segunda-feira,18 março 2024
ColunaConsumidor AlertaA revisão contratual em matéria de mensalidade escolar

A revisão contratual em matéria de mensalidade escolar

É sabido que, em razão da pandemia da covid-19, foram proferidas decisões judiciais provisórias por tribunais estaduais, determinando a redução das mensalidades escolares, e editadas leis estaduais em que se impunha às instituições de ensino a redução linear das mensalidades.

Tais matérias – de relevo econômico e social – foram recentemente apreciadas pelo STF e pelo STJ.

Com efeito, importante julgamento foi concluído em 14.06.2022 pela 4ª Turma do STJ, relator ministro Luis Felipe Salomão, no REsp 1.998.206, em que se decidiu que a situação decorrente da pandemia pela Covid-19 não constitui fato superveniente apto a viabilizar a revisão judicial de contrato de prestação de serviços educacionais, negando-se o pedido para redução proporcional do valor das mensalidades.

Segundo o voto do ministro Luis Felipe Salomão, a mera superveniência de um fato extraordinário não autoriza, por si só e de forma automática, a revisão judicial do contrato, eis que a análise do desequilíbrio econômico e financeiro deve ser realizada com base no grau ou intensidade do desequilíbrio e no ônus a serem suportados pelas partes. Como, embora por motivos imprevisíveis, os serviços educacionais foram prestados com adaptação à nova realidade, descabe cogitar de falha do dever prestacional ou de desequilíbrio econômico imoderado para o consumidor.

É sabido que a legislação privada brasileira consagra institutos que – em havendo a superveniência de fatos excepcionais que tenham o condão de alterar o equilíbrio econômico-financeiro das obrigações contratuais -, deverá o juiz determinar a revisão contratual, com vistas ao restabelecimento do equilíbrio contratual.

O Código Civil, em seu art. 317, adota a teoria da imprevisão, pela qual, se, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, deverá o juiz efetuar a revisão do contrato, a fim de restabelecer o equilíbrio econômico.

O Código do Consumidor, em seu art. 6º, inc. V, adota a teoria da base objetiva, pela qual o consumidor tem direito à revisão do contrato, quando, em razão de fatos supervenientes, a obrigação se torne excessivamente onerosa.

Exigem-se os seguintes requisitos para que, a teor da teoria da imprevisão prevista no Código Civil, se proceda à revisão do contrato: (i) superveniência de fato extraordinário e imprevisível; (ii) este acontecimento torne excessivamente oneroso para o devedor o cumprimento da obrigação, e (iii) enriquecimento inesperado e sem causa ao credor. A teoria da base objetiva, prevista no Código do Consumidor, difere da teoria da imprevisão por prescindir da imprevisibilidade do fato; entretanto, ambas as teorias demandam fato superveniente extraordinário que tenha a aptidão de gerar, a um só tempo, a manifesta onerosidade ao devedor e o enriquecimento sem causa ao credor (REsp 1.321.614, rel. Min. Villas Bôas Cueva).

O precedente firmado pelo STJ no REsp 1.998.206 é importante para delinear que os requisitos legais da revisão contratual devem ser examinados à luz da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, especialmente para aferir se houve, simultaneamente, manifesta onerosidade excessiva para o devedor e enriquecimento sem causa para o credor.

De outro lado, o Pleno do STF, na ADI 6445, rel. Min. Dias Toffoli, declarou a inconstitucionalidade da legislação do estado do Pará que determinava a redução das mensalidades devidas aos estabelecimentos da rede privada de ensino durante a covid-19, por entender que houve violação à competência legislativa privativa da União em legislar sobre matéria de direito privado, assim como violação ao princípio da livre iniciativa consubstanciada no espaço de liberdade de atuação dos particulares que desempenham atividades econômicas.

Com base nos mesmos fundamentos, o Pleno do STF, na ADPF 706, rel. Min. Rosa Weber, declarou a inconstitucionalidade de decisão judicial que, sem considerar as circunstâncias fáticas efetivamente demonstradas, deixa de sopesar os reais efeitos da pandemia em ambas as partes contratuais, e determina a concessão de descontos lineares em mensalidades de instituições de ensino superior. Isso porque, à luz dos preceitos constitucionais fundamentais da livra iniciativa, da isonomia, da autonomia universitária e da proporcionalidade, afigura-se inconstitucional a interpretação firmada em decisão judicial que, unicamente fundamentada na eclosão da pandemia da covid-19 e no efeito de transposição de aulas presenciais para aulas virtuais, determina às instituições de ensino superior a concessão de descontos lineares nas contraprestações dos contratos educacionais, sem considerar as peculiaridades dos efeitos da crise pandêmica em ambas as partes contratuais envolvidas.

Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.

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