sexta-feira, 3/maio/2024
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Vamos falar sobre o Protocolo para Julgamento sobre Perspectiva de Gênero na Justiça do Trabalho?

Coordenadora: Ana Claudia Martins Pantaleão

A discriminação de gênero é uma violência a ser combatida porque atinge diversos campos da vida da mulher como o trabalho, convivência familiar, social e até mesmo o lazer. O preconceito de gênero é um problema generalizado. Segundo pesquisa do PNUD, que cobre 85% da população global, cerca de 9 em cada 10 homens e mulheres têm preconceito contra as mulheres. A pesquisa revela, ainda, que quase metade da população mundial acredita que os homens são melhores líderes políticos do que as mulheres, e duas em cada cinco pessoas acreditam que os homens são melhores executivos de negócios do que as mulheres (PNUD, 2023).

Esse problema, arraigado na sociedade, é um grande empecilho para o exercício da diversidade e a valorização da mulher. Por isso, o Brasil assumiu o compromisso de cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), dentre eles, a meta 5, que trata da “igualdade de gênero”.

Em consonância a isso, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução n. 492, tornou obrigatória a adoção do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero.

O Protocolo é fruto dos estudos desenvolvidos pelo Grupo de Trabalho instituído pela Portaria CNJ n. 27, de 2 de fevereiro de 2021, para contribuir com a implementação das políticas nacionais estabelecidas pelas Resoluções CNJ ns. 254 e 255, de 4 de setembro de 2018, inerentes, respectivamente, ao Enfrentamento à Violência contra as Mulheres pelo Poder Judiciário e ao Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário.

O estudo para a construção do Protocolo contou com a participação de todos os segmentos da Justiça Brasileira: estadual, federal, trabalhista, militar e eleitoral. Consiste em uma proposta de garantia da inafastabilidade constitucionalmente exigida (art. 5º, XXXV, CF -“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”), bem como estabelece campo processual e procedimental sedimentados pelos discursos presentes em outros protocolos categorizados no âmbito internacional.

Segundo o grupo de trabalho referido: “O objetivo primordial de todos esses esforços é alcançar a superação dos percalços que impossibilita a percepção de uma igual dignidade entre mulheres e homens, em todos os cenários. Destarte, mais ainda se exige essa diretriz no ambiente judicial, diante da própria dimensão do conceito de acesso à justiça” (PROTOCOLO)

Diante disso, é importante falarmos sobre esse documento tão caro para a sociedade brasileira, pois ele contribuirá para avanços em termos de busca de igualdade de gênero. É salutar que todos os operadores do Direito tenham consciência e ao menos noções básicas a respeito para colocá-lo em prática.

O Protocolo de Julgamento por Perspectiva de Gênero, em especial, na esfera trabalhista, abrange um leque de situações no âmbito da Justiça, portanto, não há como tratar minuciosamente no presente texto. Aqui, a finalidade é apenas chamar a atenção do leitor sobre esta ferramenta primordial para o cotidiano, que contribuirá para avanços em termos de efetivações da igualdade e da dignidade humana.

Seguem alguns julgados em conformidade com o Protocolo de Perspectiva de Gênero, segundo apontados pelos respectivos tribunais trabalhistas.

O TRT 3ª Região decidiu a respeito da configuração do denominado “Gaslighting”, termo referente “a violência psicológica em que o abusador tenta confundir e manipular a vítima até que ela mesma se sinta insegura e tenha dúvida sobre a própria capacidade, percepção, competência ou sanidade mental” (TRT 3º). Na situação específica, a reclamante trabalhava como operadora de caixa e pelo fato de constar uma diferença de R$100,00 na sangria, o coordenador pessoal a forçou a assinar um pedido de demissão (PJe: 0010495-92.2022.5.03.0012 – RORSum do TRT 3ª Região). Em fundamentação, a magistrada concluiu que houve o “gaslighting”, pela escuta dos áudios, que o coordenador não constrangeu a reclamante. Houve manipulação não agressiva como gritos ou xingamentos, mas velada, tentando menosprezar as dúvidas legítimas apresentadas pela autora. Para a juíza “trata-se da tentativa de confundir a percepção da realidade como melhor convém ao interesse do assediador, minando a confiança e fazendo o interlocutor duvidar da própria capacidade e inteligência” (Portal, TRT3).
Já o TRT da 2ª Região, em sentença, reverteu a justa causa aplicada a mulher que, em razão da gravidez, se ausentou por mais de 30 dias seguidos ao trabalho (Processo nº 1000573-83.2022.5.02.0708). Para a magistrada, Yara Campos Souto o critério de abandono de emprego “é uma analogia do artigo 474 da CLT, que define o tempo máximo de suspensão de um empregado. O requisito objetivo parece não ter sido construído e pensado para a situação de uma mulher grávida, no trimestre inicial da gestação, acometida por intenso mal-estar físico que a impede de se fazer presente e produtiva no trabalho”. No caso em questão, a magistrada recorreu a uma das perguntas previstas no Protocolo: “mesmo não havendo tratamento diferenciado por parte da lei, há alguma desigualdade estrutural que possa ter um papel relevante no problema concreto?”. Diante dessa pergunta, a juíza entendeu que sim.
As decisões acima são alguns exemplos em que o protocolo foi utilizado. Contudo, é preciso ter em mente que o Protocolo estabelece diversas situações na esfera do Poder Judiciário, como circunstâncias especiais em audiências, orientando os magistrados a fazerem as seguintes indagações para melhor proceder em audiência:

