sexta-feira, 26/julho/2024
ColunaDireitos (&) HumanosTrabalho escravo contemporâneo

Trabalho escravo contemporâneo

1. O trabalho forçado

 

A abolição do trabalho escravo ocorreu através a Lei Áurea, aprovada em 13 de maio de 1988. Esta lei determinou o fim da escravização dos negros no Brasil. Contudo, apesar de abolido, continua presente nos dias atuais. Em 1995 o Brasil reconheceu a existência do trabalho escravo contemporâneo, após isso começou a usar várias estratégias para extinguir essa prática que fere os direitos humanos.

O trabalho escravo possui algumas características. Essas características incluem: [1]

Trabalho forçado: Quando o patrão, usando força física, saldo de dívida, chantagem ou qualquer outro meio, força o trabalhador a continuar na atividade trabalhista que não quer mais exercer.

Jornada exaustiva: O trabalhador é submetido a longas jornadas que impedem o descanso necessário entre uma jornada e outra, colocando em risco a sua saúde. Na maioria dos casos, essas jornadas não são remuneradas.

Servidão por dívida: Quando o trabalhador possui dívidas com o empregador e é forçado a continuar trabalhando para sanar essas pendências, que incluem alojamento, alimentação, passagens etc. Além disso, o valor que é cobrado é exorbitante, para que assim, a vítima continue sendo mantida como escrava.

Condições degradantes: é a condição em que o trabalhador é submetido que remete à situação degradante. Essa condição inclui violência física e psicológica, alimentação e água insuficientes ou insalubres, alojamentos precários etc.

O artigo 149 do Código Penal Brasileiro tipifica a condição análoga à de escravo. Veja: [2]

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (CÓDIGO PENAL, art. 149.)

A escravidão está presente tanto nas regiões urbanas quanto rurais. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de 25 milhões de pessoas são vítimas do trabalho análogo à escravidão, incluindo mulheres e crianças.

 

2.Casos concretos

 

No ano passado, o número de processos julgados e pendentes foi o maior desde 2017, chegando a 1.892 de ações concluídas e 1.288 de ações que ainda estavam em aberto. No que diz respeito ao número de denúncias de trabalho análogo ao de escravo, aliciamento e tráfico de pessoas recebidas pelo MPT, chegou a 1.415, ou seja, houve um aumento de 70% em relação a 2020. [3]

Em julho deste ano, em uma atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT), um grupo de pelo menos cinco pessoas é acusado de associação criminosa e submissão de pessoas ao trabalho escravo e tortura. As vítimas foram resgatadas na região sudeste do estado do Pará, na comunidade religiosa São Lucas, município de Baião. Entre as vítimas estão adultos, crianças e adolescentes.

Segundo o MPT, a comunidade foi criada em 1997 por um pastor que atuava em Belém, mas morreu em dezembro de 2021. Após o seu falecimento, outros cinco pastores que já atuavam na associação criminosa passaram a assumir a chefia. Nesse contexto, a comunidade funcionava como uma organização econômica, não havendo qualquer característica de trabalho voluntário ou serviço religioso. Isto é, usavam-se do elemento religioso para coagir os trabalhadores a cumprirem suas ordens. [4]

O grupo agia em um estabelecimento conhecido como “Mesa de bar”, onde, segundo denúncias, os acusados praticavam violência física e psicológica contra os trabalhadores e, como forma de castigo, utilizavam violência e grave ameaça. O MPT está finalizando as investigações na esfera trabalhista e ajuizará ação civil pública, dessa forma, os acusados serão punidos e as vítimas receberão suas verbas rescisórias, além de indenização por dano moral. Já na esfera criminal, de acordo com o Ministério Público Federal (MPF), os acusados agora são réus e responderão ao processo penal, onde a pena para os crimes denunciados pode chegar a 25 anos e oito meses de prisão. [5]

Em setembro de 2021 foi iniciada uma operação que teve conclusão em maio deste ano, a ação resgatou uma mulher de 86 anos que trabalhava para uma família há 72 anos exercendo função de doméstica. A trabalhadora prestava serviços todos os dias, sem oportunidade de estudos, sem direito a férias e salário. Segundo o MPT, esse caso foi considerado a exploração mais longa de uma pessoa em situação de escravidão contemporânea no Brasil. Desde que foi resgatada, a vítima está recebendo atendimento psicossocial em um abrigo da prefeitura do Rio de Janeiro. O resgate foi realizado pela Superintendência Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, Ministério Público do Trabalho e programa Ação Integrada. [6]

