segunda-feira,18 março 2024
ColunaCivilista de PlantãoO e-mail como "prova escrita" na ação monitória

O e-mail como “prova escrita” na ação monitória

O correio eletrônico (e-mail) pode fundamentar a pretensão monitória, desde que o juízo se convença da verossimilhança das alegações e da idoneidade das declarações, possibilitando ao réu impugnar-lhe pela via processual adequada.

Palavras-chaves: Direito Processual Civil. Provas. Ação Monitória. Prova escrita. E-mail.

Introdução

O avanço tecnológico é inexorável e seus benefícios incontestáveis. O legislador e o ordenamento jurídico devem acompanhar e absorver essas mudanças, aperfeiçoando-se seus institutos.

Denota-se a sua importância, porquanto a utilização dos contratos e correios eletrônicos (e-mails) são práticas correntes no meio empresarial e bancário e instrumentos imprescindíveis que fomentam o dinamismo e crescimento da economia.

De fato, conforme veremos, se a legislação brasileira não veda a utilização de documentos eletrônicos como meio de prova, soaria irrazoável dizer que uma relação negocial e o débito ali decorrente, não possam ser comprovados por trocas de mensagens via e-mail, em especial, nas contendas judicias discutidas em sede de ação monitória.

Conceito de prova

Conforme leciona o dicionarista De Plácido e Silva [1] o vocábulo prova deriva do:

“Do latim proba, de probare (demonstrar, reconhecer, formar juízo de), entende-se, assim, no sentido jurídico, a denominação, que se faz, pelos meios legais, da existência ou veracidade de um fato material ou de um ato jurídico, em virtude da qual se conclui por sua existência do fato ou do ato demonstrado”

Trata-se de um direito fundamental tanto formal, porquanto se encontra positivado no art. 5º, incisos LIV e LV, quanto material, na medida em que é uma função precípua do direito ordenar condutas, aplicando consequências jurídicas somente a fatos que realmente ocorreram.

Na acepção jurídica do termo, é empregado como sinônimo de verificação, exame, inspeção e demonstração dos fatos alegados no processo.

Sob o aspecto objetivo, o Professor João Batista Lopes [2] nos ensina que:

“É o conjunto de meios produtores da certeza jurídica ou o conjunto de meios utilizados para demonstrar a existência de fatos relevantes para o processo”

De outra banda, na perspectiva subjetiva, disserta o citado Mestre [3]:

“É a própria convicção que se forma no espírito do julgador a respeito da existência ou inexistência de fatos alegados no processo”

O objeto da prova são sempre os fatos considerados controvertidos, e seu destinatário o Juízo. É cediço que o direito não pode e nem precisa ser objeto de prova, porquanto é dever do juiz conhecê-lo, a exceção do quanto disposto no artigo 376 do CPC.

Não dependem de prova os fatos: notórios; afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; admitidos no processo como incontroversos; em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade (artigo 374 do CPC).

Prova x indícios

Indícios são fatos, que devem ser provados nos autos. Presunções são inferências que deles decorrem. Assim sendo, verbi gratia, a fumaça é o indício, cuja prova se deve exigir. A existência de fogo é a presunção ou inferência dela decorrente.

O professor João Batista Lopes [4], Citando o Mestre Federico Marques, leciona com propriedade que os indícios e presunções não se cuidam de meio de prova e sim de “operação mental que conduz à aceitação de um fato independentemente de prova” e traça a distinção de indícios e presunções da seguinte forma:

“Com efeito, os indícios constituem sinais, vestígios ou circunstâncias que isoladamente, são insuficientes para demonstrar a verdade de uma alegação [..]
A seu turno, as presunções constituem raciocínios, deduções e não propriamente meio de prova”

Porém, submetidos à análise e raciocínio do juiz, podem conduzir à prova pretendida.

Ônus da prova

De início, cumpre observar que antes do juízo apreciar o problema do ônus da prova, deve fixar os pontos controvertidos, ou seja, verificar quais fatos foram alegados pelas partes e impugnados pelo adversário.

