sexta-feira, 26/julho/2024
ColunaConsumidor AlertaA desconsideração da personalidade jurídica no CDC

A desconsideração da personalidade jurídica no CDC

Sabe-se que em regra qualquer pessoa jurídica somente responde por débitos dentro do que é limitado pelo capital social, sendo a responsabilidade dos sócios em regra subsidiária. Essa “prerrogativa” facilitou em alguns casos a ocorrência de fraudes, desviando-se as pessoas jurídicas de seus princípios, fazendo com que a doutrina e a jurisprudência reagissem ao tema de uma forma mais aprofundada e em observação sistemática do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, de forma a se atravessar os limites do capital social e alcançar pessoas e bens escondidos na pessoa jurídica para fins ilegais. [1]

Esse instituto permite ao magistrado responsabilizar sócios e administradores de pessoas jurídicas, evitando-se fraudes e abusos de direito, principalmente em razão de prejuízos causados a terceiros. Em síntese o “escudo” que protege a pessoa jurídica é retirado e os bens dos sócios e administradores são alcançados pela justiça. Existe também a desconsideração inversa da personalidade jurídica, quando os bens da empresa respondem por dívidas dos sócios, assunto que poderá ser tratado em futuro artigo.

A desconsideração da personalidade jurídica no Código Civil não é tão abrangente ou “permissiva” quanto a prevista no Código de Defesa do Consumidor, mas há entendimento de que em nenhuma hipótese é necessário o ajuizamento de ação autônoma para que seja aplicada a desconsideração [2]:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. (CC/02)

A desconsideração da personalidade jurídica prevista no Código Civil corresponde à teoria maior ou subjetiva, exigindo-se a presença de dois requisitos: o abuso da personalidade jurídica e o prejuízo ao credor.

Já a desconsideração da personalidade jurídica prevista no Código de Defesa do Consumidor relaciona-se com a teoria menor ou objetiva, tendo como único requisito o prejuízo ao credor:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

“omissis” 

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. [4] (Grifo Nosso)

Verifica-se que as possibilidades para desconsiderações de personalidades jurídicas pelo Código de Defesa do Consumidor são amplas e, até mesmo, genéricas, já que, de acordo com o parágrafo 5º do artigo supramencionado, basta que a pessoa jurídica seja um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados a consumidores para que seja desconsiderada. Isso demonstra de forma bem nítida o caráter protetivo do CDC, que leva sempre em consideração a vulnerabilidade do consumidor.

Nos ensinamentos de Leonardo de Medeiros Garcia, a desconsideração da personalidade jurídica prevista na CDC pode ser realizada de ofício pelo juiz, haja vista que as normas consumeristas são consideradas de ordem pública e de interesse social, ao contrário do que prevê o Código Civil, que exige o requerimento da parte ou do Ministério Público. [3]

A teoria menor da desconsideração possui tal nome por ser aplicável em qualquer circunstância em que a sociedade esteja insolvente, presumindo-se a fraude. É “menor” por independer de maiores requisitos, sendo suficiente a insolvência da pessoa jurídica.

Interessante notar ainda que, considerando a inexistência de previsão legal no Direito Trabalhista para desconsideração da personalidade jurídica, os juízes do trabalho se utilizam do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor para alcançarem o patrimônio dos sócios no caso de dívidas trabalhistas, fazendo uso da teoria do “diálogo das fontes”.

A jurisprudência, com relativo rigor, caminha junto com a doutrina:

A desconsideração da personalidade jurídica, ao longo do ordenamento jurídico, ganha contornos particulares, a depender da relação de direito material em que sua aplicação é requerida, informando-se pela teoria maior, quando exigida a demonstração do abuso de personalidade, ou pela menor, quando satisfeita pela insolvência do devedor. (Des. Kildare Carvalho, TJMG) [4]

Na prática, para que se desconsidere a personalidade jurídica com base na teoria menor, pode-se levar em conta ainda o número de pessoas prejudicadas e o risco de insolvência.

Se a conduta da pessoa jurídica tem por objetivo impossibilitar a reparação dos prejuízos causados ao consumidor, deve ser aplicada a desconsideração da personalidade jurídica prevista no CDC. Outrossim, se ocorre a mera frustração do direito consumerista, é possível a aplicação na prática da teoria menor, ou seja, em se tratando de relação de consumo, a legislação é flexível e torna realmente possível uma medida que em diferentes circunstâncias se caracterizaria por ser uma medida excepcional e inabitual.


[1] TARTUCE, Flávio. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2016.

[2] MACHADO, Costa et al. Código Civil Interpretado. 9. ed. São Paulo: Manole, 2016.

[3] GARCIA, Leonardo de Medeiros. Código de Defesa do Consumidor Comentado. 13. ed. Salvador: JusPODIVM, 2017.

[4] TJMG. Agravo de Instrumento-Cv 1.0701.09.266185-2/002 0683872-65.2016.8.13.0000. Des.(a) Kildare Carvalho. 16ª Câmara Cível. Publicado em 27/03/2017.

Advogado. Pós-graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

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