quinta-feira,28 março 2024
ColunaPapo JurídicoDo conceito ao registro: como criar e proteger uma marca

Do conceito ao registro: como criar e proteger uma marca

Introdução

Este é o primeiro estudo sobre o tema intitulado como: “do conceito ao registro: como criar e proteger uma marca”. Neste artigo sobressaltarei o conceito de marca e qual o seu valor/importância no cenário atual, possibilitando assim uma abertura para o próximo artigo a ser publicado, o qual tratará especificamente do registro de marcas.

 

1 O que é a MARCA e qual a sua importância?

Começo este texto explicitando aos leitores que o significado de marca não pode ser representado de forma estática, isso porque, conforme veremos, a marca se molda às necessidades do cenário socioeconômico, fluindo evolutivamente com ele. Outrossim pode-se dizer, apenas, que resta incontroverso o papel da marca em identificar produtos, serviços e funções.

Nesse sentido, ensina José Benedito Pinho (1996) que:

Os sinetes, selos, siglas, símbolos e, mais modernamente, as marcas desempenham primordialmente a função de identificar os produtos e serviços por eles assinalados e diferenciá-los daqueles produzidos pela concorrência. (…) Novas funções foram sendo incorporadas e, consequentemente, as marcas nominais vão se constituindo em elementos primordiais no composto de marketing das empresas comerciais, industriais e de prestação de serviços.

De acordo com o autor supramencionado, pode-se dizer que sempre existiu formas de se promover mercadorias. É possível afirmar que selos, símbolos e siglas eram as maneiras mais usuais, sendo, principalmente, utilizadas para a marcação de animais, utensílios e armamento. A marca, desde o seu início serviu como uma forma de atestar qualidade, excelência e/ou prestígio de um produto (ou produtor). É historiado que na antiga Roma tonavam-se públicos, através de mensagens, os locais (com seus devidos endereços) em que se eram fabricados sapatos e vinhos. E, tendo em vista que naquela época larga escala populacional era analfabeta, encontrou-se nas pinturas uma grande aliada para a identificação de mercadorias e produtores. (PINHO, 1996).

Ademais, na Idade Média era tido que as organizações de interesse econômico, ou político-social (corporações de ofício e de mercadores) começaram a utilizar-se das marcas como uma maneira para se controlar a quantidade, bem como a qualidade de produções. Assim, aquilo que hoje é denominado de trademarks (marcas de comércio) tornou viável a criação de medidas para o “ajuste da produção e comercialização de determinados bens à demanda do mercado”. Foi, dessa forma, que surgiu a premissa de proteção ao comprador (o que mais tarde, com a evolução, viria a se transformar naquilo que reconhecemos por nomas de proteção ao consumidor). Por óbvio, por se tratar de algo embrionário, quando se fala de proteção ao comprador, fala-se da possibilidade, à época, de o consumidor identificar e se proteger de adquirir produtos de má qualidade (o que se tinha aos montes). (PINHO, 1996, p. 12).

Ainda, na Idade Média, tinha-se que os tecelões da Inglaterra, os ourives da Itália e da França, eram obrigados a utilizarem de “marcas individuais”, o que permitia às organizações/corporações identificar mercadorias falsificadas ou em desconformidade das especificações técnicas exigidas. (PINHO, 1996).

Nesse trilhar de ideias, afirma José Benedito (1996) que as marcas individuais foram estabelecidas de forma obrigatória e adquiriram, no século XI (onze), caráter concorrencial. Foi nesse século, ainda, que as operações comerciais se ampliaram e ganharam novas distâncias. Destarte a marca deixou de representar uma relação exclusiva do produtor local e do comprador local, e passou a representar, principalmente, a relação existente entre os fabricantes sediados em outras cidades e os compradores que adquiriam tais mercadorias em suas cidades. (PINHO, 1996).

É com base no que fora dito acima que se colaciona aqui trecho do que ensina Remo Franceschelli (1973, apud ZEBULUM, 2007, p. 219):

(…) somente no despertar do século XI podemos notar um sentido comercial nas marcas, a partir do tímido renascimento das relações de comércio, pois até então, os aventureiros vendedores ambulantes não se mostravam preocupados em efetuar um aviamento através de uma marca ou qualquer signo distintivo.