Reza o artigo 373 do CPC:

“Art. 373 – O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”

Trata-se de uma distribuição legal e fixa: incumbindo, em tese, ao autor a prova dos fatos constitutivos e ao réu a prova dos fatos impeditivos, extintivos e modificativos.

O Professor João Batista Lopes [5], neste contexto, disserta:

“Entende-se por fato constitutivo o acontecimento da vida que serve de fundamento ao pedido do autor (ex: a locação e a mora do inquilino são fatos constitutivos na ação de despejo por falta de pagamento). Fato impeditivo é o que obsta as consequências jurídicas objetivadas pelo autor (ex. incapacidade civil). Fato modificativo é o que opera alteração na relação jurídica (ex. ocupação inicial do imóvel a título de comodato que, depois, se converte em locação). Fato extintivo é o que acarreta o fim da relação jurídica (ex. o pagamento da dívida)”

Com efeito, as hipóteses aventadas pelo artigo 373 do CPC, representam o ônus subjetivo da prova, isto é, perquirir a quem incumbe o ônus da prova, em manifesta regra de instrução.

Doutra parte, o ônus objetivo da prova, é uma regra de julgamento, porquanto o juiz enquanto destinatário dela julgará a causa “independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento” (artigo 371 do CPC).

A legislação brasileira não veda a utilização de documentos eletrônicos como meio de prova. Assim sendo, soaria irrazoável dizer que uma relação negocial e débitos ali decorrentes não possam ser comprovados por trocas de mensagens via e-mail.

Veremos adiante, o critério de valoração racional da prova, ora consagrado no vigente código de processo civil.

Critérios de avaliação da prova

Dispõe o artigo 371 do CPC:

“Art. 371 – O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento”

O CPC/2015 fez questão de retirar a palavra “livre”, a fim de deixar clara a opção legislativa no sentido da necessidade de valoração racional da prova.

Adotou-se, portanto, o critério da valoração racional da prova, determinado que:

“a eficácia de cada prova para a determinação dos fatos seja estabelecida caso a caso, seguindo critérios não predeterminados, discricionários e flexíveis, baseados essencialmente em pressupostos racionais” [6]

Veda-se, neste compasso, o arbítrio das decisões judiciais, sem qualquer motivação, como forma de prestigiar o contraditório e ampla defesa, porquanto a parte vencida e, eventualmente insatisfeita, possa confrontar a decisão nas mesmas bases argumentativas.

A discricionariedade judicial não pode ser transmudada em arbítrio, conforme nos ensina o Ministro Eros Grau [7]:

“O direito moderno, posto pelo Estado, é racional, porque cada decisão jurídica é a aplicação de uma proposição abstrata munida de generalidade a uma situação de fato concreta, em coerência com determinadas regras legais. Eis o que define a racionalidade do direito: as decisões deixam de ser subjetivas [arbitrárias e aleatórias], tornam-se previsíveis. Racionalidade jurídica é isso: o direito moderno permite a instalação de um horizonte de previsibilidade e calculabilidade em relação aos comportamentos humanos, sobretudo àqueles que se dão nos mercados”

O convencimento do julgador deve se ater ao conjunto probatório constante dos autos, de forma que, em decisão devidamente motivada, mediante raciocínio probatório, ocorra a necessária conjugação lógica entre suas premissas, razões e a conclusão (silogismo), livre de qualquer convicção pessoal.

Ação Monitória

A ação monitória conforme leciona a Doutrina de Gediel Claudino [8]:

“Tem cabimento quando o credor de quantia certa, de coisa fungível ou de determinado bem móvel, assim como o credor de obrigação de fazer ou não fazer, munido com documento escrito sem eficácia de título executivo, desejar efetuar a cobrança judicial do que lhe é devido”

Dispõe o artigo 700 do CPC:

“Art. 700 – A ação monitória pode ser proposta por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, ter direito de exigir do devedor capaz:
I – o pagamento de quantia em dinheiro;
II – a entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel;
III – o adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer”

O procedimento monitório tem por objetivo abreviar a formação do título executivo, encurtando a via procedimental do processo de conhecimento. A ação monitória encontra fundamento nos artigos 700 a 702 do Código de Processo Civil.

