quinta-feira,28 março 2024
ColunaCivilista de PlantãoA Corroída Cláusula de Incolumidade e o Contrato de Transporte Coletivo Urbano

A Corroída Cláusula de Incolumidade e o Contrato de Transporte Coletivo Urbano

Uma das grandes conquistas que emergiu com o advento do Código Civil de 2002·, dentre a apoteótica consolidação da Responsabilidade Civil Objetiva[1]·, fora a outorga em firme amálgama quanto ao Contrato de Transporte[2]e seus ditames.

Por muito tempo, a sociedade acadêmica reivindicava e reclamava quanto à ausência legal de normas que pudessem obtemperar esta atividade empresarial, e tão usual na sociedade contemporânea, por não objetivar ainda, a contento, esta é fonte perene da ciência Jurídica, quanto ao dever de indenizar, permeando a devida, notória e elevada incidência de acidentes de consumo.

Neste diapasão, o Legislador Civil, primou em regimentar em seus acordes esta norma legal que tanto se reclamava quanto a consecução judicial que versasse a devida constituição de tamanha relevância socioeconômica. Por isso, brindamos a fixação no acervo legislativo pátrio estas normas, agora instadas no pergaminho Civil.

Para nós, a grande evolução é a presença incontesti da cláusula de incolumidade, (rubricada no artigo 742 do CC) do citado Pergaminho Civil. Muito embora, a Súmula 187[3] do Supremo Tribunal Federal, não estivesse encardida pelo tempo, ou seja, está ainda absolutamente operante. E neste cenário, a legislação consumerista, reavivou a questão da cláusula da incolumidade[4], bastando, para tanto, que se ausculte com a devida atenção e diligência o diagrama legal que rege a matéria.

No entanto, munido de nossa bússola acadêmica, que nos é útil para nos nortear, os pontos cardeais das alocações Jurisprudenciais, a qual a matéria em tela, de sobremaneira, nos encaminha para o vale das indagações, para onde alcançaremos a planície do conhecimento. (Ufa!).

Nesta rota, a quiçá rochosa, que se revela um claudicante caminhar. E, no mesmo passar, é indubitável, que em se tratando de acidentes de trânsito, que envolvam os passageiros (ou mesmo transeuntes), nos é soberano e confortável, em afirmar que estamos no terreno fértil da Responsabilidade Civil Objetiva. Mas, surge um eclipse, que exige um esforço cognitivo para transpor esta objeção, estamos nos referindo a questão absolutamente de difícil visibilidade no céu jurídico. Estou mirando a questão referente do Assalto ao Coletivo.

Mesmo com todo o arcabouço legal, já exaurido aqui, o andar é absolutamente claudicante. Estando sempre na condição de siamês das convicções ideológicas do Julgador. Investiguemos. A relação que emerge entre os personagens (transportador e transportado) é de consumo[5], circulando na órbita do Direito Público (Constitucional[6], Administrativo[7]).

Tomemos, como exemplo e paradigma, a minha cidade do Rio de Janeiro (que continua linda apesar de tantos desgovernos e suas flechadas tal qual nosso Padroeiro), e, assim sendo, o Poder Concedente, ao licitar o itinerário das Linhas de Transporte Coletivo Urbano, a serem exploradas, indica as rotas a serem perseguidas, e sendo assim, o empresário conhece desde logo o risco do empreendimento a ser explorado. Não podendo invocar, a posteriori qualquer intempérie na consumação do contrato concedido na exploração do serviço.

