sexta-feira,19 abril 2024

Justiça 4.0

Coordenação: Abel Lopes Filho.

 

1.1 Introdução

Em tempos passados escrevi sobre os impactos da 4ª revolução industrial no conceito de habilidades e empregos do futuro (4ª Revolução Industrial e o Futuro do Trabalho), neste artigo, abordarei o uso da tecnologia e a coleta de informações derivadas de mídias sociais como instrumento de prova.

Dada atual conjuntura social, a utilização de vídeos, prints de diálogos realizados por meio de aplicativos passaram a ganhar espaço no judiciário, ao mesmo tempo em que é um movimento natural, inúmeros aspectos de segurança digital passaram a ser objeto de exame.

Embora muitos defendam o uso de tais mecanismos como forma legítima de prova, alegando que a máquina não possui opiniões, tendências, afeição, vemos que é uma argumentação verdadeira apenas em parte, uma vez que, não podemos esquecer que a tecnologia está a serviço do ser humano, e este sim, poderá manipular as situações e provas conforme seu interesse. Deste modo, àquela conjectura inicial de um julgamento imparcial, resta enfraquecida quando analisada com maior vagar.

Nesse contexto, discutir sobre uso adequado/seguro da prova digital é questão salutar, sobretudo por seus reflexos processuais, objetivo maior deste artigo.

1.2 Tecnologia – Ilusão de um mundo paralelo

Embora o uso de redes sociais (facebook, instagram, tinder, linkdlin, entre outros) tenham caído nas “graças populares”, é notável que seus usuários, digo, a maioria destes, não compreendam que tais ferramentas, são uma espécie de imenso livro digital, contudo, diferente de um livro físico, o qual você poderá extrair trecho da história arrancando uma das páginas, em tais instrumentos/mídias, a exclusão não será definitivamente operada.

A título de exemplo, podemos utilizar o recente caso envolvendo o caso do pequeno Henry Borel, que a partir do aplicativo/software Cellebrite revelou histórico de conversas mantidas em tempo remoto ao fato, trazendo não só detalhes daquela situação, mas ao final, mostrando claramente que o ato de “apagar” um conteúdo ocorre tão somente no aparelho do indivíduo e não no universo digital.

A ilusão de que apenas apertando comando delete, excluindo aquela foto ou post, fará com que o autor venha estar imune a eventuais sanções, é o retrato do desconhecimento destes usuários com a profundidade e extensão de tais ferramentas, nesse norte, conscientizar as pessoas que a internet não é um mundo paralelo, e, que, ações ali mantidas, trazem ao autor, consequências reais, são elementares desta sociedade touch. Assim, a educação digital passa ser agenda oportuna para escolas e empresas, uma vez que somente com esforço coletivo tornaremos estes ambientes mais sadios e seguros.

1.3 Prova digital: Muito além de um Print Screen

Diversos autores já conceituaram o que é prova e sua relevância para o processo, porém, levando em consideração as particularidades no tocante a prova digital, oportuno se faz o conceito abaixo:

(…) “A prova digital pode ser entendida como a demonstração de fato ocorrido nos meios digitais, isto, é, um fato que tenha como suporte um meio digital, e outro que embora o fato em si não tenha ocorrido no meio digital a demonstração de sua ocorrência pode se dar por meios digitais” (THAMAY, Renan. TAMER, Maurício. Provas digitais. Conceito de prova digital. Editora Revista dos Tribunais, 2020, pág. 32-33)

Como se apura do conceito, vemos que a prova digital é multifacetada, a qual, ora, reporta fato ocorrido no universo digital, tal como, ofensas em redes sociais, ora, ilustra uma situação vivenciada no mundo real, mas que foi objeto de gravação em vídeo, áudio, imagens, a exemplo, gravação de um acidente de trabalho.

Embora tais formas guardem suas particularidades, as quais demandariam prova testemunhal e até mesmo perícia para apuro mais adequado sobre especificidades dos eventos e condições técnicas, verifica-se que para fins processuais, em ambos casos, uma característica as aproxima, qual seja, a exibilidade de segurança na colheita e manutenção da prova.

Assim como princípios norteiam o entendimento da lei, a prova digital possui definições quanto a sua validade, tais requisitos fixam segurança ao julgador, uma vez que, conforme acima alinhado, a prova digital também pode ser adulterada. Atualmente temos seguintes critérios: Integridade – Autenticidade – Preservação da cadeia de custódia.