No tocante a sua natureza jurídica, o Mestre Marcus Vinícius Rios Gonçalves [9] leciona:

“a ação monitória é uma ação de conhecimento, de procedimento especial, porque, não havendo resistência do réu, constitui-se de pleno direito o título executivo judicial e passa-se à fase de execução”

A prova escrita, exigida pelo artigo 700 do CPC é:

“todo documento que, embora não prove, diretamente, o fato constitutivo, permite ao órgão judiciário deduzir, através de presunção, a existência do direito alegado. Lição da doutrina italiana” (E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ap. Cível n. 597.030.873. Rel. Des. Araken de Assis. Julgado em 15/5/97. RJ 238/67. BAASP 2074).

Nesta linha de raciocínio, para admissibilidade da ação monitória:

“Para a admissibilidade da ação monitória, não é imprescindível que o autor instrua a ação com prova robusta, estreme de dúvida, podendo ser aparelhada por documento idôneo, ainda que emitido pelo próprio credor, contanto que, por meio do prudente exame do juiz, exsurja juízo de probabilidade acerca do direito afirmado” (REsp n. 1.381.603. Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Min. Rel. Luis Felipe Salomão. Julgado em 06 de outubro de 2016)

O Professor Antonio Carlos Marcato [10], firme no posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, REsp. n. 1.381.603 acima transcrito, leciona que:

“qualquer documento ou conjunto documental -, ainda que produzido unilateralmente pelo autor” é apto a embasar o pedido monitório quando se demonstra a existência da obrigação em meio escrito, sem a necessidade de ser “robusta, estreme de dúvida”, como na hipótese de correio eletrônico (e-mail), desde que haja “verossimilhança das alegações” e “idoneidade das declarações”, conforme a casuística”

Carece de interesse processual o autor que ostentar documento que já constitua título executivo, porquanto a finalidade da ação monitória restaria prejudicada; no entanto, perdendo a eficácia executiva, pode o documento embasar a ação monitória.

Todavia, em face do disposto no § 5º do artigo 700 do CPC, é permitida a mudança do procedimento, frisa-se, por meio de emenda a inicial: para o procedimento comum ou de execução, conforme a espécie de documento, objeto da ação.

E-mail pode ser considerado prova para instruir ação monitória

A especialista Patricia Peck Pinheiro [11] esclarece que o e-mail ou correio eletrônico é:

“Uma aplicação de rede de computadores, muito utilizado na Internet, que possibilita a troca de mensagens e arquivos entre os usuários. A palavra tem o significado literal de eletronic mail ou correio eletrônico. [..]
O correio eletrônico, apesar de muito semelhante à correspondência, é um meio de comunicação com características próprias, como número de receptores da mensagem variável e do uso para o qual está sendo submetido, se pessoal, comercial ou publicitário. Seu conteúdo é disponibilizado na rede para que seus dados sejam enviados no sistema de pacotes aleatórios, utilizando vários caminhos. […] É preciso entender melhor todas as peculiaridades desse tipo de comunicação, que hoje é cada vez mais uma via de negócios”

No atual estágio da sociedade, há uma forte tendência de diminuição de documentos produzidos em meio físico, reduzindo consideravelmente o uso do papel.

Tal constatação também se mostra evidente no âmbito das relações comerciais, cujas tratativas são realizadas, em boa parte, por meio eletrônico, bastando lembrar os serviços bancários online (internet banking) e as negociações e empreendimentos via e-mail.

No ponto, sobre as provas oriundas de meio eletrônico, mais especificamente o e-mail, o Código Civil de 2002, em seu artigo 225, preceitua que:

“As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão” (original sem grifos).

Os enunciados n. 297 e 298 [12], aprovado na IV Jornada de Direito Civil (CJF/STJ) [12] destaca que:

“O documento eletrônico tem valor probante, desde que seja apto a conservar a integridade de seu conteúdo e idôneo a apontar sua autoria, independentemente da tecnologia empregada”

“Os arquivos eletrônicos incluem-se no conceito de ‘reproduções eletrônicas de fatos e coisa’, do art. 225 do Código Civil, aos quais deve ser aplicado o regime jurídico da prova documental”

Por sua vez, a Lei n. 11.419/2.006 [13] permitiu uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais e na comunicação de atos e transmissão de peças processuais, aplicando-se indistintamente aos procedimentos civis, penais e trabalhistas, em qualquer grau de jurisdição, bem como aos juizados especiais (art. 1º).

