sexta-feira, 26/julho/2024
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A Prova testemunhal dos Negócios Jurídicos – A revogação do artigo 227 do Código Civil

prova testemunhal
O CPC expressamente revogou o artigo 227 do Código Civil, mantendo vigente o seu parágrafo único.

É importante observar que essa revogação definitivamente promoveu a quebra de paradigma no que tange a questão probatória referente a contratos.

Os contratos são a expressão pura da manifestação de vontade dos indivíduos que estabelecem uma relação jurídica pessoal para a aquisição, transferência e extinção de direitos e obrigações. A liberdade de contratar – autonomia privada – é a essência e a razão desses negócios jurídicos.

Contudo, essa liberdade não é total, pois, como sabemos, os contratos estão limitados ao atendimento da sua função social. Isso porque, o contrato deve servir à satisfação dos interesses dos indivíduos; não são os indivíduos que devem servir ao contrato. Contrato não pode implicar em opressão. Esse raciocínio nada mais é do que uma consequência lógica de um sistema fundado na dignidade da pessoa humana.

Antes de comentarmos especificamente a alteração, cumpre lembrar e diferenciar a forma dos negócios jurídicos e a sua prova.

Consoante ensina a doutrina, a forma consiste na materialização do ato, ou seja, o modo com um negócio se exterioriza. A forma – prescrita em lei ou não proibida – é requisito de validade do ato. Nesse ponto, os negócios jurídicos podem ser solenes (quando a lei exige uma forma determinada para a sua prática e validade) ou não solenes (o negócio tem forma livre, podendo ser praticado de qualquer modo). A regra geral é a liberdade das formas, nos termos do artigo 107 do Código Civil (“a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”).

A prova, por sua vez, é o meio pelo qual se busca atestar a veracidade dos fatos, sua existência e validade. Como regra geral, para o processo civil, o CPC preconiza que são admissíveis todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados. Já para o Código Civil, o negócio jurídico não solene pode ser provado por perícia, documento, confissão, presunção ou testemunha.

Tradicionalmente, esses conceitos se misturavam no ponto em que, para os casos em que a lei impõe determinada forma como requisito de validade, o negócio não poderia ser provado de outra maneira. Por exemplo: para alienação de imóvel com valor acima de trinta salários mínimos é mister a lavratura de escritura pública para a sua validade e só por meio deste documento se comprova a realização do negócio. Já para os negócios de forma livre, há liberdade também nas provas.

A par disso, preconizava o artigo 227 que não cabia prova exclusivamente testemunhal aos negócios jurídicos cujo valor ultrapassasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no país ao tempo da sua celebração. E o parágrafo único dispõe que para negócios de quaisquer valores cabe prova testemunhal subsidiária e complementar à prova escrita.

Pois bem. O NCPC, no artigo 444, mudou essa sistemática ao dispor que “nos casos em que a lei exigir prova escrita da obrigação, é admissível a prova testemunhal quando houver começo de prova por escrito, emanado da parte contra a qual se pretende produzir a prova”.

A partir de agora, para os negócios não solenes e desde que não se exija prova escrita, é perfeitamente admissível a prova testemunhal ou qualquer outro meio de prova. Isso porque se a lei não exige qualquer forma para a sua prática, não é razoável impor a necessidade de uma prova especial, sob pena de gerar maiores entraves às relações sociais.

Contudo, é bom ter em mente que a prova testemunhal é cabível para qualquer negócio jurídico de forma subsidiária e complementar à escrita. Isso acontece porque o ordenamento tratou de priorizar a prova escrita em face à testemunhal, tendo em vista a fragilidade desta segunda modalidade de prova. Nesse tanto, o ordenamento prezou pela segurança jurídica, sem, contudo, vedar completamente a utilização de qualquer meio de prova.

O CPC foi mais detalhista quanto aos negócios jurídicos em que a lei exige prova escrita. Para esses negócios, a oitiva de testemunhas não está vedada. Mas há condicionantes à sua aceitação, qual seja, começo de prova escrita emanada da parte contra quem se pretende produzir a prova.

Em outras palavras, nesses casos, as testemunhas serão ouvidas em caráter complementar.

Vale anotar, também, que ao dispor que o começo de prova escrita deve emanar “da parte contra a qual se pretende produzir a prova”, a lei restringiu aquelas provas escritas que foram produzidas unilateralmente por quem tinha o ônus probatório a fim de conferir maior credibilidade quanto ao exame das provas.

Percebe-se, com essa análise, que o parágrafo único do artigo 227 foi mantido, pois se coaduna à nova realidade, na medida em que, como regra, cabe prova testemunhal para todo negócio jurídico. Havendo prova escrita, as testemunhas irão somar; não havendo, as testemunhas, então, servirão. Mas, se a lei exigir uma prova escrita, as testemunhas serão admitidas como meio de prova complementar.

Isso porque, o ordenamento privilegia a prova escrita em detrimento das testemunhas, pois é cediça a precariedade da prova testemunhal, em que pese seja também indeclinável.

Nota-se que com essa nova previsão, o legislador prestigiou os princípios da autonomia privada, função social dos contratos e boa-fé objetiva, na medida em que a formalidade dos meios de prova cedeu espaço para a busca da real intenção das partes.

Aliás, esse entendimento decorre da previsão do artigo 112 (“Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”) e 113 (“Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”) do Código Civil. Porque sendo os contratos a expressão pura da manifestação de vontade, é ela que deve ser ressaltada, seja na interpretação do conteúdo negocial, seja na comprovação da sua ocorrência.

Não importa mais, pelo menos como regra, o sistema da prova legal, pois cabe ao juiz interpretar cada caso concreto levado ao Judiciário, valendo-se de todos os elementos que puderem ser produzidos. A lei apenas dá preferência, em geral, à prova escrita em razão da maior segurança que ela proporciona.

Esse sistema mais flexível (menos formal), à primeira vista pode parecer mais frágil, contudo, é mais justo e dificulta o manejo de artifícios por aqueles que agem de má-fé.

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de Araraquara (2012). Possui pós-graduação lato sensu em Direito Civil pela Anhanguera-Uniderp/ Rede LFG (2014). É advogada atuante na área civil.

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