sábado,27 abril 2024
ColunaTrabalhista in focoA cláusula de “não concorrência”: breve análise doutrinária e jurisprudencial

A cláusula de “não concorrência”: breve análise doutrinária e jurisprudencial

Coordenadora: Ana Claudia Martins Pantaleão

A contratação de mão-de-obra qualificada, atualmente, é um grande desafio. Segundo pesquisa realizada pelo ManpowerGroup, no ano de 2022, o Brasil superou a média global de escassez de profissionais e atingiu o índice de 81%. Nesse mesmo sentido, estudo realizado pelo Infojobs, no Brasil, demonstrou que 84,1% das empresas que participaram da pesquisa estão com mais dificuldades para contratar profissionais após a pandemia.

Junto a dificuldade de profissionais qualificados, há o fenômeno do “great resignation”, ou “grande renúncia”, sobretudo nos Estados Unidos, em que um número expressivo de pessoas repensaram suas prioridades e aspirações profissionais e, visando ao bem-estar, satisfação pessoal e qualidade de vida, deixaram o emprego para terem mais flexibilidade e autonomia em novas oportunidades permitidas pela tecnologia e trabalho remoto, de modo a realizar o autogerenciamento de carreira. Esse fenômeno também contribui para a escassez de mão-de-obra qualificada nas empresas.

A escassez de mão-de-obra qualificada leva as empresas a investirem em formação e especialização dos integrantes de seus quadros e a ansiar pela permanência dessas pessoas junto a elas. Isso ocorre, também, em casos de empregados que já são altamente qualificados.

O grande desafio para a livre iniciativa, além da higidez econômica, é garantir qualidade e desenvolvimento do negócio e, simultaneamente, reduzir o risco da concorrência. Isto porque, muitas vezes a empresa investe na qualificação de seus empregados e, sujeita-se a perder todo o investimento dessa formação, caso o empregado decida buscar trabalho e melhor oportunidade em empresa do mesmo ramo, ou seja, empresa concorrente.

É certo que os riscos da atividade econômica compreendem somente ao empregador, nos termos do art. 2º da CLT. No entanto, os fatores acima mencionados podem ter seus impactos amenizados em prol do equilíbrio de um dos fundamentos da constituição (art. 1º, III) e pilares da ordem econômica (art. 170, caput), quais sejam: os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa. Às empresas possibilita-se maneiras de reduzir esses riscos, desde que não viole os valores sociais do trabalho, por meio da cláusulas no contrato de emprego, sendo uma delas a cláusula de não concorrência.

O presente texto analisa de modo bem sucinto a doutrina e jurisprudência que norteiam os limites das cláusulas de não concorrência, de modo a estabelecer um equilíbrio entre a livre iniciativa e os valores sociais do trabalho, atendendo aos interesses da empresa e, sobretudo, respeitando a liberdade e dignidade do empregado e empregada.

No tocante à cláusula de não concorrência, não há previsão na legislação trabalhista brasileira. Contudo, ela é prevista no direito comparado. O Código do Trabalho português, por exemplo, trata sobre o assunto, conceituando o “pacto de não concorrência” como o acordo celebrado entre a entidade patronal e o trabalhador(a), em que este se compromete, após o término da relação de emprego, a não prestar atividade concorrencial à sua antiga entidade patronal, através de uma compensação.

Entretanto, conforme legislação portuguesa, para a validade da cláusula é preciso preencher requisitos cumulativos:

“a) A sua duração não pode exceder 2 (dois) anos (este limite pode ser alargado a 3 (três) anos, perante cargos de confiança ou detentores de informação especialmente sensível – artigo 136.º, n.º 5 do Código do Trabalho);
b) Atividade que comporte risco de prejuízos para a entidade empregadora;
c) Atribuição de uma compensação ao trabalhador;
d) Redução a acordo escrito, nomeadamente no contrato de trabalho ou acordo de cessação do mesmo. Por último, atente-se que não é válida a limitação da atividade profissional de um trabalhador após a cessação do contrato de trabalho, através de acordo celebrado entre entidades empregadoras (artigo 138.º do Código do Trabalho).”

