sábado, 27/julho/2024
ArtigosPrincípio da dignidade humana: como surgiu e importância

Princípio da dignidade humana: como surgiu e importância

Se o ser humano é a fonte de todos os valores que a humanidade perpetua, então não há nada mais importante e valioso para se proteger do que a dignidade do indivíduo. É a partir desse pensamento que o princípio da dignidade humana atua no ordenamento jurídico brasileiro.

Visto como o pilar do Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana é a base de todo o direito dos países democráticos de todo o mundo. Ao mesmo tempo, pela sua natureza filosófica, é algo de controvérsia e desconhecimento.

Este artigo, portanto, tem como objetivo iluminar o assunto, explicando o que é o princípio da dignidade humana, qual é a sua construção histórica, sua influência dentro de momentos importantes da história da humanidade e da formação da democracia contemporânea e qual é o seu impacto dentro do direito brasileiro. Boa leitura!

O que é o princípio da dignidade humana?

O princípio da dignidade da pessoa humana é um conceito filosófico e abstrato que determina o valor inerente da moralidade, espiritualidade e honra de todo o ser humano, independente da sua condição perante a circunstância dada.

É um princípio fortemente influenciado pelo pensamento iluminista dos séculos XVII e XVIII. Portanto, influenciou o pensamento dos intelectuais da época e até a constituição de países que passaram por revoluções burguesas no período, como a França e os Estados Unidos da América.

Embora o princípio da dignidade humana seja o princípio mais importante do ordenamento jurídico brasileiro, ele se trata de um conceito abstrato, sem fundamentos ou explicações únicas e pacificadas, o que faz com que o debate sobre o tema seja sempre controverso.

Correntes teóricas compreendem o princípio da dignidade humana como o principal guia do direito, que tem como propósito a efetiva e completa análise e ponderação do ser humano enquanto tal dentro da esfera jurídica; enquanto isso, há aqueles que compreendem que seu significado, por ser abstrato e filosófico, é vazio de aplicação prática e material.

Por que o nome “princípio da dignidade da pessoa humana”?
O termo “princípio da dignidade da pessoa humana” soa para muitas pessoas como um pleonasmo, utilizando as palavras “pessoa” e “humana” ao mesmo tempo, ao invés de utilizar apenas uma. Afinal, por que não só “princípio da dignidade da pessoa” ou “princípio da dignidade humana”?

Vamos primeiro nos debruçar sobre o termo “princípio da dignidade da pessoa”. O princípio não é escrito conforme tal forma pois dentro do ordenamento jurídico não há apenas a figura da pessoa humana, mas também a da pessoa jurídica.

Dessa forma, não é possível declarar que os princípios da dignidade alcancem também as pessoas jurídicas, uma vez que essas não são dotadas de dignidade ou de valores intrínsecos dos seres humanos.

Já o termo “princípio da dignidade humana” é bastante utilizado, mas não leva em consideração a principal motivação para a criação do mesmo, que é a proteção da condição humana de cada indivíduo, independente da sua condição.

Dessa forma, a utilização do termo “princípio da dignidade da pessoa humana” enfatiza a visualização do sujeito humano enquanto indivíduo pleno e digno de ter sua autodeterminação contemplada e protegida.

O princípio da dignidade humana na Constituição Federal

Por ser o princípio mais importante do ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da dignidade humana se encontra no artigo 1º da Constituição Federal, em seu inciso III:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.”

Ou seja: dentro da Carta Maior brasileira, a dignidade da pessoa humana se apresenta com um dos fundamentos primários da constituição do Estado Democrático de Direito do país.

Isso determina que todas as outras legislações devem obrigatoriamente considerar a dignidade da pessoa humana para a sua existência, impedindo a criação de normativas que coloquem o ser humano em condição degradante para a sua honra, espiritualidade e dignidade.

Quando surge o princípio da dignidade da pessoa humana?

Como apontamos anteriormente, o princípio da dignidade humana começou a se estruturar enquanto uma lápide dos direitos humanos a partir do Iluminismo europeu dos séculos XVII e XVIII, que culminaram num período de abandono do feudalismo e colonialismo em certos países do mundo.

Para destacar dois pontos importantes para a criação do princípio da dignidade humana, temos a Revolução Norte-Americana que culminou na independência do país, em 4 de julho de 1776; e a Revolução Francesa, que ocorreu entre 5 de maio de 1789 e 9 de novembro de 1799.

A Revolução Francesa, em sua parte, trouxe para o mundo a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, uma carta que traz consigo os primeiros ideais que iriam compor o princípio da dignidade da pessoa humana.

Entretanto, os valores que foram definidos como intrínsecos e fundamentais para todo o ser humano avançaram com o tempo, principalmente com as Convenções de Genebra, que ocasionaram uma série de tratados internacionais para reduzir o impacto das guerras na população e impedir que atos degradantes e cruéis fossem utilizados em períodos de conflito, como a tortura e a utilização de armas de destruição em massa.

Esses acontecimentos, em conjunto com o período das Guerras Mundiais, culminaram na criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, criada em 1948 pela Organização das Nações Unidas.