Sob esta nova perspectiva digital, o novo Código de Processo Civil, ao tratar sobre as provas admitidas no processo, possibilita expressamente o uso de documentos eletrônicos, condicionando, via de regra, a sua conversão na forma impressa:

“Art. 439. A utilização de documentos eletrônicos no processo convencional dependerá de sua conversão à forma impressa e da verificação de sua autenticidade, na forma da lei.

Art. 440. O juiz apreciará o valor probante do documento eletrônico não convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor.

Art. 441. Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e conservados com a observância da legislação específica”

Com esse mesmo raciocínio é o artigo 369 do Código de Processo Civil de 2015:

As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz” (grifos nossos).

A Doutrina de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart [14] compartilha desta linha de raciocínio quando asseveram que:

“qualquer escrito particular, ainda que não reconhecido – não importando se expresso mediante carta, telegrama, fax ou mensagem eletrônica (e-mail) – constitui prova escrita” (original sem grifos).

Quanto à sua força probante, o maior questionamento está adstrito ao campo da veracidade e da autenticidade das informações.

Em outras palavras, consiste em saber se uma “conta de e-mail” pertence às partes da demanda monitória, bem como se o seu conteúdo não foi alterado durante o tráfego das informações.

Entretanto, há mecanismos capazes de garantir a segurança e a confiabilidade da correspondência eletrônica e a identidade do emissor, permitindo a trocas de mensagens criptografadas entre os usuários.

É o caso do e-mail assinado digitalmente, com o uso de certificação digital.

De acordo com o glossário da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, a assinatura digital é o:

“código anexado ou logicamente associado a uma mensagem eletrônica que permite de forma única e exclusiva a comprovação da autoria de um determinado conjunto de dados (um arquivo, um e-mail ou uma transação)” [15]

Por sua vez, o certificado digital é o:

“conjunto de dados de computador, gerados por uma Autoridade Certificadora, em observância à Recomendação Internacional ITU-T X.509, que se destina a registrar, de forma única, exclusiva e intransferível, a relação existente entre uma chave de criptografia e uma pessoa física, jurídica, máquina ou aplicação” [16]

Sem prejuízo, o credor poderá se utilizar de tecnologia que empresta autenticidade à afirmação de que o e-mail foi entregue no endereço indicado pelo devedor, como a oferecida pela empresa Rpost [17].

Diante destes fundamentos, fica evidente que o correio eletrônico (e-mail) pode fundamentar a pretensão monitória, desde que o juízo se convença da verossimilhança das alegações e da idoneidade das declarações, e, por óbvio, submetida ao contraditório, podendo o réu impugnar sua veracidade, nos termos do artigo 430 e seguintes do CPC.

O exame sobre a validade, ou não, da correspondência eletrônica (e-mail) deverá ser aferida no caso concreto, juntamente com os demais elementos de prova trazidos pela parte autora.

Conclusão

Conforme vimos, no ordenamento jurídico processual, em matéria de prova, vigora o princípio da livre persuasão racional ou da livre convicção motivada, vale dizer, não há uma escala de valor probatório, cabendo ao juiz, no caso concreto, extrair dos elementos de prova à força que reputar existente, sempre justificando sua decisão.

Partindo dessa premissa, indaga-se: os e-mails seriam imprestáveis como prova escrita do direito alegado pelo autor, em sede de ação monitória, em face da sua unilateralidade?

E, ainda, fazer o seguinte questionamento: a correspondência eletrônica é título hábil a embasar a propositura da ação monitória, tendo em vista a possibilidade de ter seu conteúdo alterado ou mesmo criado por qualquer pessoa?

Com efeito, a prova escrita, dotada de aptidão e suficiência para influir no livre convencimento motivado do juiz, deve ser considerada como documento hábil a instruir a ação monitória. Explicamos.

