sexta-feira, 26/julho/2024
ColunaDireitos (&) HumanosA Depressão e o Exercício de Direitos

A Depressão e o Exercício de Direitos

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou relatório apontando a Depressão como a doença que gerará mais afastamento do trabalho no mundo (até 2020)[i]. Não é por acaso que ela tem ganhado visibilidade nos últimos tempos.

Embora exista o espaço para informação, principalmente na internet, observa-se grande dificuldade na compreensão e tratamento da doença. Isso ocorre porque ela ainda está associada a uma subjetividade do paciente, como se o doente detivesse o poder de deixar de apresentar os sintomas da doença.

É devido a essa visão que, em alguns momentos, o paciente não é visto pelos demais como doente. E assim surgem vários litígios, principalmente os provenientes das relações empregatícias.

Não são raros os casos em que o empregado é demitido por “desídia” [ii] e depois precisa reverter a situação na justiça do trabalho. Isso, pensando em um cenário mais grave, mas também há casos em que auxílios são negados, mesmo quando a pessoa apresenta um quadro avançado da doença.

É para refletir sobre os direitos das pessoas com depressão que traremos alguns julgados sobre o tema.

 

1. Características da Depressão

 

Para compreendermos o contexto em que a pessoa deprimida está inserida, faz-se necessário observarmos os principais sintomas da doença. Yeda Oswaldo (2009)[iii] os exemplifica[iv] da seguinte forma:

 o conjunto de sintomas que inclui humor deprimido (tristeza, desesperança), perda de interesse e prazer por atividades anteriormente satisfatórias; irritabilidade, sensação de desânimo, significativa perda ou ganho de peso, insônia ou hipersonia, pensamento autodestrutivo, fadiga emocional diminuição da energia, levando a uma importante falta de ânimo que interfere na vida no indivíduo […] sonolência, dificuldades de concentração, agitação ou retardo psicomotor, fraqueza muscular e agitação.

 

Por todos esses sintomas, pode haver uma rejeição por parte daqueles que convivem com o indivíduo, por entenderem que existe a possibilidade de um controle desses agouros. O que não acontece.

É claro que em alguns níveis há a possibilidade de controle por meio de um trabalho complementar, como a prática de atividades físicas, meditação e em um nível mais grave, por meio de medicação. Essas são algumas alternativas que podem ser utilizadas. Porém, há a necessidade de um acompanhamento multidisciplinar, pois dificilmente o paciente conseguirá fazer isso sozinho.

Andrew Solomon[v], em seu livro “O demônio do meio-dia: uma anatomia da depressão”, relata como esses sintomas são vivenciados pelo paciente:

 

Tornar-se deprimido é como ficar cego, a escuridão no início gradual acaba englobando tudo; é como ficar surdo, ouvindo cada vez menos até que um silêncio terrível o envolve, até que você mesmo não pode fazer qualquer som para penetrar o silêncio. É como sentir sua roupa lentamente se transformando em madeira, uma rigidez nos cotovelos e joelhos progredindo para um terrível peso e uma isolante imobilidade que o atrofiará e, dentro de algum tempo, o destruirá”.

 

O que se pode observar é a sensação de imobilidade. O indivíduo perde o controle sobre os seus pensamentos, o que leva a um descontrole das atividades cotidianas. E, exatamente por apresentar essa consequência, que o sujeito pode ser confundido como uma pessoa descompromissada e irresponsável. Quando na verdade, o que precisa é de tratamento para que consiga direcionar o rumo da sua vida.

 

2.   Julgados Trabalhistas e Previdenciários

 

Quando pesquisamos nos tribunais sobre o tema Depressão, os principais litígios são de ordem trabalhista e previdenciária. Isso ocorre, porque, quando a causa da depressão estiver relacionada com as atividades laborativas, pode caracterizar acidente de trabalho, que ocasionará o afastamento do trabalho, e o consequente recebimento de auxílio doença. E em muitos casos está associada a outras doenças, conforme consta no seguinte julgado:

 

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ACIDENTÁRIA. INSS. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO. RECONHECIMENTO DA NATUREZA ACIDENTÁRIA. COXARTROSE BILATERAL, TENDINITE DO OMBRO DIREITO, ARTROSE LOMBO-SACRA, LOMBOCIATALGIA BILATERAL E DEPRESSÃO. CONCAUSA. 1. A pretensão dos benefícios acidentários pressupõe a comprovação do nexo de causa e efeito entre a moléstia e a atividade laboral desempenhada pelo segurado. Além disso, para a concessão da aposentadoria por invalidez e do auxílio-doença, imperativa a comprovação de que o segurado se encontra incapacitado permanentemente ou temporariamente para o labor. 2. O auxílio-acidente, por sua vez, será concedido ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. Inteligência dos arts. 42, 59 e 86 da Lei nº 8.213, de 1991. 3. Caso concreto em que há evidências de que as moléstias coxartrose bilateral, tendinite do ombro direito, artrose lombo-sacra, lombociatalgia bilateral e depressão de que padece a segurada foi causada/agravada em decorrência da atividade laboral concausa -, conforme reconhecido em perícia médica, em que a autora está incapacitada temporariamente de exercer a atividade laboral…. Auxílio-doença. Benefício devido. TERMO INICIAL. 4. De acordo com laudo pericial a incapacidade remonta à 30/11/2012, sendo que houve concessão do benefício NB/6008416639 até 01/04/2013. Assim, benefício devido a partir da cessação do auxílio-doença anteriormente concedido, respeitada a prescrição quinquenal. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70077161610, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 16/05/2018).

