quinta-feira, 9/maio/2024
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O reconhecimento da economia do cuidado como trabalho

Coordenadora: Ana Claudia Martins Pantaleão

O debate acerca da economia do cuidado tem se tornado tema em diversos setores da sociedade. O conceito está relacionado à valorização e ao reconhecimento do trabalho não remunerado de manutenção da vida, que demanda muitas horas de dedicação, sendo realizado, na sua maioria, por mulheres, as quais oferecem suas vidas para cuidar dos filhos e realizar as tarefas domésticas.

Segundo a Organização das Nações Unidas, o termo economia do cuidado refere-se às atividades econômicas voltadas para o bem-estar e a sobrevivência das pessoas. Durante a pandemia, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram um aumento significativo de mulheres envolvidas em profissões relacionadas aos cuidados e ao bem-estar, passando de 18% para 50% nas últimas décadas. Isso ressalta a importância de se garantir proteção social nesse contexto.

A falta de regulamentação sobre a temática está relacionada à desvalorização desse tipo de trabalho, que não é considerado parte da economia formal. No entanto, reconhece-se a interdependência entre o trabalho de cuidado e a economia produtiva, pois trata-se de uma atividade econômica que deve ser visibilizada e remunerada, vez que o mercado de cuidado movimenta cerca de 10 trilhões de dólares.

Ademais, o cuidado é fundamental para o desenvolvimento humano. A valorização da atividade de cuidar traduz-se como uma forma de investir no desenvolvimento econômico e social. Diante da importância desse debate, algumas decisões vêm sendo tomadas ao redor do mundo, a fim de reconhecer e proteger o trabalho de cuidado não remunerado. Essas decisões visam garantir direitos trabalhistas e previdenciários para aqueles que exercem o cuidado.

Na China, por exemplo, um homem chinês foi condenado a indenizar a sua ex-mulher pelo trabalho doméstico que ela realizou durante o casamento. Ele teve que pagar à sua ex-esposa o valor de 50 mil yuans (cerca de R$ 41,8 mil reais) pelos cinco anos de trabalho não remunerado. A decisão de compensação financeira para a ex-esposa foi baseada no argumento de que Chen não assumiu nenhuma responsabilidade doméstica, como cuidar do filho do casal.

O magistrado que decidiu sobre o caso esclareceu que a divisão da propriedade conjunta de um casal, após o casamento, geralmente envolve a divisão de bens tangíveis. No entanto, o trabalho doméstico constitui um valor patrimonial intangível. A decisão foi embasada na legislação civil chinesa vigente, que garante que o cônjuge tem o direito de buscar indenização em um divórcio se tiver mais responsabilidade na criação dos filhos, no cuidado de parentes idosos e na ajuda no trabalho do parceiro.

Nesse mesmo sentido, um tribunal da Espanha ordenou a um homem que pagasse à sua ex-esposa mais de 200.000 euros (cerca de US$ 213 mil ou R$ 1,1 milhão), correspondendo ao valor do salário-mínimo desde 1996, pelo trabalho doméstico realizado desde que se casaram. A mulher esclareceu que as tarefas domésticas eram realizadas exclusivamente por ela, o que a impossibilitava de desenvolver sua carreira profissional, enquanto o marido acumulava e aumentava exponencialmente seus bens.

Em 2008, o Uruguai reconheceu o trabalho materno ao determinar que as mulheres tenham o direito de computar um ano de tempo de serviço adicional para cada filho, com um limite máximo de cinco anos. No Chile, mulheres com 65 anos ou mais têm sua aposentadoria complementada de acordo com a quantidade de filhos que têm.

Recentemente, o governo argentino tomou uma decisão importante em relação aos cuidados maternos, reconhecendo que cuidar dos filhos deve contar como tempo de serviço para fins de aposentadoria. A nova decisão estabelece que será incluído um ano de contribuição para cada filho; dois anos de contribuição para cada filho adotado e três anos de contribuição para cada filho com deficiência.

Com relação à legislação brasileira, existem dois projetos de lei que visam contemplar os cuidados maternos para fins de aposentadoria. O Projeto de Lei 2647/2 estabelece regras para a contagem de tempo de serviço relacionado à criação de filhos biológicos ou adotados, considerando-os para efeitos de aposentadoria. Já o Projeto de Lei nº 2757/2021 propõe a criação de uma aposentadoria para mulheres com 60 anos de idade ou mais, que não tenham completado o tempo necessário de contribuição no mercado de trabalho devido à maternidade.

Em consonância com os progressos mencionados, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) incluiu no currículo Lattes um campo para registrar a licença maternidade. Dessa forma, as pesquisadoras podem justificar a desaceleração na produção científica decorrente da chegada dos filhos. O LinkedIn também introduziu a opção de incluir, como cargo, o trabalho de cuidador(a) do lar ou cuidador doméstico. Essa opção oferecida pela rede social atenta para a necessidade de normalizar os trabalhos que não se enquadram nas opções de emprego do perfil, visando reestruturar questões relacionadas às contratações.

Por fim, observa-se avanços rumo à valorização da atividade de cuidado e uma tendência significativa na legislação em todo o mundo, ainda em estágio inicial no Brasil, para garantir direitos às pessoas que prestam serviços de cuidado. No entanto, os debates e discussões sobre o tema ainda precisam ser ampliados a fim de reconhecer o cuidado que as pessoas, principalmente as mulheres, dedicam aos seus filhos e que, em muitos casos, tiveram que interromper sua vida profissional para promover uma sociedade produtiva.

Referência Bibliográfica:

AGÊNCIA BRASIL. Curriculo-lattes-tera-nova-secao-para-registrar-licenca-maternidade. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-04/curriculo-lattes-tera-nova-secao-para-registrar-licenca-maternidade. Acesso em: 30 ago. 23.
FIOCRUZ. Licença Maternidade pode ser registrada no Currículo Lattes. Disponível em: https://www.cpqam.fiocruz.br/institucional/noticias/licenca-maternidade-pode-ser-registrada-no-curriculo-lattes. Acesso em: 30 ago.23.
EXAME. Campanha quer incluir maternidade como experiência no currículo. Disponível em: https://exame.com/carreira/campanha-quer-incluir-maternidade-como-experiencia-no-curriculo. Acesso em:30 ago.23.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Economia do Cuidado. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/fiquePorDentro/temas/economia-do-cuidado-set-2017. Acesso em: 30 ago.23.

Layse Maurício Fortes Gonçalves

Mestre em Relações Sociais e Trabalhistas. Advogada e consultora em ESG Social.

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