Com o passar dos anos, já no século XIX (dezenove), mais precisamente no ano de 1835, a marca tomou finalmente o caminho rumo ao formato no qual a conhecemos. Foi com a introdução da marca Old Smuggler que se viu, pela primeira vez, o uso da marca como uma ferramenta de diferenciação. Junto a essa nova visão surgiram também as preocupações relacionadas à proteção e registro de marcas. Assim, na segunda metade do século XIX (dezenove), surge a semente do instituto jurídico moderno com a promulgação da Lei de Marcas e Mercadoria da Inglaterra em 1862. Nesta mesma senda, com pouca diferença de tempo, surgiram outras legislações concernentes ao assunto, como, por exemplo, a Lei Federal de Marcas e Comércio nos Estados Unidos de 1870, e a Lei para a proteção de marcas na Alemanha, de1874. (PINHO, 1996).

 

1.1 O DECRETO Nº 2.682 DE 23 DE OUTUBRO DE 1875 (LEGISLAÇÃO IMPERIAL).

De acordo com José Roberto de Almeida Júnior (2009), no Brasil, o que entendemos como direitos da propriedade intelectual teve início no ano de 1809 com a expedição do alvará de lavra do Príncipe Regente, o qual explicitava que:

Sendo muito conveniente, que os Inventores e os Introdutores de alguma nova máquina e invenção nas artes gozem do privilégio exclusivo além do direito que possam ter em benefício da indústria e das artes; Ordeno, que todas as pessoas que estiverem neste caso, apresentem o Plano de seu novo invento à Real Junta do Comércio; e que esta, reconhecendo a verdade e o fundamento dele, lhes conceda o privilégio exclusivo por quatorze anos. (SOARES, 2003 apud ALMEIDA JÚNIOR, 2009).

Todavia, não havia, ainda o que se falar sobre proteção de marcas. Dessa maneira, o Brasil do século XIX se fez notório apenas com a promulgação da Lei nº 2.682 de 1875. Tal lei emergira no ordenamento jurídico após a reclamação feita, em 1875, perante o Tribunal da Relação da Bahia, pela Companhia Meuron & CIA. em desfavor da empresa Moreira & CIA., argumentando pela primeira vez, no Brasil, sobre a usurpação de marca. À época, Rui Barbosa foi o advogado da parte autora, se tornando assim o responsável por trazer o tema às vistas do Poder Judiciário. Embora a demanda tenha sido julgada improcedente pelo respectivo Tribunal, o tema chegou ao Poder Legislativo, através de uma representação feita pela empresa demandante, a qual fora acolhida. (PINHO, 1996).

Naquela época, a lei promulgada protegia apenas o fabricante. Dessa forma vejamos:

Art. 1º E’ reconhecido a qualquer fabricante e negociante o direito de marcar os productos de sua manufactura e de seu commercio com signaes que os tornem distinctos dos de qualquer outra procedencia. A marca poderá consistir no nome do fabricante ou negociante, sob uma fórma distinctiva, no da firma ou razão social, ou em quaesquer outras denominações, emblemas, estampas, sellos, sinetes, carimbos, relevos, involucros de toda a especie, que possam distinguir os productos da fabrica, ou os objectos de commercio.

Art. 2º Ninguem poderá reivindicar por meio da acção desta lei a propriedade exclusiva da marca, sem que previamente tenha registrado no Tribunal ou Conservatoria do Commercio de seu domicilio o modelo da marca, e publicado o registro nos jornaes em que se publicarem os actos officiaes.

(…) Omissis. (Texto sem alterações. Português da época)

Ainda, no que tange à aplicação de pena para os casos que contrariavam o texto expresso da Lei 2.682/75, se tinha o seguinte:

Art. 6º Será punido com prisão simples de um a seis mezes e multa de 5 a 20% do damno causado ou que se poderia causar:

1º O que contrafizer qualquer marca industrial ou de commercio, devidamente registrada no Tribunal ou Conservatoria do Commercio;

2º O que usar de marcas contrafeitas;

3º O que dolosamente applicar nos productos de sua manufactura ou nos objectos de seu commercio marcas pertencentes a outros;

4º O que vender ou expuzer á venda productos revestidos de marcas contra feitas ou sub-repticiamente obtidas, sabendo que o eram.

Art. 7º Será punido com um a tres mezes de prisão e multa de 5 a 20% do damno causado, ou que se poderia causar:

1º O que, sem contrafacção, imitar dolosamente marcas alheias de modo que possa enganar ao comprador;

2º O que no mesmo intuito e nas mesmas condições usar de marcas imitadas.

