sexta-feira,26 abril 2024
ArtigosA Expulsão no Ordenamento Jurídico Brasileiro

A Expulsão no Ordenamento Jurídico Brasileiro

A expulsão é uma das modalidades de retirada compulsória de estrangeiro do território nacional, juntamente com a deportação, a extradição e a repatriação, correspondendo a retirada de um estrangeiro que pratique atos que tornem a convivência inconveniente, nociva e até mesmo indesejada, sendo considerada uma característica do Estado Nacional (soberano).

No Brasil, a aplicação de medidas expulsórias precedeu a sua própria legalização, sendo que a lei que a previu expressamente foi editada somente após algumas decisões do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema.

A legalização da expulsão correspondeu a integração entre o direito e a arbitrariedade para legitimar a retirada compulsória através de uma “legalidade arbitrária”.

Até o início do século XX, os diplomas legais que previam a medida de expulsão eram o Código Penal de 1890 (artigos 399 a 403) e a Constituição Federal de 1891.

O Código Penal de 1890 exigia que a medida de expulsão fosse submetida ao crivo do Poder Judiciário, no entanto a legalidade não era respeitada e as expulsões eram implementados por livre arbítrio do Poder Executivo.

Já a Constituição Federal de 1891 não possuía previsão expressa sobre a expulsão de estrangeiro, sendo a vedação ao banimento (artigo 72, §20) o instituto que mais se aproximava da medida compulsória de expulsão. O texto normativo garantia aos brasileiros e estrangeiros tratamento igualitário no que se refere ao direito de liberdade, de segurança, de propriedade privada.

A esse respeito aponta Ana Luisa Zago de Moraes:

“Justamente em razão disso, a partir do texto constitucional, formaram-se três escolas de pensamentos, que repercutiam nos julgados do Supremo Tribunal Federal: (a) a que considerava o direito de expulsão fundado na soberania nacional, na defesa da segurança nacional, e, com base nela, a igualdade prevista no art. 72 não poderia servir de obstáculo para que o Estado se defenda; (b) aquela que defendia a impossibilidade legal de expulsar o estrangeiro sem lei específica que regulasse o instituto; e (c) a sustentada por Rui Barbosa e pelo Ministro Pedro Lessa – tese liberal -, que considerava inconstitucional eventual legislação ordinária sobre a matéria, tendo em vista que o artigo 72 da Constituição de 1891 garantia a igualdade de direitos entre nacionais e estrangeiros.”´(grifos originais)

Ainda nesse sentido, surgiram teorias que buscavam explicar o fundamento jurídico do instituto da expulsão, dentre elas podemos citar a teoria da soberania nacional, da hospitalidade, da conservação e do princípio de direito internacional.

Com base nas interpretações realizadas pelo Supremo Tribunal Federal e nas teorias surgidas, a expulsão era aplicada conforme a legalidade, cumprindo as exigências legais, quando interessava e as circunstâncias eram favoráveis; ou ao arrepio da lei, de forma arbitrária.

Foi durante o período republicano que a primeira norma específica sobre expulsão foi editada; também conhecido como “Lei Gordo” o Decreto-lei 1.641/1907 especificou os casos em que haveria expulsão, tais como, atos que comprometessem a segurança nacional ou a tranquilidade pública; a condenação ou existência de processo no exterior referentes a crimes comuns; e condenação por crime de vagabundagem, mendicidade e lenocínio. Além disso, ao estrangeiro que se enquadrasse em qualquer das hipóteses de expulsão seria vedada e entrada em território nacional, bem como seria proibido o reingresso de estrangeiro já expulso.

O Decreto-lei teve sua constitucionalidade questionada até a introdução da Emenda Constitucional, de 1926, que acrescentou o artigo 72, §33, na Constituição Federal de 1891, permitindo a expulsão de estrangeiro por ato do Poder Executivo, como forma de afirmação da soberania.

Em 1921 foi aprovado Decreto 4.247 que passou a regulamentar a medida de expulsão, vedando a entrada de todo estrangeiro mutilado, aleijado, cego, louco, mendigo e portador de moléstia incurável ou contagiosa grave, integrando as políticas migratórias e higienistas.

A partir do Decreto em referência a expulsão seria decretada pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores.

Em suma, a Primeira República consolidou a expulsão como ato administrativo, com previsão constitucional, no artigo 72, §33, da Constituição Federal de 1891, e relacionada a preservação da soberania nacional e a manutenção da ordem e tranquilidade pública.

