado, há manifestação no sentido de que, havendo no instrumento contratual cláusula resolutiva expressa, basta à parte prejudicada, acaso seja a sua intenção resolver o contrato, notificar extrajudicialmente a parte inadimplente, exercendo o direito extintivo de resolução (cf. Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. Rio de Janeiro: Aide, 2003, p. 182).

O STF já decidira que, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel, a constituição em mora começa a correr da interpelação extrajudicial ou judicial, de sorte que, findo o prazo desta, sem a purgação da mora, está rescindido automaticamente o contrato (RE 86.357, RTJ 85/1002).

Sobre a eficácia da cláusula resolutiva expressa em contrato de arrendamento mercantil, o STJ tem orientação firme no sentido de que se afigura admissível a propositura de ação de reintegração de posse amparada na mora do devedor comprovada por prévia notificação (REsp 285825, rel. Barros Monteiro).

No âmbito do STJ, houve divergência jurisprudencial de qual o tipo de demanda a ser ajuizada, a saber: (i) se houver cláusula resolutiva expressa, pode ser ajuizada desde logo demanda possessória, dispensando-se a resolução do contrato pelo Judiciário (REsp 64.170, rel. Min. Eliana Calmon), e (ii) a cláusula resolutiva expressa não afasta a necessidade de manifestação judicial para a verificação dos pressupostos que justificam a resolução do contrato (REsp 204.246, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).

Em momento posterior veio a prevalecer no STJ a orientação de que é imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de resolução de contrato de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução, ainda que existente cláusula resolutiva expressa, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear os contratos. Não se cogita de proteção possessória antes de manifestação judicial sobre a resolução do contrato de compra e venda, eis que somente após a respectiva resolução é que poderá haver posse injusta (REsp 620.787, rel. Min. Luis Felipe Salomão).

Com base na mesma motivação, entende-se que a ação possessória não se presta à recuperação da posse, sem que antes tenha havido a manifestação judicial sobre a resolução do contrato, sendo firme a jurisprudência do STJ no sentido de ser imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear os contratos  (AgInt no AREsp 734.869, Rel. Min. Marco Buzzi).

No entanto, em recente julgado realizado em 10.08.2021, a 4ª Turma do STJ, no REsp 1.789.863, alterando a orientação até então prevalecente, decidiu que é possível o ajuizamento de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador devidamente comprovado por notificação prévia, sendo desnecessário o ajuizamento de ação de resolução de contrato.

No voto do Min. Marco Buzzi, há a menção aos seguintes fundamentos, quais sejam: (i) a regra do art. 474 do Código Civil dispensa as partes da ida ao Judiciário, quando existente cláusula resolutiva expressa, operando efeitos de pleno direito; (ii) após a necessária interpelação para constituição em mora, deve haver um período no qual o contrato não pode ser extinto e que o compromissário comprador tem possibilidade de purgá-la. Entretanto, não há óbice para a aplicação da cláusula resolutiva expressa, porquanto após o decurso do prazo in albis, isto é, sem a purgação da mora, nada impede que o compromitente vendedor exerça o direito potestativo concedido pela cláusula resolutiva expressa para a resolução da relação jurídica extrajudicialmente; (iii) compreender a exigência de interpelação para constituição em mora como necessidade de se resolver o compromisso de compra e venda apenas judicialmente enseja confusão e imposição, não sendo a intenção do legislador ordinário, por extrapolar o que determina a legislação específica sobre o compromisso de compra e venda de imóvel.

Em casos assim, devem ser prestigiados o princípio da autonomia privada e a regra contida no art. 474 do Código Civil, segundo os quais a cláusula resolutiva expressa opera efeitos de pleno direito, de modo a compreender que a resolução do contrato opera-se de pleno direito após ultrapassado o prazo de que o devedor dispõe para purgar a mora, e que a permanência do bem com o devedor, após a resolução contratual, revela a injustiça da posse, caracterizando, pois, o esbulho possessório a justificar a proteção possessória.

Como a causa de pedir da demanda possessória de reintegração de posse se assenta na injustiça da posse derivada do inadimplemento absoluto do comprador no contrato de compra e venda, é lícito ao comprador suscitar que não se operou a extinção do contrato por inadimplemento contratual absoluto, trazendo fundamentos para a descaracterização do inadimplemento contratual. Sendo assim, na análise da demanda possessória ajuizada pelo vendedor, a causa de pedir consubstanciada na posse injusta exercida pelo comprador deve decorrer da extinção do contrato por resolução contratual precedida de notificação prévia, de modo que compete ao réu demonstrar que não estão presentes os requisitos configuradores do inadimplemento contratual absoluto que lhe é imputado.

Assim, considerando que a cláusula resolutiva expressa opera efeitos de pleno direito, a teor do art. 474 do Código Civil, deve ser considerado extinto automaticamente o contrato de compra e venda de imóvel por inadimplemento, após ultrapassado o prazo de que o comprador dispõe para purgar a mora, cuja notificação prévia é exigida pela legislação especial (Leis 4.591/64, 5.741/71, 6.766/79 e 9.514/97), restando configurado, a partir deste instante, o esbulho possessório praticado pelo comprador a justificar a concessão do interdito possessório. Isto é, a retenção do bem, após a resolução automática do negócio jurídico de compra e venda, torna injusta a posse, caracterizando o esbulho possessório a autorizar o interdito possessório.

Aliás, o entendimento firmado no REsp 1.789.863 encontra-se em sintonia com a orientação adotada pelo STJ em temas análogos, admitindo-se o ajuizamento de ação de reintegração de posse: (i) de imóvel objeto de contrato de arrendamento residencial com cláusula resolutória expressa (REsp 1099760, rel. Min. Massami Uyeda); (ii) de bem móvel objeto de contrato de arrendamento mercantil (leasing) em que haja cláusula resolutiva expressa (AgRg no AREsp 777003, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze); (iii) de imóvel objeto de contrato de permissão de uso com cláusula resolutiva expressa (AgRg no REsp 1000779, rel. Min. Massami Uyeda); (iv) de imóvel objeto de termo de ocupação com opção de compra com cláusula resolutiva (REsp 94628, rel. Min. Castro Meira); (v) de imóvel objeto de contrato com pacto de alienação fiduciária em garantia (REsp 1925380, rel. Min. Nancy Andrighi).

 

Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.

Receba artigos e notícias do Megajurídico no seu Telegram e fique por dentro de tudo! Basta acessar o canal: https://t.me/megajuridico.
spot_img

DEIXE UM COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

spot_img

Mais do(a) autor(a)

spot_img

Seja colunista

Faça parte do time seleto de especialistas que escrevem sobre o direito no Megajuridico®.

spot_img

Últimas

- Publicidade -