Art. 8º Os complices destes delictos serão punidos conforme as regras do art. 35 do Codigo Criminal.

Art. 9º Além das penas de que tratam os artigos antecedentes, fica, em todo caso, garantido aos prejudicados o direito á justa satisfação do damno, que será effectivo, nos termos da legislação actualmente em vigor. (Texto sem alterações. Português da época)

Assim sendo, evidente se mostra o surgimento, em 1875, do direito de registro e de proteção de marcas no Brasil, bem como da devida punição para aqueles que pretendessem se usurpar de marca alheia. Até aquele momento o intuito era proteger, de forma contundente, apenas o fabricante e o vendedor de mercadorias. Assim sendo, não havia o que se falar em marca da forma que se fala hodiernamente, pois a sua abrangência era demasiadamente limitada (seu sentido fora fixado e declarado como exclusividade do comércio).

 

1.2 O conceito moderno de MARCA

Atualmente, a Lei nº 9.279 de 14 de maio de 1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, define o que é marca nos artigos 122 e 123, senão vejamos:

Art. 122. São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.

Art. 123. Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I – marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa;

II – marca de certificação: aquela usada para atestar a conformidade de um produto ou serviço com determinadas normas ou especificações técnicas, notadamente quanto à qualidade, natureza, material utilizado e metodologia empregada; e

III – marca coletiva: aquela usada para identificar produtos ou serviços provindos de membros de uma determinada entidade.

Outrossim, de acordo com a American Marketing Association (AMA), o termo marca pode ser conceituado como: “um nome, termo, design, símbolo, ou qualquer outro recurso que identifique, de forma distinta, os bens ou os serviços de determinados vendedores ou prestadores de serviços.” (Tradução deste autor). Ainda, de acordo com a International Organization for Standardization (ISO): “a marca é feita de um ativo intangível, o qual se destina a criar imagens e associações distintas nas mentes dos steakeholders (públicos estratégicos) gerando assim benefícios e valores econômicos.” (Tradução deste autor).

 

1.2.1 Ativo intangível

Conforme ensina Kamil Idris (2005 apud ALMEIDA JÚNIOR 2009) define-se ativo intangível como sendo os valores impassíveis de serem convertidos imediatamente em capital como, por exemplo, o capital humano e os ativos de propriedade intelectual. Ainda, nessa linha de pensamento Ana Cristina França de Souza (1999 apud ALMEIDA JÚNIOR 2009) obtempera que os ativos intangíveis devem ser considerados como os mais importantes ativos que as empresas possuem, caracterizando-se assim como algo essencial.

Os ativos intangíveis também podem ser denominados como ativos invisíveis ou até mesmo intelectuais e usualmente são caracterizados pelas seguintes especificidades: patentes, marcas, franquias, goodwill (patrimônio intangível de uma marca), direitos autorais, banco de dados, softwares, concessões públicas, dentre outras. Afirma-se que estes ativos intelectuais necessitam, impreterivelmente, de uma natureza permanente, com ausência física e que consiga produzir benefícios futuros que podem ser enquadrados como invisíveis. “Devem-se observar preceitos e normas sobre estes ativos, quando gerados internamente ou quando possuem subjetividade” (PEREZ; FAMÁ, 2006 apud DA SILVA et al. 2017).

 

1.2.2 Valoração de uma marca

De acordo com o estudo feito por Chang Chuan Teh, Eduardo Kazuo Kayo e Herbert Kimura (2008) com base na obra de Cerbasi (2003) e de Sharpe, Alexander e Bailey ( 1995) existem, no mínimo, três formatos de valores que estão relacionados à uma empresa, nesse sentido são citados: I) o valor contábil; II) o valor intrínseco; e III) o valor de mercado. O primeiro pode ser calculado tendo em vista as informações contábeis e precisa possuir um critério definido. O segundo se baseia no fluxo de caixa que se espera receber no futuro. E, o terceiro, no caso de empresas de capital aberto, geralmente é obtido “como o produto unitário da ação com a quantidade de ações”. (TEH et al., 2008, p. 1). Ademais, conforme sugerem os autores supramencionados, pesquisas empíricas apontam que ativos intangíveis são de grande importância para a valorização de uma marca. (TEH et al., 2008).