 

Assim, a depressão sozinha ou associada a outras doenças, poderá ensejar o recebimento de auxílio doença e também aposentadoria por invalidez, desde que esteja  relacionada com a atividade laborativa.[vi]

Como a depressão apresenta vários níveis [vii], em alguns casos as atividades do empregado poderá ser adaptada, não necessitando de afastamento. Nesses casos, também podem surgir conflitos nas relações empregatícias, o que pode inclusive levar à demissão do empregado.

Caso a rescisão do contrato seja com justa causa, e tendo o empregado um diagnóstico de depressão, há a possibilidade de reversão pela Justiça do Trabalho:

 

JUSTA CAUSA – DESÍDIA – DEPRESSÃO – ART. 482, E, DA CLT. O trabalhador Acometido de quadro depressivo agudo não se enquadra como desidioso, nos moldes exigidos pelo art. 482, e, da CLT, por lhe faltar a ação volutiva de ser negligente, imprudente ou imperito na execução de suas funções [grifo nosso]. (TRT-24 00004887220115240002, Relator: NICANOR DE ARAÚJO LIMA, 2ª TURMA, Data de Publicação: 31/01/2012)

 

Assim, nesses casos, o melhor a fazer é procurar uma adaptação das atividades do empregado, respeitando a sua condição.

 

Considerações Finais

 

O presente artigo descreveu algumas características da Depressão trazendo julgados sobre o tema.

Essa é uma doença que muitas vezes não é encarada como tal, o que dificulta um olhar mais direcionado para os indivíduos, de modo a proporcionar uma melhor qualidade de vida e também o exercício efetivo de direitos.

 

[i]  Relatório disponível em: http://www.who.int/eportuguese/publications/pt/

[ii]  A desídia consta como uma das causas da demissão por justa causa pelo empregador (alínea “e”, do art. 482, da CLT)

[iii] OSWALDO, Yeda Cirera. VULNERABILIDADE AO ESTRESSE NO TRABALHO, COPING, DEPRESSÃO E QUALIDADE DE VIDA:: EVIDÊNCIAS DE VALIDADE.. 2009. 103 f. Tese (Doutorado) – Curso de Programa de Pósgraduação Stricto Sensu em Psicologia, Universidade de São Francisco, Itatiba, 2009.

[iv]  O conceito foi elaborado com base nas orientações da  Organização Mundial de Saúde e da American Psychiatric Association.

[v] SOLOMON, Andrew. O demônio do meio-dia: uma anatomia da depressão. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2003.

[vi]  O seguinte julgado descreve essas situações: DOENÇA OCUPACIONAL. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS ACERCA DA CONCAUSALIDADE E DA CULPA DA EMPRESA. Afastada a possibilidade de o trabalho desenvolvido na empresa ter atuado como concausa para o aparecimento ou agravamento da doença, e, ainda, não havendo provas capazes de demonstrar a culpa da empregadora, não prospera o pleito indenizatório. (TRT18, RO – 0001253-45.2010.5.18.0002, Rel. GENTIL PIO DE OLIVEIRA, 1ª TURMA, 15/06/2012) (TRT-18 – RO: 00012534520105180002 GO 0001253-45.2010.5.18.0002, Relator: GENTIL PIO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 15/06/2012, 1ª TURMA)

[vii] Yeda Oswaldo (2009) descreve as principais classificações propostas por Mackinnon e Michels (A Entrevista Psiquiátrica. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas.1992): “• Depressão menor ou distimia, caracterizada por um mau-humor crônico, com duração de, aproximadamente, dois anos, onde o indivíduo não sofre tantos prejuízos sociais, todavia ocorre significativa falta de prazer diante da vida; • Depressão reativa ou secundária, que se refere a 60% dos quadros depressivos, surgindo em situações estressoras, como por exemplo, perda e luto, doenças graves; • Depressão dissimulada ou equivalente, onde os pacientes apresentam sintomas típicos da depressão, mas negam seu componente afetivo, expressando somente os sintomas somáticos. • Depressão maior ou unipolar, que corresponde a 25% de todas as depressões, sendo caracterizada por episódios depressivos em períodos variáveis da vida do indivíduo, onde estes são geneticamente predispostos à doença. • Transtorno de humor bipolar, que é caracterizado por episódios depressivos alternados com fases de mania. Na fase maníaca, o indivíduo tem o seu raciocínio e sua capacidade de julgamento alterado, bem como seu comportamento social.”

Priscila Ramos de Moraes Rego Agnello é professora de Direito do Instituto Federal de Brasília-IFB. Advogada. Mestra em Direito e Políticas Públicas (Centro Universitário de Brasília- Uniceub). Especialista em Direito e Jurisdição (Escola da Magistratura do Distrito Federal- ESMA). Autora do livro Sursis Processual e Lei Maria da Penha: representações sociais (Lumen Juris-2016).

Receba artigos e notícias do Megajurídico no seu Telegram e fique por dentro de tudo! Basta acessar o canal: https://t.me/megajuridico.
spot_img

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Mais do(a) autor(a)

Most Read

Seja colunista

Faça parte do time seleto de especialistas que escrevem sobre o direito no Megajuridico®.

Últimas

- Publicidade -