No entanto, em se tratando de assalto ao coletivo, (absolutamente usual e corriqueiro nas terras Cariocas, banhadas pela alegria e samba, e a Torcida Magnética) dispõe diversas decisões em chancelar excludentes do dever de indenizar como fortuito externo[8].  O qual se relativiza como sendo aquela hipótese que se institui como sendo um fato Imprevisível (a) e Inevitável (b). Convido a você, meu incauto leitor, a uma imersão em um conteúdo fático. Se não vejamos: (a) Quantos assaltos a veículos ocorrem no Estado do Rio de Janeiro?  (a) O itinerário é o mesmo? (a) O Poder Concedido/explorador da linha milita em alguma prática de comunicar as autoridades Policiais, exigindo Providências, (a) Os sinistros são dirigidos aos passageiros ou ao trocador (dinheiro de plástico), (b) além das câmeras (que não são eficazes, como já restou provado) existe outra forma de cautela? ( b) A instalação de Giroscópios, que anunciem o assalto em andamento? (a) A constituição de um seguro disponibilizado, a ser administrado pela SUSEP? Se existe junto ao DPVAT um percentual de seguro de vida ou dano material?  Parece-nos que estas questões posto que pontuais, não ecoam junto a poderosa FETRANSPOR.

Em nossa pesquisa Jurisprudencial, avistamos este julgado na Corte de Justiça Comum, o qual se revelou como paradigma:

– o RESP n° 435865-RJ (Segunda Seção Cível, relator Ministro Barros Monteiro, julgado em 09/10/2002), verbis:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE COLETIVO. ASSALTO À MÃO ARMADA. FORÇA MAIOR. Constitui causa excludente da responsabilidade da empresa transportadora o fato inteiramente estranho ao transporte em si, como é o assalto ocorrido no interior do coletivo”.

Finalizando, mesmo estando à matéria devidamente legislada, em seu script disponibilizado aos operadores do Direito, sua consumação, permeia a condição de consumidor – usuário, entregando a situação de absoluta indenidade, prevalecendo, assim, a desmedida clausula de columidade.

 

 


Notas:

[1] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e  187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

[2] Previstos nos artigos 730 ao 756 do CC.

[3] SÚMULA 187 – A RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DO TRANSPORTADOR, PELO ACIDENTE COM O PASSAGEIRO, NÃO É ELIDIDA POR CULPA DE TERCEIRO, CONTRA O QUAL TEM AÇÃO REGRESSIVA.

[4] Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

[5] Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

[6] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II – os direitos dos usuários; III – política tarifária; IV – a obrigação de manter serviço adequado.

[7] DO SERVIÇO ADEQUADO
Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
DOS ENCARGOS DA CONCESSIONÁRIA
Art. 31. Incumbe à concessionária:
I – prestar serviço adequado, na forma prevista nesta Lei, nas normas técnicas aplicáveis e no contrato; II – manter em dia o inventário e o registro dos bens vinculados à concessão; III – prestar contas da gestão do serviço ao poder concedente e aos usuários, nos termos definidos no contrato; IV – cumprir e fazer cumprir as normas do serviço e as cláusulas contratuais da concessão; V – permitir aos encarregados da fiscalização livre acesso, em qualquer época, às obras, aos equipamentos e às instalações integrantes do serviço, bem como a seus registros contábeis; VI – promover as desapropriações e constituir servidões autorizadas pelo poder concedente, conforme previsto no edital e no contrato; VII – zelar pela integridade dos bens vinculados à prestação do serviço, bem como segurá-los adequadamente; e VIII – captar, aplicar e gerir os recursos financeiros necessários à prestação do serviço.
Parágrafo único. As contratações, inclusive de mão-de-obra, feitas pela concessionária serão regidas pelas disposições de direito privado e pela legislação trabalhista, não se estabelecendo qualquer relação entre os terceiros contratados pela concessionária e o poder concedente.

[8] 0010364-16.2013.8.19.0052 – APELAÇÃO /  0021990-30.2009.8.19.0001 – APELAÇÃO /
0043644-30.2007.8.19.0038 – APELAÇÃO / 0003052-78.2000.8.19.0008 – APELAÇÃO /
0006668-61.2000.8.19.0008 – APELAÇÃO / 0094648-96.2002.8.19.0001 – APELAÇÃO

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