Em agosto deste ano, no interior do Pará, um novo caso foi identificado durante fiscalização feita pela Polícia Federal, MPT e MTE. Dez horas de trabalho, sem folga e sem pausa para refeições foram algumas das irregularidades encontradas nas cerâmicas nos municípios de Vitória do Xingu, Brasil Novo e Anapú. Dentre os trabalhadores resgatados, está uma família que vivia alojada em um galpão de metal sob um calor de aproximadamente 50 graus, além de serem obrigados a comer enquanto manejavam os fornos. Foi realizada audiência com o MPT e ficou firmado Termo de Ajuste de Conduta com os estabelecimentos fiscalizados, onde foi fixada obrigação de fazer e não fazer, a fim de garantir o cumprimento da legislação trabalhista. [7]

Outro caso recente ocorreu neste mês de setembro, onde um idoso de 66 anos retirado da escravidão que vivia em uma mansão na região metropolitana de Salvador-Ba. O trabalhador doméstico relatou que, além de nunca ter recebido salário, era constantemente agredido e xingado por sua patroa, contou que sofreu violência física, foi empurrado e caiu no chão, onde teve dificuldades para levantar. Nas agressões verbais, o idoso era chamado de “burro” e “ignorante”. Vivia em um quarto de 4 m² localizado nos fundos da casa de luxo, o quarto não tinha janelas nem cama, para dormir, ele deitava-se em duas cadeiras. Revelou ainda que, sofreu Acidente Vascular Cerebral (AVC’s) duas vezes, e mesmo assim era obrigado a continuar faxinando a casa, limpando a parte interna e externa do imóvel. Após a inspeção realizada pelos auditores-fiscais do trabalho, o idoso foi levado para uma casa de acolhimento e receberá três parcelas do seguro-desemprego. O MPT-BA informou ainda que, haverá audiência com o empregador e será feita uma proposta para que este pague as verbas rescisórias e uma indenização por danos morais. [8]

Conclui-se que, esse problema continua sendo disseminado pelo mundo. Em 2012, a OIT estimou que cerca de 21 milhões de pessoas estejam submetidas ao trabalho forçado e quase metade desse número são mulheres e meninas. Na economia privada, o trabalho escravo gera, a cada ano, US$ 150 bilhões de lucros obtidos de forma ilegal. Dessa forma, as vítimas dessa prática criminosa deixam de receber, pelo menos, US$ 21 bilhões a cada ano, em salários não pagos. Entre os setores mais afetados está a agricultura, o trabalho doméstico, construção civil, manufatura e a indústria do entretenimento. Além disso, os imigrantes, afrodescendentes e povos indígenas são os mais vulneráveis a esse tipo de exploração. [9]

 

 

[1] Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/escravidao-nos-dias-de-hoje.htm. Acesso em: 19 de set. 2022.

[2] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.803.htm. Acesso em 24 de jun. 2022. Acesso em: 20 de set. 2022.

[3] Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2022-07/casos-de-trabalho-escravo-julgados-em-2022-no-brasil-ja-sao-quase-mil#:~:text=J%C3%A1%20o%20n%C3%BAmero%20de%20den%C3%BAncias,70%25%20em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20a%202020. Acesso em: 22 de set. 2022.

[4] Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2022/09/operacao-comunidade-religiosa-para-55-trabalhadores-escravidao/. Acesso em: 21 de set. 2022.

[5] Disponível em: https://www.oliberal.com/policia/vitimas-de-trabalho-escravo-e-tortura-sao-resgatadas-em-comunidade-no-para-1.589433. Acesso em: 21 de set. 2022.

[6] Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/mulher-de-86-anos-e-resgatada-apos-72-anos-de-trabalho-em-condicoes-analogas-a-escravidao/. Acesso em: 22 de set. 2022.

[7] Disponível em: https://dol.com.br/carajas/noticias/policia/767774/ceramicas-sao-fechadas-por-flagrante-de-trabalho-escravo?d=1. Acesso em: 22 de set. 2022.

[8] Disponível em: https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2022/09/06/caseiro-e-resgatado-de-trabalho-analogo-a-escravidao-em-casa-de-luxo-em-frente-ao-mar-na-rms.ghtml. Acesso em: 22 de set. 2022.

[9] Disponível em: https://brasil.un.org/sites/default/files/2020-07/position-paper-trabalho-escravo.pdf. Acesso em: 22 de set. 2022.

Advogada. Pesquisadora Científica. Possui obras publicadas em Revistas e Jornais de grande circulação.
E-mail: cassiarafaelle.juridico@gmail.com

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