Além da legislação portuguesa, a cláusula é prevista no Direito francês e italiano, conforme trabalho aprofundado e primoroso sobre essa temática, no direito comparado, do professor Túlio Massoni, que ao tratar sobre essa cláusula, enfatiza o cuidado com o conteúdo a ser estabelecido para não causar prejuízos a liberdade de trabalho, pois: “a liberdade de trabalho é o valor maior preservado pelos ordenamentos jurídicos de tal modo que a validade de cláusula funcionaliza-se em consonância com esse princípio maior para que possa compatibilizar-se com os fins do direito do trabalho”. (MASSONI, 2017)

No Brasil, é possível aplicar a cláusula, respeitando a liberdade de trabalho. Por isso, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho firmou entendimento no sentido de que o reconhecimento da validade da cláusula deve atender os seguintes requisitos, como destaca a Ministra Delaíde Miranda: “a estipulação de limitação territorial, vigência por prazo certo e vantagem que assegure o sustento do empregado durante o período pactuado, bem como a garantia de que o empregado possa desenvolver outra atividade laboral” (RR 1066-03.2014.5.12.0022, 2ª Turma, decisão 30.08.2017)

Assim, se houver desproporcionalidade das obrigações e penalidades impostas ao empregado de forma a dificultar o retorno do empregado pactuante da cláusula ao mercado de trabalho, após a rescisão do contrato, configura-se alteração contratual lesiva, violadora do art. 468 da CLT, que veda prejuízo ao empregado.

Ademais, como destacado em outra decisão do TST, “é preciso ponderar o teor da cláusula e eventuais colisões com os direitos fundamentais como o livre exercício de trabalho ou profissão, a proteção da propriedade privada e o primado da livre iniciativa, permitindo a concessão de vantagens recíprocas para justificar a restrição temporária convencionada” (RR 1948-28.2010.5.02.0007, 1ª Turma TST, Re. Min. Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 30.05.2014)

Nessa linha de raciocínio, Tulio Massoni ressalta sobre a efetividade da cláusula perante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho, previsto no art. 1º, incisos III e IV da CF/1988, aduzindo: “em se tratando de direitos fundamentais, como é o caso do direito do trabalho, a regra hermenêutica é a da interpretação restrita das restrições”.

A cláusula de não concorrência zelosa aos direitos fundamentais, deve se ater a licitude, que se respalda no artigo 122 do Código Civil: “São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.”

Portanto, por parte da empresa deve se ter o cuidado em se propor conteúdo arbitrário a essa cláusula sob pena de ser caracterizado abuso de direito e, consequentemente, ser ilícito. A título de exemplo é a cláusula que estabelece no requisito “limite territorial” de concorrência uma extensão universal e não regional.

Essa mesma cautela deve ser observada em relação à indenização em caso de descumprimento da cláusula da concorrência por parte do empregado. Nesse caso, aplicam-se os artigos 412 e 413 do Código Civil, sobre a cláusula penal, incumbindo ao juiz zelar pelo equilíbrio contratual, mediante a possibilidade de reduzir equitativamente o valor da penalidade se essa for excessiva.

Essas são algumas breves observações da doutrina, jurisprudência e direito comparado. Contudo, o estudo não se esgota. Isso porque, em relação a cláusula de não concorrência, é preciso análise minuciosa das situações concretas, pela ótica dos requisitos delineados pelo TST e atenção aos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, bem como doutrina, caso a caso.

Outro ponto a ser levantado é que não existe somente a cláusula de não concorrência. Isto porque, embora não haja previsão legislativa no Brasil, o Direito Espanhol aponta 3 espécies de cláusulas: “a dedicação exclusiva (plena dedicación), o pacto de permanência na empresa e o pacto de não concorrência (pacto de no competência poscontractual), esse último produzindo efeitos depois de extinta a relação de trabalho (MASSONI, 2006).

No Brasil há diversas decisões em relação a essas cláusulas, cujos debates e análise são infindáveis e fugiriam do intuito do presente texto de apenas conhecer a existência dessas cláusulas, em especial, a cláusula de não concorrência e analisar alguns cuidados básicos para não violação dos direitos constitucionais fundamentais e infraconstitucionais.

Bibliografia
MASSONI, Tulio de Oliveira. A liberdade de Trabalho diante da Cláusula de Não concorrência. Revista de Direito do Trabalho. 11/2017. Editora RT.
PERES, Antonio Galvão Peres; ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. Cláusula de permanência mínima no contrato de emprego. Migalhas. 27 dez. 2021. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/direito-trabalhista-nos-negocios/357142/clausula-de-permanencia-minima-no-contrato-de-emprego
SEBRAE. Contratação de colaboradores dicas para encontrar o ideal. Disponível em: https://www.sebrae-sc.com.br/blog/contratacao-de-colaboradores-dicas-para-encontrar-o-ideal

DIÁRIO REPÚBLICA. Pacto não concorrência direito do trabalho português. Disponível em: https://diariodarepublica.pt/dr/lexionario/termo/pacto-nao-concorrencia-direito-trabalho
Recurso de Revista 1066-03.2014.5.12.0022, 2ª Turma, Min. Delaíde Miranda Arantes. Decisão 30.08.2017.
Recurso de Revista 1948-28.2010.5.02.0007, 1ª Turma TST, Re. Min. Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 30.05.2014

Advogada, pós-graduada em direito e processo do trabalho com formação para Magistério Superior. Pós-graduanda em Processos Brasileiros pela PUC-MG. Mestranda em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas no UDF.

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