 

Conclusão

Assim, conclui-se, de forma plena, que a marca é bem mais do que apenas uma representação gráfica ou visual criada por uma empresa para atingir determinados públicos. Quando se fala de marca, estipula-se que ela precisa estar aliada a valores para que consiga atingir os stakeholders.

Conforme explica Ana Claudia dos Santos e Ana Elisa Guimarães (2011):

(…) a marca facilita as transações, pois torna mais rápida a interpretação e processamento das informações pelo cliente em relação a determinada experiência com o produto, aciona ou não suas expectativas de confiança, identificação, ética, satisfação e auto-expressão, servindo como critério de redução de risco na decisão de compra. Para as empresas, a marca forte melhora a eficiência dos programas de Marketing, permite o desenvolvimento de programas de relacionamento e fidelidade, fornece uma diferenciação protegida por lei (marca registrada), facilita o processamento de pedidos, deixa uma base para a comunicação da imagem corporativa, delimita um valor de ativo intangível no caso de venda e uma fonte de segmentação eficaz, possibilita obter maiores retornos e maior alavancagem comercial, e ainda dá margem para futuras expansões de marca. (Grifo deste autor).

Atualmente, pode-se dizer que as marcas confluíram para uma semiótica mais valorativa, elas têm sido criadas já baseadas em contextos sociais, assim sendo estão arraigadas de indicadores de identidade coletiva. A criação de uma marca não é baseada na empresa em si, mas no todo (social/coletivo). Por tudo isso, é certo dizer também que os consumidores de hoje não se conectam mais com sinais, símbolos ou imagens, eles se conectam com o sentido intrínseco, com a forma de ser, estar e fazer de uma empresa. E, é por assumir um papel tão importante como esse que a marca se tornou um item possuidor de proteção legal no Brasil e no globo.

 


Referências:

ALMEIDA JÚNIOR, José Roberto de. Marcas não convencionais: a proteção de marcas não convencionais no Brasil. 2009. Monografia (graduação em Direito) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas, Faculdade de Direito.

AMA – American Marketing Association. Definitions of Marketing. 2017. Disponível em:< https://www.ama.org/the-definition-of-marketing-what-is-marketing/. Acesso em junho 2021.

BRASIL. Decreto nº 2.682, de 23 de outubro de 1875. Regula o direito que têm o fabricante e o negociante, de marcar os produtos de sua manufactura e de seu commercio. Disponível em:< https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-2682-23-outubro-1875-549770-publicacaooriginal-65288-pl.html>. Acesso em junho de 2021.

BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos À propriedade industrial. Brasília, 1996. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm>. Acesso em junho de 2021.

DA SILVA, Alini; DE SOUZA, Taciana Rodrigues; KLANN, Roberto Carlos. A influência dos ativos intangíveis na relevância da informação contábil. Revista contemporânea de contabilidade, v. 14, n. 31, p. 26-45, 2017.

OLIVEIRA, Marta Olivia Rovedder de; e LUCE, Fernando Bins. O valor da marca: conceitos, abordagens e estudos no Brasil. REAd. Revista Eletrônica de Administração (Porto Alegre) [online]. 2011, v. 17, n. 2, pp. 502-529. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1413-23112011000200008>. Epub 27 Abr 2012. ISSN 1413-2311. Acesso em 2021.

PINHO, José Benedito. O poder das marcas. 1996. Summus editorial – SP. 3ª edição.

SANTOS, Ana Claudia dos; GUIMARÃES, Ana Elisa. O poder da marca. 2011. III ENCONTRO CIENTÍFICO E SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO UNISALESIANO. Educação e Pesquisa: a produção do conhecimento e a formação de pesquisadores. Disponível em:< http://www.unisalesiano.edu.br/simposio2011/>. Acesso em junho de 2021.

TEH, Chang Chuan; KAYO, Eduardo Kazuo; e KIMURA, Herbert. Marcas, patentes e criação de valor. RAM. Revista de Administração Mackenzie [online]. 2008, v. 9, n. 1, pp. 86-106. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1678-69712008000100005>. Epub 06 Jun 2012. ISSN 1678-6971. Acesso em 2021.

ZEBULUM, José Carlos. Revista da Escola da Magistratura Regional Federal /Escola da Magistratura Regional Federal, Tribunal Regional Federal: 2ª Região. Cadernos Temáticos – Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: EMARF – TRF 2ª Região / RJ 2007 -Fevereiro 2007. ISSN 1518-918X.

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