sexta-feira, 26/julho/2024
ColunaDireito ImobiliárioMedida Provisória 992 e a alienação fiduciária compartilhada de imóvel

Medida Provisória 992 e a alienação fiduciária compartilhada de imóvel

O Presidente Bolsonaro editou a Medida Provisória 992 em 16.07.2020, permitindo que sobre um mesmo imóvel haja a constituição compartilhada de duas garantias. A finalidade da Medida Provisória 992 é, segundo o Banco Central, a de ampliar o acesso ao crédito de até R$ 60 bilhões, instituindo a possibilidade de que um imóvel já financiado possa ser usado como garantia em novo empréstimo bancário.

Com efeito, o financiamento para fins habitacionais foi, como política pública, instituído pela Lei 4.380/64, mediante o Sistema Financeiro da Habitação (SFH), com recursos oriundos do FGTS e da poupança voltado sobretudo à população de baixa renda.

A partir da década de 80, constatou-se o exaurimento desse modelo, eis que o SFH não foi capaz de realizar o seu principal objetivo de promover a habitação para a classe mais pobre e houve uma herança negativa herdada pelo Governo Federal decorrente do rombo bilionário do fundo.

Alterando completamente o paradigma da política habitacional, com a ênfase nos valores liberais da Livre Iniciativa e do Livre Mercado, foi instituído o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), através da Lei 9.514/97, no Governo Fernando Henrique Cardoso, o qual se apoiou no financiamento de investidores privados (especialmente Bancos, Financeiras, Empresas de Securitização, Fundos de Pensão e Incorporadoras), na criação da alienação fiduciária de imóvel e na participação de instituições financeiras e de qualquer outra empresa nas operações de financiamento imobiliário.

No financiamento imobiliário, o devedor obtém do Banco o crédito para adquirir o imóvel perante o incorporador, e, ao mesmo tempo, o imóvel garante a dívida perante o Banco, em contratos em rede com a participação do comprador/devedor, da incorporadora/vendedora e do Banco/credor.

A alienação fiduciária consiste na transmissão da propriedade do bem imóvel pelo devedor, para fins de garantia, em favor do credor. Caso venha a efetuar o pagamento integral da dívida, o devedor recebe do credor o termo de quitação, o qual, levado a registro no Cartório de Imóveis, conduz à extinção da alienação fiduciária em garantia e à consequente retomada da propriedade plena do imóvel.

O aspecto meritório da alienação fiduciária em garantia é que, em havendo inadimplemento do devedor, a Lei 9.514/97 assegura ao credor uma rápida retomada do imóvel (média de 90 dias) para levá-lo a leilão extrajudicial.

Até então, somente se admitia a constituição de uma única alienação fiduciária sobre o imóvel. Pela Medida Provisória 992, como o imóvel já financiado com alienação fiduciária em garantia pode ser utilizado como garantia em um novo empréstimo bancário, a nova operação de crédito poderá ter como referência os valores já pagos do financiamento imobiliário original. Exemplo: de um financiamento de R$ 100 mil dos quais já tenha pago R$ 40mil, o devedor poderá hipoteticamente obter novo financiamento de R$ 40 mil.

No exercício do poder regulamentar, o Conselho Monetário Nacional aprovou, em 21.07.2020, a Resolução 4837 que dispõe sobre as condições e os critérios para contratação de financiamento imobiliário pelas instituições financeiras. Em apertada síntese: (1) poderão ser beneficiadas as pessoas físicas e jurídicas que tenham operações de crédito garantidas por alienação fiduciária de bem imóvel com instituições financeiras; (2) o novo financiamento deverá ser celebrado com o mesmo Banco da operação de crédito original; (3) a pessoa física somente poderá contratar nova operação de crédito em benefício próprio ou de sua entidade familiar; (4) valor total do novo financiamento deve ser menor ou igual ao saldo devedor do financiamento original, de modo que o valor nominal de todas as obrigações garantidas deve observar o limite aplicável à operação de crédito original; (5) a nova operação de crédito não poderá ter juros maiores que o financiamento original; (6) o prazo dos novos contratos também não poderá ser superior ao tempo da operação original; (7) as despesas acessórias com registro do contrato perante o Cartório de Imóveis, imposto de transmissão de bem imóvel (ITBI), imposto sobre operação de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos mobiliários (IOF), podem compor a nova operação de crédito.

O novo contrato deverá conter as seguintes informações: o valor principal da nova operação de crédito; taxa de juros e encargos; prazo e condições de reposição do empréstimo; prazo de carência; enquanto estiver adimplente, o devedor poderá utilizar livremente o imóvel; previsão de que o inadimplemento e a ausência de purgação da mora, em relação a quaisquer das operações de crédito, configuram vencimento antecipado de toda a dívida prevista nas operações de crédito; previsão de leilão extrajudicial e que, após o leilão extrajudicial, poderá o credor exigir o saldo devedor remanescente, salvo quando a operação de financiamento contratado por pessoa física.

O devedor não está obrigado a liquidar antecipadamente a nova operação de crédito, caso opte pela liquidação antecipada da operação original ou vice-versa. Uma alteração relevante é que, quando o produto derivado da proposta do leilão não for suficiente para quitar a dívida, não se aplica a regra do art. 27, §5º, da Lei 9.514/97, que prevê a quitação automática, exceto quando a nova operação de crédito tiver por finalidade o financiamento imobiliário por pessoa física. Ressalvada esta exceção, o credor poderá exigir o saldo devedor remanescente, caso o crédito não seja integralmente satisfeito por força do leilão extrajudicial, o que se afasta do regime da Lei 9.514/97, em seu art. 27, §5º.

As novas operações de crédito validamente celebradas, quando levadas a registro perante o Cartório de Registro de imóveis competente, são eficazes em relação aos atos jurídicos precedentes (registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias; a averbação de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de cumprimento de sentença; averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos reais registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; averbação mediante decisão judicial da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência), nas hipóteses em que estes não tenham sido registrados ou averbados na matrícula do imóvel perante o Cartório de Registro de Imóveis competente, a teor do art. 54 da Lei 13.097/2015.

Em tempos de juros baixos, as inovações inseridas pela Medida Provisória 992 são importantes para aumentar o acesso ao crédito, dando mais elasticidade da garantia imobiliária para novas operações de crédito, minimizando a cláusula de indivisibilidade que é comum nos contratos de financiamento, de sorte que a sociedade brasileira espera a aprovação pelo Parlamento.

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Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.

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