sábado,20 abril 2024
ColunaElite PenalXXII Exame de Ordem: Comentários Acerca da Peça de Direito Penal

XXII Exame de Ordem: Comentários Acerca da Peça de Direito Penal

Domingo, dia 28 de maio de 2017, foi realizada a segunda fase do XXII Exame Unificado da Ordem dos Advogados do Brasil. Levando em consideração o histórico das peças mais cobradas na prova prática de Direito Penal, a peça do último exame (Recurso de Apelação) não foi nenhuma novidade, muito embora alguns cursinhos apostassem em peças nunca cobradas, como o Habeas Corpus em crime político. Assim, passemos à análise do caso prático:

Desejando comprar um novo carro, Leonardo, jovem com 19 anos, decidiu praticar um crime de roubo em um estabelecimento comercial, com a intenção de subtrair o dinheiro constante do caixa. Narrou o plano criminoso para Roberto, seu vizinho, mas este se recusou a contribuir. Leonardo decidiu, então, praticar o delito sozinho. Dirigiu-se ao estabelecimento comercial, nele ingressou e, no momento em que restava apenas um cliente, simulou portar arma de fogo e o ameaçou de morte, o que fez com ele saísse, já que a intenção de Leonardo era apenas a de subtrair bens do estabelecimento. Leonardo, em seguida, consegue acesso ao caixa onde fica guardado o dinheiro, mas, antes de subtrair qualquer quantia, verifica que o único funcionário que estava trabalhando no horário era um senhor que utilizava cadeiras de rodas. Arrependido, antes mesmo de ser notada sua presença pelo funcionário, deixa o local sem nada subtrair, mas, já do lado de fora da loja, é surpreendido por policiais militares. Estes realizam a abordagem, verificam que não havia qualquer arma com Leonardo e esclarecem que Roberto narrara o plano criminoso do vizinho para a Polícia.

Tomando conhecimento dos fatos, o Ministério Público requereu a conversão da prisão em flagrante em preventiva e denunciou Leonardo como incurso nas sanções penais do Art. 157, § 2º, inciso I, c/c o Art. 14, inciso II, ambos do Código Penal.

Após decisão do magistrado competente, qual seja, o da 1ª Vara Criminal de Belo Horizonte/MG, de conversão da prisão e recebimento da denúncia, o processo teve seu prosseguimento regular. O homem que fora ameaçado nunca foi ouvido em juízo, pois não foi localizado, e, na data dos fatos, demonstrou não ter interesse em ver Leonardo responsabilizado. Em seu interrogatório, Leonardo confirma integralmente os fatos, inclusive destacando que se arrependeu do crime que pretendia praticar. Constavam no processo a Folha de Antecedentes Criminais do acusado sem qualquer anotação e a Folha de Antecedentes Infracionais, ostentando uma representação pela prática de ato infracional análogo ao crime de tráfico, com decisão definitiva de procedência da ação socioeducativa. O magistrado concedeu prazo para as partes se manifestarem em alegações finais por memoriais. O Ministério Público requereu a condenação nos termos da denúncia. O advogado de Leonardo, contudo, renunciou aos poderes, razão pela qual, de imediato, o magistrado abriu vista para a Defensoria Pública apresentar alegações finais.

Em sentença, o juiz julgou procedente a pretensão punitiva estatal. No momento de fixar a pena-base, reconheceu a existência de maus antecedentes em razão da representação julgada procedente em face de Leonardo enquanto era inimputável, aumentando a pena em 06 meses de reclusão. Não foram reconhecidas agravantes ou atenuantes. Na terceira fase, incrementou o magistrado em 1/3 a pena, justificando ser desnecessária a apreensão de arma de fogo, bastando a simulação de porte do material diante do temor causado à vítima. Com a redução de 1/3 pela modalidade tentada, a pena final ficou acomodada em 4 (quatro) anos de reclusão. O regime inicial de cumprimento de pena foi o fechado, justificando o magistrado que o crime de roubo é extremamente grave e que atemoriza os cidadãos de Belo Horizonte todos os dias. Intimado, o Ministério Público apenas tomou ciência da decisão.

A irmã de Leonardo o procura para, na condição de advogado, adotar as medidas cabíveis. Constituída nos autos, a intimação da sentença pela defesa ocorreu em 08 de maio de 2017, segunda-feira, sendo terça-feira dia útil em todo o país.

