sexta-feira, 26/julho/2024
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A relevância social do direito individual homogêneo e a atuação do Ministério Público na ação civil pública

Decisão do Superior Tribunal de Justiça, proferida em 28.09.2021, no REsp 1.585.794, reacendeu a discussão em torno da legitimidade do Ministério Público para a propositura de ação civil pública versando sobre direitos individuais homogêneos de consumidores.

Com efeito, a Constituição Federal, em seu art. 127, e a Lei Complementar 75/1993, em seu art. 6º, VII, “d”, estabelecem que, no âmbito do inquérito civil e da ação civil pública, a atuação do Ministério Público está voltada à defesa dos direitos difusos, coletivos sociais e os individuais indisponíveis. Igualmente, a Lei 7.347/1985, em seu art. 1º, inc. IV, dispõe que a ação civil pública é adequada para, dentre outros tipificados (meio-ambiente, consumidor, patrimônio histórico-cultural, ordem econômica, ordem urbanística, patrimônio público/social), a proteção de outro interesse difuso ou coletivo.

Em precedente paradigmático, em hipótese de mensalidades escolares, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública em defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, com a ressalva de que a atuação quanto aos últimos pressupõe a demonstração da relevância social (RE 163.231, rel. Min. Maurício Corrêa). Esta tem sido a orientação adotada no âmbito do STF, destacando-se os seguintes julgados: RE 631.111, rel. Min. Teori Albino Zavascki; RE 195.056-1, rel. Min. Maurício Corrêa; RE 643978, rel. Min. Alexandre de Moraes, RE 328.910-AgR, rel. Min. Dias Toffoli.

Citem-se, entre outros, os seguintes direitos individuais homogêneos que, quando devidamente sopesados, atraíram a atuação do Ministério Público para atuar em sua defesa, tendo, portanto, sua legitimidade referendada pelo STF: o valor de mensalidades escolares (RE 163.231/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa); os contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação (AI 637.853 AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa); os contratos de leasing (AI 606.235 AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa); os interesses previdenciários de trabalhadores rurais (RE 475.010 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli); a aquisição de imóveis em loteamentos irregulares (RE 328.910 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli; as diferenças de correção monetária em contas vinculadas ao FGTS (RE 514.023 AgR, Rel. Min. Ellen Gracie).

O só fato de o interesse individual homogêneo ser do consumidor não configura, por si só, a legitimidade do Ministério Público para a propositura da ação civil pública. Em passagem doutrinária da lava do Min. Teori Zavascki, há a lição de que a Constituição Federal, em seu art. 127, atribui ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses sociais que tem a força normativa específica de conferir a legitimação extraordinária para atuar judicial e extrajudicialmente, haja vista que os interesses sociais são essenciais para a preservação da organização e o funcionamento da sociedade. Os interesses individuais, que quando visualizados em seu conjunto, podem constituir interesses sociais para cuja defesa o Ministério Público detém legitimidade para agir (cf. Processo coletivo e tutela coletiva de direitos. 6ª ed., São Paulo: RT, 2014, p. 223).

Por oportuno, entende-se que os direitos individuais homogêneos de consumidores devem ter relevância social demonstrada casuisticamente à luz dos valores constitucionais (tais como, meio ambiente equilibrado, educação, cultura, saúde, criança e adolescente, idoso etc.), para que fique configurada a legitimidade para agir do Ministério Público.

Neste contexto, o STJ já decidiu não deter o Ministério Público legitimidade para agir, por ausência de relevância social, em casos envolvendo: (i) taxas cobradas em razão da desistência da compra de bilhete aéreo (AgRg no REsp 1.298.449, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze); (ii) prática adotada em promoção de venda de bilhetes a torcedores (AgRg no REsp 1.386.167, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze); (iii) defesa de associados de um clube (REsp 1.109.335, rel. Min. Luis Felipe Salomão); (iv) taxa de expedição de diploma de ensino superior (REsp 1.115.112, rel. Min. Benedito Gonçalves); (v) serviço público de telefonia em que pretendia definir o sujeito passivo de determinados tributos (REsp 974.489, rel. Min. Luiz Fux); (vi) cobrança de multas de trânsitos (REsp 727.092, rel. Min. Francisco Falcão); (vii) cobrança de juros de mora retroativos em contratos bancários de condomínios residenciais (AgRg no REsp 1.411.444, Min. Marco Aurélio Bellizze); (viii) taxa prevista em contratos de associação de lazer (REsp 1.758.398, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino); (ix) matéria de natureza tributária, assumindo defesa de contribuinte (AgInt no REsp 1.833.486, rel. Min. Benedito Gonçalves); (x) anulação de tramitação de projeto de lei do plano diretor de município (REsp 1.687.821, rel. Min. Sérgio Kukina); (xi) demanda contra ex-dirigente de clube de futebol (REsp 1.041.765, rel. Min. Eliana Calmon); (xii) contratos de promessa de compra e venda firmados com pequeno grupo de adquirentes de edifício (REsp 236.161, rel. Min. Aldir Passarinho Junior); (xiii) discussão de regime de previdência municipal (REsp 146.483, rel. Min. Hamilton Carvalhido).

Por sua vez, no mencionado REsp 1.585.794, a 4ª Turma do STJ, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, decidiu que o Ministério Público não detém legitimidade para propor ação civil pública, em que se discute a legalidade da cobrança de taxa vinculada a associação de moradores de empreendimento imobiliário, por se tratar de direito disponível sem relevância social, isto é, o caso não transcende a esfera de interesses puramente particulares e, consequentemente, não possui relevância social exigida para a tutela da ação civil pública.

Por conseguinte, o Ministério Público detém legitimidade para a propositura de ação civil pública voltada à proteção de direitos individuais homogêneos, quando sua amplitude possuir relevância social que deve ser demonstrada casuisticamente.

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Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.

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