• Alguma das pessoas presentes em audiência é lactante?
● Alguma das pessoas tem filhos pequenos?
● Alguma das pessoas tem algum tipo de vulnerabilidade que possa tornar uma sessão desconfortável para ela?

Esses questionamentos são relevantes principalmente em situações que envolvam a mudança na condição física da mulher, como da gestante e da lactante. A audiência é dinâmica e consome a emoção e energia dos fatos vividos para fins de prova. Assim, já há um desgaste emocional, ansiedade, sobretudo àquelas pessoas que não estão habituadas a frequentar esse ambiente, a estarem diante de um juiz, a serem indagadas sobre questões que influenciarão na sentença, como ocorre com as partes e testemunhas.

A situação torna-se ainda mais peculiar quando ocorre com gestantes e lactantes porque os cuidados devem ser redobrados, em face de emoções que podem impactar diretamente na saúde da mulher, assim como do nascituro ou criança.
Em relação à audiência, o Protocolo discorre:

“Em casos que envolvem desigualdades estruturais, a audiência é um ponto nevrálgico, na medida em que, se não conduzida com perspectiva de gênero, pode se tornar um ambiente de violência institucional de gênero – exposta na Parte I, Seção 2.d. A situação de subordinação de um grupo pode gerar um sentimento de desconfiança por parte de autoridades públicas que, muitas vezes, ocupam posições sociais diferentes das vítimas e, por conta disso, têm maior dificuldade de se colocar no lugar daquela pessoa que tem experiências de vida diferentes das suas. Em vista dessa situação, o(a) julgador(a) atento(a) a gênero é aquele(a) que percebe dinâmicas que são fruto e reprodutoras de desigualdades estruturais presentes na instrução do processo e que age ativamente para barrá-las.” (Protocolo, p. 47).

O Protocolo trata, especificamente, sobre a situação das mulheres trabalhadoras e gestantes no tópico sobre o trabalho:

“Situação não muito diferente se verifica em relação às trabalhadoras gestantes e lactantes, pois, ainda que exista vedação expressa de discriminação direta em razão desta situação biológica particular às mulheres, estas, por estarem inseridas num modelo de regras e rotinas de trabalho estabelecidos a partir do paradigma masculino, pensado para os padrões do “homem médio”, acabam sendo vítimas de discriminações decorrentes deste modelo que não as acolhe” (Protocolo. p. 111).

O Protocolo de Julgamento sobre a Perspectiva de Gênero é um mecanismo a ser utilizado em diversas áreas da Justiça, nas mais variadas situações, seja no fundamento da sentença ou na instrução, como audiência. Trata-se de uma ferramenta necessária para se atingir a meta 5 do ODS em busca da igualdade de gênero.

Assim como a mulher é um ser complexo por ter tantas capacidades, inclusive de gerar uma vida, o Protocolo não pode ser visto de uma forma simplificada e de maneira generalizada. É preciso ter cautela e avaliar cada situação específica para melhor aplicá-lo, aprimorando, com o tempo, os julgamentos nesse sentido, em busca da igualdade de gênero.

Referência:
CNJ. Protocolo para julgamento com perspectiva de Gênero 2021. Disponível em: Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero 2021 .Acesso em: 02 fev. 2023.
PNUD. Gender Social norms index. Breaking Down Gender Bieaes: Shifting social normas towards gender equality. New York: United Nations Development Programme, 2023.
TRT 3. Especial dia da mulher: discriminação de gênero ainda é realidade no ambiente de trabalho. Disponível em: https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/especial-dia-da-mulher-discriminacao-de-genero-ainda-e-realidade-no-ambiente-de-trabalho Acesso em: 25 set. 2023.
TRT2. Julgamento sob perspectiva de gênero reverte justa causa aplicada a gestante. Disponível em: https://ww2.trt2.jus.br/noticias/noticias/noticia/julgamento-sob-perspectiva-de-genero-reverte-justa-causa-aplicada-a-gestante

Advogada, pós-graduada em direito e processo do trabalho com formação para Magistério Superior. Pós-graduanda em Processos Brasileiros pela PUC-MG. Mestranda em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas no UDF.

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