Com base nas informações expostas acima e naquelas que podem ser inferidas do caso concreto, redija a peça cabível, excluída a possibilidade de habeas corpus, no último dia do prazo para interposição, sustentando todas as teses jurídicas pertinentes.

Diante do caso concreto, passemos a analisa-lo ponto a ponto: num primeiro momento, verifica-se que a peça cabível é o recurso de apelação, prevista no art. 593, I, do CPP:

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:

I – das sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz singular.

Como se observa no dispositivo legal, o prazo é de cinco dias. Assim, a peça deve ser datada em 15 de maio de 2017, porque o dia 13 de maio de 2017 é um sábado, prorrogando-se o prazo para segunda-feira.

Uma vez identificada a peça, o primeiro aspecto a ser observado é que a petição de interposição do recurso deverá ser endereçada ao juízo prolator da sentença combatida, que no presente caso é 1ª Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte/MG. Nela deve ser requerido o encaminhamento do feito para instância superior. Frise-se que a petição de interposição deve ser datada e conter as expressões “Advogado…” e “OAB…”, contudo sem que o examinando de fato a assine, ou invente um número de inscrição. Por sua vez, as razões recursais devem ser endereçadas diretamente ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Observa-se que o réu tinha advogado constituído nos autos, que posteriormente renunciou. Nessa situação o juiz deveria intimar o réu, que estava preso, para que este informasse se desejava constituir novo advogado ou ser assistido pela Defensoria Pública. No entanto, o magistrado encaminhou os autos imediatamente para a Defensoria, em franca violação ao princípio da ampla defesa, causando evidente prejuízo ao réu, uma vez que as Alegações Finais foram apresentadas sem que o Defensor Público mantivesse qualquer contato com o acusado, resultando em condenação. Diante de tal situação, o advogado deve alegar preliminarmente a nulidade da sentença, com pedido de anulação dos atos processuais desde a apresentação das alegações finais pela defesa.

Ademais, a defesa deve pleitear a absolvição do acusado diante da desistência voluntária, prevista no art. 15 do CP: “o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados”. Importa salientar que a desistência voluntária não se confunde com a tentativa, pois nesta última o agente inicia a execução do delito, mas não o consuma por circunstâncias alheias à sua vontade. Já na desistência, o agente voluntariamente não dá prosseguimento à prática delitiva. Assim, o agente só responderá pelos atos já praticados e não pelo crime tentado. No caso em tela, o réu poderia dar seguimento à prática do delito, mas desistiu, restando somente os atos já praticados, refletidos em uma ameaça ao cliente que estava no local. Tendo em vista que o crime de ameaça é de ação penal pública condicionada à representação e que o cliente ameaçado nunca levou a efeito representação contra Leonardo, a absolvição é a medida mais adequada.

Por uma questão de eventualidade, caso seja mantida a condenação do réu, o advogado deverá requerer a revisão da dosimetria da pena ao juízo ad quem, pleiteando inicialmente a aplicação da pena base no mínimo legal, porquanto a existência de representação por ato infracional não justifica o reconhecimento de maus antecedentes, uma vez que a punição do réu, quando inimputável, não pode figurar como causa de aumento de pena.

Além disso, não foi levada em consideração a atenuante genérica da menoridade relativa, pois Leonardo era menor de 21 anos na data dos fatos (art. 65, I, do CP). Do mesmo modo, a atenuante da confissão espontânea do acusado de que trata o art. 65, III, alínea d, do CP, não foi considerada pelo juiz.

Na terceira fase da pena, deve ser requerido o afastamento da causa de aumento de pena pelo uso de arma de fogo, do qual inexiste prova uma vez que o enunciado narra que o agente simulou portar arma de fogo. Observe-se que nenhuma arma foi apreendida com o réu no momento da prisão e que a vítima não foi ouvida, para constatar tal fato. Deve ser requerida também a redução máxima da tentativa, possibilitando a aplicação do sursis da pena.

De acordo com as Súmulas 718 e 719 do STF, e 440, STJ, a gravidade em abstrato do crime não justifica o reconhecimento de regime inicial de cumprimento de pena mais severo do que aquele de acordo com a pena aplicada. Logo, deve ser requerida a aplicação do regime aberto ou semiaberto, pois a aplicação do regime fechado pelo magistrado não se justifica.

Não se pode perder de vista que devem ser pleiteados também o provimento do recurso e a expedição do respectivo alvará de soltura.

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Referências:

JESUS, Damásio de. Código Penal anotado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2014

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 13. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

______________. Prática Forense Penal. 8. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

 

 

 

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