sexta-feira, 26/julho/2024
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Trabalho voluntário: implicações legais

Coordenadora: Ana Claudia Martins Pantaleão

A relação de emprego tem como partes o empregado e a empresa. O direito do trabalho visa proteger o trabalhador que é a parte mais fraca na relação de emprego.

Conforme dispõe o art. 3º da CLT, empregado é toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Para configurar o vínculo de emprego é necessário a presença dos elementos fáticos-jurídicos da relação de emprego: pessoa física, não eventualidade, onerosidade e subordinação.

A ausência de um dos requisitos essenciais à configuração do vínculo de emprego descaracteriza tal relação. No trabalho voluntário não há o requisito da onerosidade.

A legislação trabalhista define o trabalho voluntário como a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa. Essa definição ampla abrange uma variedade de setores e organizações, promovendo a participação ativa dos cidadãos em diversas áreas de interesse público.

Dessa forma, o serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciária ou afim.

A Lei do serviço voluntário n.º 9.608/98 estabelece que o serviço voluntário será exercido mediante termo de adesão entre a entidade, pública ou privada, e o prestador do serviço voluntário, dele devendo constar o objeto e as condições de seu exercício. Esse documento formaliza o compromisso mútuo e esclarece as responsabilidades das partes, garantindo uma relação transparente e respeitosa.

Contudo, deve-se ressaltar que a prestação de serviços voluntários não é, definitivamente, formal, embora a Lei n. 9.608/98 refira-se à presença de um termo de adesão entre as partes envolvidas; o trabalho voluntário pode estar, presente, mesmo que tal formalidade escrita não se evidencie¹.

No trabalho voluntário, as partes poderão estipular que o prestador de serviço voluntário poderá ser ressarcido pelas despesas que comprovadamente realizar no desempenho das atividades voluntárias.

Em 15 de junho de 2022 foi publicada a Lei n.º 14.370, que institui o Programa Nacional de Prestação de Serviço Civil Voluntário e o Prêmio Portas Abertas. Essa lei dispõe que o programa terá duração de 24 meses a contar da entrada em vigor dela.

Segundo o art. 2º da Lei, o Programa Nacional de Prestação de Serviço Civil Voluntário tem o objetivo de incentivar os Municípios e o Distrito Federal a ofertar atividades de interesse público, sem vínculo empregatício ou profissional de qualquer natureza, para os jovens com idade entre 18 e 29 anos; pessoas com idade superior a 50 anos sem vínculo formal de emprego há mais de 24 meses; e pessoas com deficiência, nos termos do art. 2º da Lei n.º 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

Não poderão participar do Programa Nacional de Prestação de Serviço Civil Voluntário aqueles que receberem benefício de natureza previdenciária do Regime Geral de Previdência Social ou dos regimes próprios de previdência social.

O Programa Nacional de Prestação de Serviço Civil Voluntário será ofertado pelo Município ou pelo Distrito Federal por meio de processo seletivo público simplificado.

A carga horária máxima no desempenho das atividades será de 22 horas semanais, limitada a 8 horas diárias; e a oferta de cursos de formação inicial e continuada ou de qualificação profissional, com carga horária mínima de 12 horas para cada 30 dias de permanência no Programa.

Os beneficiários não poderão executar atividades: insalubres; perigosas; ou que configurem substituição de servidores ou de empregados públicos do ente federativo na execução de atividades: privativas de profissões regulamentadas; ou de competência de cargos, ou empregos públicos pertencentes ao ente federativo, ou à pessoa jurídica a ele vinculada.

O beneficiário receberá auxílio pecuniário de natureza indenizatória, a título de bolsa. O valor da bolsa será equivalente ao salário-mínimo por hora e corresponderá à soma das horas despendidas em cursos de formação inicial e continuada ou de qualificação profissional e em atividades de interesse público executadas no âmbito do Programa Nacional de Prestação de Serviço Civil Voluntário.

É assegurado ao beneficiário, sempre que a participação no Programa Nacional de Prestação de Serviço Civil Voluntário tenha duração igual ou superior a 1 ano, período de recesso de 30 dias, com pagamento de bolsa, a ser gozado preferencialmente durante as férias escolares. Os dias de recesso serão concedidos de maneira proporcional quando o serviço social voluntário tiver duração inferior a 1 ano.

Aplica-se ao beneficiário do Programa Nacional de Prestação de Serviço Civil Voluntário a legislação relacionada à saúde, medicina e segurança no trabalho, observado que a sua implementação é de responsabilidade do Município ou do Distrito Federal.

O beneficiário será desligado do Programa Nacional de Prestação de Serviço Civil Voluntário nas seguintes hipóteses: admissão em emprego; posse em cargo público; frequência inferior à mínima estabelecida no ato do poder executivo do Município e do Distrito Federal; ou aproveitamento insuficiente.

Segundo Henrique Correia, a lei n.º 14.370/22 não retrata o trabalho voluntário, na sua essência, pois quem trabalha de forma voluntária quer fazer o bem, presta serviço de forma graciosa e espontânea; no programa há prestação de serviços clássica, trabalha em troca de valor pago².

O reconhecimento do trabalho voluntário (sem remuneração) na legislação brasileira, é um reflexo do valor atribuído à solidariedade e à participação cívica de uma sociedade justa e igualitária. Ao incentivar e regulamentar o trabalho voluntário, o Brasil fortalece os laços comunitários e ajuda no desenvolvimento sustentável do país.

Em síntese, a legislação brasileira sobre trabalho voluntário representa um marco importante na promoção da participação cidadã e na construção de uma sociedade mais solidária. Ao reconhecer e regulamentar o voluntariado, o Brasil reafirma seu compromisso com valores fundamentais para o desenvolvimento social e a construção de um futuro mais inclusivo e justo.

REFERÊNCIAS

¹ DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. pag. 416. 18. ed. São Paulo : LTr, 2019.

² CORREIA, Henrique. Curso de Direito do Trabalho. 7ª edição, pag. 528-529, São Paulo, JusPodivm, 2023.

BRASIL. Decreto Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Dispõe sobre a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 18/1/2024.

BRASIL. Lei n.º 9.608, de 18 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre o serviço voluntário e dá outras providências. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9608compilado.htm. Acesso em 18/1/2024.

BRASIL. Lei n.º 14.370, de 15 de junho de 2022. Institui o programa nacional d eprestação de serviço civil voluntário e o prêmio portas abertas. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/Lei/L14370.htm. Acesso em 18/1/2024.

Silvana Gomes Abreu

Advogada trabalhista. Professora. Especialista em Direito do Trabalho (PUC Minas) . Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário com foco no Acidente do Trabalho (Faculdade Legale). Especialista em Direito Constitucional Aplicado (Faculdade Legale). Coautora do livro CLT Comentada por Advogados. Editora Letras Jurídicas. 2022.

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