Não somente no plano conceitual vemos a tríade acima demonstrada, a legislação também caminha no sentido de necessidade de demonstração da validade da prova apresentada, aspecto que notadamente extraído do artigo 195 do Código de Processo Civil (Válida também, a leitura dos artigos 439 e 441, todos do Código de Processo Civil/2015.):

Art. 195. O registro de ato processual eletrônico deverá ser feito em padrões abertos, que atenderão aos requisitos de autenticidade, integridade, temporalidade, não repúdio, conservação e, nos casos que tramitem em segredo de justiça, confidencialidade, observada a infraestrutura de chaves públicas unificada nacionalmente, nos termos da lei. (grifo meu)

O estabelecimento de critérios quanto a validade de prova digital, tem como traço indelével a demonstração de mecanismos que garantam espelhamento original do evento ocorrido, desta forma, a juntada de “prints” de diálogos havidos por aplicativo, vídeos e fotos, sem indicação de técnicas/ferramentas no ato de sua extração, tornarão esvaziada a prova, que a depender da circunstância, acarretará prejuízo a parte, que a princípio, tinha como único meio capaz de esclarecimento a prova agora maculada. (vide decisão do STJ, sobre provas produzidas por aplicativo).

Mas então você se pergunta: Como garantir uma coleta à luz dos requisitos legais?

A primeira delas é a ata notarial, que consiste na declaração expedida por um cartorário a respeito de um fato. Contudo, embora seja mecanismo aceito e até mesmo disciplinado pelo Código de Processo Civil, é um instrumento que garante apenas o conteúdo e não sobre autenticidade, estando de encontro aos preceitos indicados. Ainda, cabe lembrança sobre os custos elevados envolvendo este meio de prova.

Outro mecanismo seria tecnologia blokchain, a qual prospera nos círculos de discussões a respeito da segurança da prova, pois é meio eficaz, acessível e seguro. Nos termos da NIST a tecnologia blokchain é: (…) “A infraestrutura da blockchain é composta por blocos, em uma sequência estruturada e conectada onde é registrado tudo que acontece no referido sistema distribuído, em uma rede ponto a ponto. Cada bloco é conectado e depende de outro bloco para formar a “corrente” que permite apenas a adição de blocos, no denominado “append only system”, o que possibilita um histórico irreversível permitindo a realização de uma auditoria. Além disso, os integrantes de uma investigação e destinatários da prova podem checar a veracidade dos registros simplesmente revisando os próprios dados.”

Defensores de tal técnica argumentam que por ela é possível criptografar toda a cadeia da prova, incluindo metadados (hora, usuário, local), aspectos que reforçam a possibilidade de auditoria, demonstrando a confiabilidade da prova.

Certo é, que independente do tipo de tecnologia empregada, o uso de links nas petições para acesso em nuvem ou mesmo a entrega de mídias removíveis em audiência cairão em descrédito, uma vez que é nítida a possibilidade de manipulação e até mesmo, o risco de contaminação dos aparelhos. Ao final, observamos que este caminhar de uma justiça 4.0 nada mais é que o reflexo de uma sociedade 4.0.

1.4 A era dos juízes conectados e seus desdobramentos

Nessa “versão atualizada” do judiciário, vemos que a tecnologia afeta também a postura e atuação dos magistrados na busca da verdade real, a exemplo, temos recente caso de um juiz que rastreou celular e as redes sociais para apurar falso depoimento, notícia divulgada pelo site A folha, que mostra o surgimento de uma nova era de julgadores e sua percepção de atuação processual.

Para alguns autores, a postura adotada pelo juiz caminha em mesmo sentido do art. 370 do Código de processo Civil, uma vez que por seu texto, juiz poderá atuar de ofício, ainda, a coleta de conteúdo extraído da internet, sobretudo de mídias sociais, não estaria preservado pelo direito à privacidade, considerando a natureza e finalidade de tais redes.

De outra banda, outros defendem, que ao juiz cumpre solicitar provas digitais, limitando-se atuação de requerimentos, sob pena de afetar a imparcialidade, deste modo, não caberia atitude proativa, sua atuação estaria ligada a designação de uma investigação técnico-científica, por exemplo, solicitação de abertura de software que guarneça toda a base de informações, e, que, de alguma forma auxilie na averiguação dos fatos.