Extrai-se do artigo 700 do CPC, os requisitos para a propositura da ação monitória: comprovação da relação jurídica por meio de prova escrita; ausência de força executiva do título e dívida referente a pagamento de soma em dinheiro ou de entrega de coisa fungível ou bem móvel.

Nesse passo, o legislador não definiu o termo “prova escrita”, tratando-se, portanto, de conceito eminentemente doutrinário-jurisprudencial.

Com efeito, a prova hábil a instruir a ação monitória, a que alude o artigo 700 do Código de Processo Civil, não precisa, necessariamente, ter sido emitida pelo devedor ou nela constar sua assinatura ou de um representante.

Basta que tenha forma escrita e seja suficiente para, efetivamente, influir na convicção do magistrado acerca do direito alegado.

Neste sentido:

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. PROVA ESCRITA. JUÍZO DE PROBABILIDADE. CORRESPONDÊNCIA ELETRÔNICA. E-MAIL. DOCUMENTO HÁBIL A COMPROVAR A RELAÇÃO CONTRATUAL E A EXISTÊNCIA DE DÍVIDA.
1. A prova hábil a instruir a ação monitória, isto é, apta a ensejar a determinação da expedição do mandado monitório – a que alude os artigos 1.102-A do CPC/1.973 e 700 do CPC/2.015 -, precisa demonstrar a existência da obrigação, devendo o documento ser escrito e suficiente para, efetivamente, influir na convicção do magistrado acerca do direito alegado, não sendo necessário prova robusta, estreme de dúvida, mas sim documento idôneo que permita juízo de probabilidade do direito afirmado pelo autor.
2. O correio eletrônico (e-mail) pode fundamentar a pretensão monitória, desde que o juízo se convença da verossimilhança das alegações e da idoneidade das declarações, possibilitando ao réu impugnar-lhe pela via processual adequada.
3. O exame sobre a validade, ou não, da correspondência eletrônica (e-mail) deverá ser aferida no caso concreto, juntamente com os demais elementos de prova trazidos pela parte autora.
4. Recurso especial não provido” (REsp n. 1.381.603. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Quarta Turma do E. Superior Tribunal de Justiça. Julgado em 6/10/16).

Portanto, para a admissibilidade da ação monitória, não é imprescindível que o autor instrua a ação com prova robusta, estreme de dúvida, podendo ser aparelhada por documento idôneo, ainda que emitido pelo próprio credor, contanto que, por meio do prudente exame do juiz, exsurja juízo de probabilidade acerca do direito afirmado.

Para fins didáticos, citamos o caso sub judice discutido no Recurso Especial acima transcrito.

No caso, a negociação discutida no processo teria sido feita por mensagens eletrônicas, em face da confiança e de seu dinamismo, e se referia a uma quantia de aproximadamente R$ 5 mil (cinco mil reais). A autora narra que a ré teria lhe induzido a adquirir produtos de uma famosa empresa para que pudesse ascender dentro do quadro de vendedores, prometendo que devolveria o dinheiro então gasto.

Para comprovar o fato, a autora apresentou os e-mails, comprobatórios da tratativa, de modo a fundamentar a sua ação monitória, sendo, ao final, reconhecida a prova escrita amparada por correio eletrônico, no caso em questão.

Quanto ao cerne da questão, o exame sobre a validade, ou não, da correspondência eletrônica deverá ser aferida no caso concreto, juntamente com os demais elementos de prova trazidos pela parte autora (verbi gratia, testemunhas, pedidos de compra para a prova do negócio e etc).

Doutra parte, uma vez recebida a petição inicial, o e-mail poderá ser submetido ao crivo do contraditório diferido, na hipótese em que o réu optar por apresentar os embargos monitórios.

De fato, conforme vimos, se a legislação brasileira não veda a utilização de documentos eletrônicos como meio de prova, soaria irrazoável dizer que uma relação negocial não possa ser comprovada por trocas de mensagens via e-mail.

Afinal de contas, conforme bem ponderado em voto da E. Ministra Nancy Andrighi, “os avanços tecnológicos vêm, gradativamente, modificando as rígidas formalidades processuais anteriormente exigidas” (REsp 1.073.015/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/10/2008, DJe 26/11/2008).