O princípio da dignidade da pessoa humana, portanto, é o ideal que defende que a condição humana, de viver com dignidade e ser tratado perante a sociedade e seus pares como um ser humano pleno, precisa ser preservada e defendida sobre todas as outras situações, colocando o ser humano como principal agente de transformação do seu meio e, dessa forma, do mundo.

Onde se apresenta o princípio da dignidade da pessoa humana?

Como apresentamos, o princípio da dignidade da pessoa humana é um conceito filosófico e abstrato, portanto não é um princípio com definições claras. Trata-se de um conceito historicamente construído, como mostramos anteriormente.

Entretanto, é possível apontar documentos que trazem a dignidade da pessoa humana como o fundamento principal de sua própria existência, como é o caso da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A primeira consideração do documento aponta que é o reconhecimento da dignidade humana que dá a base para outros direitos fundamentais, como a liberdade, a justiça e a vida, por exemplo.

Portanto, para que esses direitos fundamentais (como direito à vida, de ir e vir, da liberdade, de ter propriedade, de livre pensamento e expressão…) sejam cumpridos e preservados, é preciso primeiro enxergar o ser humano enquanto mestre da sua própria vida, autodeterminado e portador de honra e dignidade.

O primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos traz que a igualdade entre as pessoas humanas é primeiro em relação à sua dignidade:

“Art. 1º Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.”

A partir da Declaração, que culminou após a humanidade ter presenciado os horrores causados pelas duas Guerras Mundiais, Estados de Direito do mundo inteiro implementaram a dignidade humana e os direitos humanos como princípios basilares das suas relações jurídicas, como é o caso do Brasil, com a Constituição Federal de 1988.

Qual a importância do princípio da dignidade humana?

O princípio da dignidade humana é a base de praticamente todo o direito de países democráticos, uma vez que é a constatação de que a plenitude do ser humano deve ser respeitada e preservada pela figura do Estado.

Isso significa que a autodeterminação do ser humano e o seu direito de ser resguardado é predominante sobre todos os outros direitos, sendo eles fundamentais ou não.

Uma das principais discussões práticas sobre o princípio da dignidade humana no mundo hoje é sobre o direito de uma pessoa realizar, através do Estado, a eutanásia, ou seja, a morte indolor de alguém através do pedido dessa mesma pessoa.

A eutanásia é fruto de uma grande discussão por colocar dois direitos fundamentais em conflito: o princípio da dignidade humana e o direito à vida.

Por um lado, o direito à vida é inalienável e deve ser preservado a todo o custo; por outro, a autodeterminação do indivíduo e seu direito de viver com dignidade é o fundamento para o direito à vida, estando acima deste.

Essa é a base de argumentação que fez com que países como a Holanda e a Bélgica liberassem a eutanásia voluntária, apresentando que o princípio da dignidade humana, de alguém ter o poder de determinar a sua própria existência e de determinar se vive com dignidade ou não é maior do que o próprio direito à vida.

Entende-se, ao aplicar esse tipo de medida, que o sujeito deve ter a possibilidade de escolher se continua vivendo ou não, uma vez que a sua dignidade é maior do que a proteção que o Estado dá para a sua própria vida.

Como o princípio da dignidade humana impacta as áreas do direito

O princípio da dignidade humana, por ser um princípio fundamental da constituição do Brasil enquanto um Estado Democrático de Direito, pode ser vista por toda a legislação e pelo ordenamento jurídico do país.

Entretanto, há uma seção do Código Civil de 2002, que compreende entre os artigos 11 e 21, que aponta, de forma bastante limitada e precária, porém prática, o que é o princípio da dignidade humana, como podemos ver nos artigos 11 e 20:

“Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.”

“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”

A seção trata dos direitos da personalidade, que apresentam o direito à vida, à autodeterminação do indivíduo sobre seu próprio corpo, à privacidade, à honra, à preservação de si e de seu nome, entre outras coisas.

Trata-se, como falamos anteriormente, de uma visão limitada e de apenas um escopo do que é o princípio da dignidade humana, mas já apresenta, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, uma base para que os juristas apliquem o princípio dentro de suas sentenças e decisões.

 

Conclusão

O princípio da dignidade humana é, ao mesmo tempo, o princípio mais importante do direito de países democráticos e um dos fundamentos mais difíceis de conceituar, uma vez que a sua natureza filosófica e relacionada com a plenitude humana não é completamente e objetivamente compreendida.

A partir dessa exposição sobre o tema, esperamos que seja compreendida a importância histórica e jurídica desse princípio na vida das pessoas, uma vez que ele é a base para todos os demais direitos fundamentais.

Pelo meio do campo filosófico iluminista, foi proposto que não há nada mais importante para a vida de uma pessoa do que a sua dignidade. Ao prezar pela dignidade de terceiro, prezamos também pela sua vida, liberdade, paz de espírito, honra e autodeterminação.

Tiago Fachini

Gerente de marketing e colunista do Blog ProJuris, palestrante, professor, podcaster jurídico e, acima de tudo, um apaixonado por tecnologia e pelo mundo jurídico com mais de uma década de atuação dedicada ao mundo digital.
Titulação acadêmica: Gestão de Marketing Estratégico na Univille (2006 a 2008); MBA em Marketing na Sustentare Escola de Negócios (2011 a 2012).

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