Resguardadas as divergências quanto atuação dos magistrados, certo é, que a tecnologia parece invadir espaços que jamais imaginamos, forjando, à sua maneira, posturas e entendimentos até então considerados imutáveis.

Ainda, oportuno o contraponto no que concerne a prova testemunhal, que muito embora já venha sofrendo mudanças quanto a possibilidade investigativa dos depoentes e suas declarações, ela não será extirpada do judiciário, veremos que, em muitos casos, que ela atuará como um complemento, uma coadjuvante, ao elemento material inicialmente introduzido.

Por fim, observo que para além destas questões de afetação da imparcialidade e do uso exclusivo da prova digital, há um desdobramento que tende a gerar discussões ainda mais complexas, refiro-me a proteção do segredo industrial.

Note que a prova digital, em alguns casos, necessitará da base de dados interna da empresa, aspecto que, a depender do objeto social da empresa, levariam necessidade de abertura do segredo industrial, a título de exemplo, cito a UBER, veja que, em uma eventual ação em que se discutisse a subordinação do motorista seria necessário abrir a própria base do algorítimo, o qual, ao final, é a força motriz daquela empresa.

Nesse contexto, cabe o questionamento: O judiciário estaria apto a garantir a segurança desta informação?

1.5 Conclusão

O avanço das tecnologias fez inserir na constituição de um indivíduo uma espécie de “supraidentidade”, a qual, basicamente, é formulada a partir do acesso à internet, mas que devido sua capacidade de armazenamento e cruzamento de dados, possui a capacidade de dizer sobre uma determinada pessoa, elementos mais profundos que o próprio DNA.

Nesse caminho, o registro destas atividades, tornam as máquinas, que até então eram meras ferramentas de trabalho e diversão, em testemunhas, sendo seu “depoimento”, por vezes, necessários para esclarecimentos de fatos e versões.

A partir deste raciocínio, vemos que afirmação inicial de uma agenda educacional sobre internet, é único método de não nos tornarmos reféns de trechos recortados de nossas ações neste universo ainda em descoberta.

 


 

Bibliografia

Livro:
THAMAY, Renan. TAMER, Maurício. Provas digitais. Conceito de prova digital. Editora Revista dos Tribunais, 2020, pág. 32-33

Artigo:
CALVET, Otávio. Prova testemunhal x prova digital, um novo rumo na justiça do trabalho- Disponível em : https://www.conjur.com.br/2021-abr-27/trabalho-contemporaneo-prova-testemunhal-digital-rumo-justica-trabalho – acesso em 30/04/20121

Palestra:
A nova sociedade Digital, e as provas eletrônicas no processo do trabalho. (Escola Judicial TRT5 – Juiz Kléber Waki) acesso em 20/05/2021. Disponível no Youtube.

Sites:
https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2021/04/09/caso-henry-como-funciona-o-software-que-achou-dados-apagados-em-celulares. Reportagem sobre aplicativo que resgata imagens e diálogos excluídos. Acesso em 30/04/2021

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm – Acesso em 25/05/2021- Código de Processo Civil Virtual- Plataforma Planalto.

https://www.nist.gov/ – National Institute of standards and Technology. U.S. Department of Commerce- Acesso em 20/05/2021.

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/04/justica-trabalhista-rastreia-celular-e-redes-sociais-contra-falsos-depoimentos-em-acoes.shtml . Reportagem A Folha, sobre atuação de magistrados. Acesso em 23/05/2021

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/09032021-Sexta-Turma-reafirma-invalidade-de-prova-obtida-pelo-espelhamento-de-conversas-via-WhatsApp-Web.aspx . Reportagem sobre decisão do STJ em caso de prova digital. Acesso em 25/05/2021

Advogada atuante nas áreas trabalhista e Governança Digital.
Graduada em Direito pela Universidade Leonardo da Vinci/ 2016.
MBA-Direito do Trabalho para Gestão de Pessoas pela INPG Business School/ 2018.
Curso de Implantação em Proteção de Dados pela Nextlaw Academy/ agosto de 2020.
Certificação CPC-A em Compliance pela LEC/FGV/ maio de 2021.
Cursando certificação CDPO/BR pela International Association of Privacy Professionals - IAPP.

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