Durante o Estado Novo os países passaram a adotar medidas migratórias restritivas e no Brasil não foi diferente, sendo o Governo Vargas responsável por restringir direitos fundamentais dos estrangeiros com o fim de expulsar os “indesejáveis” (no rol de estrangeiros indesejados estavam os clandestinos, como os judeus e os refugiados, no geral).

A Constituição Brasileira de 1934 se adequou a este cenário de repressão ao estrangeiro e previu as cotas de imigração e relacionou a migração com a segurança nacional, no mais, deu à União legitimidade para decretar a expulsão de estrangeiros.

As leis infraconstitucionais, na abrangência do Estado Novo, tiveram como marca a rigidez e severidade crescentes, como exemplo podemos citar o Decreto-lei 392/1938, que aumentou as hipóteses de cabimento da medida e o Decreto-lei 406/1938 que manteve as cotas para imigrantes da mesma nacionalidade. Temos ainda o Decreto-lei 3175/1941, editado no curso da Segunda Guerra Mundial, que restringiu a entrada de estrangeiros, suspendendo a concessão de vistos temporários e permanentes.

O período de Ditadura Militar também foi marcado por políticas migratórias repressivas e centradas na segurança nacional.

Durante o regime militar foram editadas diversas leis que tinham como pauta a expulsão de estrangeiros, tais como o Decreto-lei 417/1969, o Decreto-lei 941/1969 e o conhecido Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6815/1980), que atravessou o século e vigeu até 20 de novembro de 2017, sendo revogado pela Nova Lei de Imigração (Lei nº 11.445/2017).

O Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6815/1980) foi inspirado pela legislação anterior, mantendo a expulsão como forma de retirada compulsória e centralizando a questão migratória em organismos de segurança, como a Polícia Federal.

A Constituição Federal de 1988 que veio rompendo com o sistema anterior, principalmente no que se refere a proteção dos direitos humanos, manteve as medidas de retirada compulsória, propiciando a manutenção de uma atmosfera de criminalização e securitização migratória.

Por fim, a última atualização legislativa sobre o tema migratório foi Nova Lei de Imigração (Lei nº 11.445/2017) e seu respectivo Decreto 9199/2017, que embora represente um avanço na proteção do direito dos imigrantes, com a revogação do Estatuto do Estrangeiro, conservou as medidas de retirada compulsória.

A manutenção da extradição e, no geral, das medidas de retirada compulsória, revelou a intenção do Estado Brasileiro em continuar considerando a questão migratória como uma ameaça, haja vista ser a expulsão uma representação do poder punitivo do Estado, conforme interpretação dada pela Corte Interamericana de Direito Humanos, no julgamento do Caso Veléz Loor vs. Panamá:

“De otra parte, la Corte observa que la medida prevista en el artículo 67 del Decreto Ley 16 de 1960 era una sanción administrativa de carácter punitivo. Al respecto, la Corte ya ha dicho que es preciso tomar en cuenta que las sanciones administrativas son, como las penales, una expresión del poder punitivo del Estado y que tienen, en ocasiones, naturaleza similar a la de éstas182 . En una sociedad democrática el poder punitivo sólo se ejerce en la medida estrictamente necesaria para proteger los bienes jurídicos fundamentales de los ataques más graves que los dañen o pongan en peligro. Lo contrario conduciría al ejercicio abusivo del poder punitivo del Estado183. En igual sentido, el Grupo de Trabajo sobre la Detención Arbitraria sostuvo que el derecho a la libertad personal “exige que los Estados recurran a la privación de libertad sólo en tanto sea necesario para satisfacer una necesidad social apremiante y de forma proporcionada a esa necesidad”.


Referências

CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso Vélez Loor Vs. Panamá. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 23 de noviembre de 2010. Serie C No. 218, 2010, parágrafo 170.

GARCIA, Lila. Política migratoria y delitos: expulsión por causas penales y derechos bajo la actual ley argentina de migraciones. Dossiê: Criminalização das Migrações, Revista Interdisciplinar de Mobilidade Humana, vol 23, n 45, Brasília: 2015, p. 2

MORAES, Ana Luisa Zago. Crimigração: a relação entre política migratória e política criminal no Brasil. São Paulo: IBCCRIM, 2016, p. 123.

 

Receba artigos e notícias do Megajurídico no seu Telegram e fique por dentro de tudo! Basta acessar o canal: https://t.me/megajuridico.
spot_img

DEIXE UM COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

spot_img

Mais do(a) autor(a)

spot_img

Seja colunista

Faça parte do time seleto de especialistas que escrevem sobre o direito no Megajuridico®.

spot_img

Últimas

- Publicidade -