A dúvida que pode surgir sobre a autenticidade do correio eletrônico deve ser avaliada pelo magistrado no exame do caso concreto, cabendo ao demandado, se assim o quiser, apresentar os embargos para questionar a idoneidade dos e-mails utilizados pelo autor para sustentar a existência da relação jurídica e o eventual inadimplemento da obrigação.

Nota-se, ainda, que a incerteza sobre a validade de determinada prova não é exclusiva dos documentos eletrônicos, pois um suposto instrumento contratual impresso em papel, mesmo que assinado por qualquer das partes, também pode ter sua eficácia questionada pela parte contrária, permitindo, inclusive, suscitar a sua falsidade nos termos do artigo 430 do CPC.

Reprisa-se: há uma crescente desmaterialização do “papel” e sua substituição por meio magnético, enquanto suporte, nas mais varias relações contratuais, desde uma simples compra de passagem aérea até grandes contratos, com valores expressivos na esfera mercantil.

Deste modo, compete ao Direito, na acepção de conjunto de regras que harmonizam a convivência humana, absorver essas mudanças tecnológicas para lhe conferir reconhecimento, estabilidade, certeza e segurança nas relações jurídicas.

Portanto, forçoso reconhecer “prova escrita” como todo e qualquer documento que autorize o Juiz a entender que há direito à cobrança de determinada dívida, muito embora, de origem eletrônica e produzida de forma unilateral pelo autor, como é o caso da correspondência eletrônica (e-mail).

Neste compasso, não há a necessidade de ser robusta e estreme de dúvida, desde que haja verossimilhança das alegações e idoneidade das declarações, conforme a casuística.

Referências bibliográficas e notas

[1] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Ed. Forense. 15ª. Ed. P.656.
[2] [3] [4] [5] LOPES, João Batista. A prova no Direito Processual Civil. 3ª ed. Ed. RT. P. 26, 42 e 66.
[6] TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. Trotta, 2011. p. 387, tradução livre
[7] GRAU, Eros Roberto. Sobre a prestação jurisdicional: direito penal. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 17.
[8] ARAUJO JUNIOR, Gediel Claudino de. Prática no Processo Civil. 20ª. Ed. GEN. Pág 369.
[9] GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. (coord. Pedro Lenza). Direito processual civil esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 918.
[10] MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos Especiais, 17ª ed., 2017, Atlas, p. 273.
[11] PINHEIRO, Patricia Peck. Direito digital. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 173.
[12] IV Jornada de Direito Civil. Conselho da Justiça Federal. Coordenador-Geral Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/ Capturado em: 10/11/19.
[13] BRASIL. Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; e dá outras providências.
[14] MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Procedimentos especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 161.
[15] [16] BRASIL. Instituto Nacional de Tecnologia de Informação. Disponível em <http://www.iti.gov.br/images/twiki/URL/pub/Certificacao/Glossario/Glossario_ICP_Brasil_Ver sao_1.2_novo-2.pdf>. Acesso em 29/9/2016, às 16:20hs
[17] Líder global em comunicações eletrônicas seguras e certificadas, o RPost ajudou as empresas a melhorar sua segurança, conformidade e produtividade por mais de uma década. O RPost é o criador da tecnologia patenteada Registered Email ™, que fornece aos remetentes de e-mail provas de entrega legal, tempo de entrega e conteúdo exato da mensagem, sob a forma de um registro de e-mail do Recibo Registrado ™. Desde que inventou a tecnologia Registered Email em 2000, a RPost comercializou com sucesso plataformas de software para rastrear, provar, e-assinar e criptografar, usadas por mais de 25 milhões de pessoas em todo o mundo. Disponível em: https://www.rmail.com/pt. Acessado em: 17/8/19.

Advogado e Consultor. Pós-Graduado em Direito Societário pelo Instituto Insper (SP), com Especialização em Direito Processual Civil pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP (Lato Sensu). Atua nas áreas de Direito Empresarial, Societário, Direito Bancário e Recuperação Judicial. Autor de diversos trabalhos científicos publicados na área.

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