sexta-feira,19 abril 2024
ColunaCivilista de PlantãoO risco contratual iminente e a teoria do inadimplemento antecipado

O risco contratual iminente e a teoria do inadimplemento antecipado

Em algum momento de sua vida, você já deve ter ouvido a infame piada do desafortunado que, ao ver uma casca de banana a sua frente, se lamenta: “lá vou eu escorregar novamente!” Apesar de jocosa, vemos constantemente situações parecidas no contexto das relações contratuais, em que há risco real e iminente de inadimplemento, nas quais, sem querer ou por não saber o que fazer, muitos se colocam no lugar desse infeliz sujeito.

Em regra, por força do princípio da obrigatoriedade dos contratos (pact sunt servanda), diz-se que este ajuste “faz lei entre estas partes”, à qual os contratantes se tornam vinculados. Na relação contratual, não é permitido, em tese, que um dos signatários venha a exigir o adimplemento do outro antes do vencimento da respectiva obrigação ou de sua própria.

Isto é, o adimplemento da obrigação é verificado apenas no seu vencimento, sem a possibilidade de questiona-lo antes deste momento, que ainda está por vir.

Contudo, não raro, sobretudo em momentos de crise e incertezas, como o momento atual, é comum antevermos que a contraparte não conseguirá cumprir seu compromisso a tempo e modo ajustados, ainda que a data aprazada esteja distante.

O buffet de casamento que, a meses da festa, fecha suas portas; a construtora que promete imóvel para determinada data e, restando pouco tempo para o vencimento, não assentou um único tijolo; ou, ainda, a fábrica que, incumbida da entrega de produto no futuro, afirma que deixará imediatamente de produzi-lo, são apenas alguns dos vários exemplos cotidianos em que o prejuízo ao outro contratante é certo e iminente.

Para se evitar abusos e assegurar a boa-fé e sua função social, quando inequívoca a exteriorização da intenção ou incapacidade de cumprimento do pacto, as amarras contratuais podem ser desfeitas pela aplicação da teoria do inadimplemento antecipado.

Oriundo do duty mitigate of loss, instituto nascido na Inglaterra nos idos do século 19, a teoria do inadimplemento antecipado visa mitigar as perdas daquele que vê o outro assumir postura notadamente distante do cumprimento da obrigação a que se comprometeu.

Conforme tradução literal do termo, mais que uma mera faculdade, trata-se do dever do credor de evitar o agravamento do próprio prejuízo, não sendo justo, tampouco necessário, que o credor permaneça inerte até o vencimento da obrigação, quando evidente que o devedor irá descumpri-la.

A razão da teoria do inadimplemento anterior ao termo repousa no interesse social e não mais na conveniência individual, destoando da abordagem tradicionalista da cega obediência contratual. Por este ângulo, o dever jurídico de reparação e cessação do dano busca primeiramente proteger a sociedade.

No Brasil, onde a boa-fé, ética, probidade e a função social do contrato ganharam proeminência ao longo dos anos, não poderia ser diferente. Embora não exista texto legal expresso nesse sentido, é cabível o dever de abrandar o prejuízo quando há clara ofensa à confiança mútua e à legitima expectativa de resultado e conduta do contratante.

Vê-se, pois, que o exacerbado formalismo e veneração à obrigatoriedade contratual deram lugar a uma visão mais moderna e ampla das obrigações, resguardando sintonia com a verdade real, boa-fé e proteção social, princípios cada vez mais presentes e respeitados no cenário jurídico.

Em razão de seu caráter excepcional, o duty mitigate of loss não tem aplicação automática, indiscriminada ou conforme conveniência de uma das partes, podendo ser empregado apenas quando presentes seus requisitos, devidamente reconhecidos pelo Poder Judiciário.

Sócio do escritório AM&M Advogados Associados, pós-graduado em Direito de Empresas pelo IEC-PUC Minas, com especialização em Direito das Startups pela Fundação Getúlio Vargas. Pós-graduando em Direito Digital e Proteção de Dados. Profissional com mais de 18 anos de experiência em demandas empresariais, sobretudo societárias e contratuais, planejamento, constituição e organização empresarial, envolvimento em M&A e estruturação de negócios.

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