sexta-feira,26 abril 2024
ColunaCaso OceanGate: se o submersível fosse de uma startup brasileira?

Caso OceanGate: se o submersível fosse de uma startup brasileira?

Todos vimos atônitos, no último mês, a história de cinco desafortunados que embarcaram em viagem sem volta ao fundo do mar. A bordo do “revolucionário” submersível Titan, os tripulantes, incluindo o dono da empresa responsável pelo projeto, partiram em busca dos destroços do Titanic para nunca mais voltar. O final trágico da história todos sabemos.

Segundo informações noticiadas pela mídia e diversos especialistas ouvidos sobre o caso, tudo leva a crer que houve uma série de erros, que vão desde o excesso de otimismo, passando pelo subdimensionamento de materiais e equipamentos até a negligência ao gerenciamento de riscos.

Diante dos contornos do incidente, inclusive quanto ao tão falado contrato de consentimento que os tripulantes clientes teriam assinado para embarcar nesta malsinada aventura, alguns perguntaram o que aconteceria se a Ocean Gate fosse uma startup brasileira?

Vamos do começo. A triste história me fez lembrar daquilo que recentemente pontuei em outro artigo, intitulado “Empreender não é só ‘startar’ uma ideia legal” (leia aqui), no qual ressalto a importância do empreendedor se organizar e preparar para os desafios de abrir e desenvolver um negócio próprio. Se é preciso fazer o “dever de casa” quanto a questões legais e regulatórias, bem como estruturação do negócio para sua otimização e, sobretudo, mitigação dos riscos e geração de passivo, para a hipótese de modelos disruptivos a tarefa é ainda mais necessária.

Não se pretende, nestas linhas, avaliar o erro ou acerto do empreendedor quanto ao timing do lançamento do projeto, da tecnologia e insumos empregados ou mesmo se tratava-se de uma operação viável e factível. Esta análise se concentra exclusivamente na perspectiva jurídica brasileira.

É muito comum no nosso cotidiano nos depararmos com pedidos de “contratos infalíveis” por parte de empresários que desejam blindar seus negócios.

Contudo, trago uma má notícia: não existe contrato mágico, tampouco milagreiro. Sempre que necessário, estes instrumentos podem e devem ser revisados, mitigados ou até mesmo anulados pelo Judiciário em caso de abusividade ou ilicitude, dentre outros.

Sem se esquecer da máxima que “contrato faz lei entre as partes”, referidos instrumentos são e devem ser a expressão da verdade negociada e vivenciada. Ouso dizer, ainda que de modo conservador, que pouca coisa no Direito tem caráter absoluto, quanto mais um contrato entre particulares sobre uma relação de consumo.

Palavras ou cláusulas contundentes de nada valem se a realidade está a apontar para sentido oposto ou, ainda, se decorrem de coação, erro, simulação, fraude, abusividade ou ilícito. O fato dos consumidores – sim, os tripulantes que pagaram para fazer a viagem são assim considerados, conforme dispõe o Código de Defesa do Consumidor – terem assinado o documento, por si só, não exclui a responsabilidade do fornecedor de serviço, sobretudo se, por exemplo, firmado o contrato sob informações deficitárias ou enganosas.

Considerando que a boa-fé contratual deve ser observada em todas as fases do negócio, desde sua concepção até a sua execução, também há de se ressaltar que o contrato celebrado não é absolutamente oponível, pois a existência de cláusulas que atenuem ou exonerem a responsabilidade da empresa, dentre outras tantas de natureza leonina e desproporcional, são consideradas abusivas ou ilícitas, implicando em sua nulidade.

Além da proteção à vida, saúde e segurança, não podemos esquecer que o consumidor geralmente não possui conhecimento técnico igual ou, no mínimo, capaz de permitir uma avaliação precisa da veracidade e extensão dos riscos envolvidos nessa relação de consumo. Existe aqui a fidúcia, decorrente de justa expectativa, de que esses riscos tenham sido previamente analisados e quantificados pelo fornecedor. Neste caso, mesmo que tivessem “consentido com o risco”, os quais nem mesmo o CEO da OCEANGATE tinha conhecimento de sua extensão, referida aceitação ocorreu de forma viciada e incompleta.

De mais a mais, não se pode esquecer que nosso Direito preconiza que a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços é objetiva, devendo ser aplicada independentemente de culpa, admitindo-se excludentes excepcionalíssimas atribuíveis à conduta do consumidor, o que evidentemente não é o caso.

Tais considerações, por ora, se resumem a relação de consumo, tendo em vista que o incidente poderia gerar, no Brasil, outros tantos desdobramentos jurídicos que apenas estes.

Enfim, este artigo não se presta a esgotar o tema ou aprofundar a análise jurídica do infeliz ocorrido, mas alertar para a necessidade do empreendedor de se precaver e promover uma real conciliação entre sua operação e questões jurídicas. Principalmente no caso das startups, além de bom aconselhamento técnico e instrumentos jurídicos adequados, o empreendedor deve observar e aplicar em seus negócios toda a diligência necessária em seus negócios, desde o ponto de vista regulatório até os aspectos factuais, a fim de gerenciar efetivamente os riscos e evitar que possíveis passivos levem ao fechamento de suas empresas.

Sócio do escritório AM&M Advogados Associados, pós-graduado em Direito de Empresas pelo IEC-PUC Minas, com especialização em Direito das Startups pela Fundação Getúlio Vargas. Pós-graduando em Direito Digital e Proteção de Dados. Profissional com mais de 18 anos de experiência em demandas empresariais, sobretudo societárias e contratuais, planejamento, constituição e organização empresarial, envolvimento em M&A e estruturação de negócios.

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