sexta-feira, 26/julho/2024
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A liberdade de associação e a criação de taxa de manutenção em contrato-padrão de loteamento

O Tema 492/STF não interfere na exegese dos arts. 24, 25 e 29 da Lei 6.766/1979.

É sabido que o empreendimento imobiliário composto por lotes pode adotar, conforme as suas circunstâncias e características, o regime jurídico de Condomínio Edilício – espaço territorial dividido em áreas comuns e áreas privativas, em que o condômino é titular de uma fração ideal do imóvel representativa da área privativa e da área comum -, ou de Loteamento – subdivisão da gleba em lotes destinados à edificação, com a abertura de áreas públicas comuns, tais como novas vias de circulação, de logradouros públicos ou de prolongamentos/modificação/ampliação de vias públicas já existentes.

As áreas comuns do Condomínio Edilício são da propriedade privada comum dos condôminos, a quem cabe o pagamento de quota proporcional de taxas condominiais para atender às despesas ordinárias e extraordinárias, enquanto que, com o registro do loteamento perante o cartório de imóveis, as áreas destinadas a vias de circulação, a áreas verdes, a equipamentos públicos e a espaços livres, passam a ser de domínio público, cujas despesas de manutenção devem ser custeadas pelo poder público.

Dentro da esfera do princípio da eficácia ou oponibilidade erga-omnes (para todos indistintamente), os loteadores, quando do registro do loteamento perante o cartório de imóveis, informam as regras convencionais de ocupação e de criação de taxa de manutenção, normalmente previstas no contrato padrão de compra e venda, que passam a vincular os adquirentes. Por sua vez, sob a ótica do princípio da autonomia privada, visando prover as melhores condições de manutenção dos equipamentos e bens que, embora públicos, são utilizados pelos adquirentes no loteamento, os loteadores podem constituir associação de moradores que a exigir a obrigação de pagamento de taxa de manutenção.

Diante de tais matérias, o Superior Tribunal de Justiça chegou às seguintes conclusões: (i) no julgamento do REsp 1.439.163/SP e do REsp 1.280.871/SP, submetidos ao rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 882), foi fixada a tese de que as taxas instituídas por associações de moradores não alcançam quem não é associado ou que não tenha aderido ao ato que instituiu a obrigação convencional, a par do princípio da liberdade de associação e impossibilidade de criação de obrigação que não tenha fonte na lei ou em contrato; (ii) no julgamento do REsp 1.422.859/SP, foi fixado o entendimento de que, por força da lei de loteamento, as restrições e as obrigações constantes no contrato-padrão, depositado em cartório como condição para o registro do loteamento, incorporam-se ao registro e vinculam os posteriores adquirentes, a par do princípio da oponibilidade ou eficácia erga-omnes (para todos indistintamente) e da publicidade inerente aos registros públicos.

De outro lado, o Supremo Tribunal Federal chegou às seguintes conclusões: (i) não é lícito à associação de moradores impor taxa de manutenção a adquirente ou proprietário de lote que não tenha aderido à ela, consoante o que foi decidido no RE 432.106/RJ; (ii) a Lei 13.465/2017 foi declarada constitucional, sendo válida a regra prevista no art. 36-A da Lei 6.766/1979, estabelecendo que os atos constitutivos da associação de moradores de imóveis em loteamentos e as obrigações deles decorrentes vinculam tanto os adquirentes de lotes que anuíram com sua constituição, como também os novos adquirentes de lotes, se a tais atos e obrigações for conferida publicidade por meio de registro perante o cartório de registro de imóveis competente, conforme RE 695.911/SP, cuja tese adotada foi a seguinte: “é inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da Lei nº 13.465/2017 ou de anterior lei municipal que discipline a questão, a partir do qual se torna possível a cotização de proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos de acesso controlado, desde que, i) já possuidores de lotes, tenham aderido ao ato constitutivo das entidades equiparadas a administradoras de imóveis ou, (ii) no caso de novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação tenha sido registrado no competente registro de imóveis” (Tema 492).

A partir do exame do voto do Relator, Min. Dias Toffoli, verifica-se que o acórdão proferido no RE 695.911/SP deve ser compreendido dentro da ótica da discussão entre os princípios constitucionais da liberdade de associação e da legalidade: “(…) é o princípio da legalidade o instrumento de sopesamento constitucional ao princípio da liberdade de associação. De um lado, assegurando que obrigação só é imposta por lei; de outro – e por consequência – garantindo que, na ausência de lei, não há para os particulares impositividade obrigacional, regendo-se a associação somente pela livre disposição de vontades. Dito de outro modo, ante a ausência de obrigação legal, somente o elemento volitivo manifestado, consistente na anuência expressa da vontade de se associar, pode vincular as partes pactuantes e gerar para as mesmas direitos e obrigações decorrentes da associação”.

À vista do papel de intérprete maior da Constituição Federal, o Tema 492 do STF dirigiu-se a dirimir a discussão constitucional sobre a liberdade de associação e o princípio da legalidade na criação da obrigação como algo decorrente da lei ou da vontade. A rigor, o mencionado precedente não repercute, nem tampouco influi na tese anteriormente adotada pelo STJ de que, fundada na aplicação dos arts. 24, 25 e 29 da Lei 6.766/1979, as regras convencionais e obrigacionais previstas em contrato padrão de compra e venda, levado a registro perante o cartório de registro de imóveis, têm o condão de vincular os adquirentes dos lotes.

Por conseguinte, a tese de que se reputa válida a estipulação, na escritura de compra e venda, replicada do contrato-padrão depositado no cartório de registro imobiliário, de cláusula que imponha aos titulares dos lotes a obrigação de arcar com despesas realizadas com obras e serviços de manutenção e/ou infraestrutura do loteamento, porque dela foram devidamente cientificados os compradores que a ela anuíram inequivocamente, não entra em rota de colisão com a outra de que é indevida a cobrança de taxa por associação a morador que não aderiu à entidade associativa, tal como acertadamente decidiu, em 26.04.2021, a 2ª Seção do STJ no AgInt no EREsp 1783518/SP, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira. Assim, afigura-se pertinente e válido o entendimento adotado no STJ de que a hipótese de criação de obrigação, decorrente do registro do contrato padrão de compra e venda perante o cartório de imóveis, é distinta da matéria decidida pelo STF no Tema 492, a título de liberdade de associação, eis que a causa de pedir da demanda está fundada no descumprimento de obrigação contratual existente entre as partes, e não em estatutos de associação civil (REsp 1.569.609/SP, REsp 1.422.859/SP, AgInt no REsp 1.294.454/SP, AgRg no REsp 1.288.702/SP, REsp 1.422.605/SP). As obrigações para pagamento de despesas de manutenção e de serviços de infraestrutura ora podem decorrer da adesão do morador à associação civil, cuja discussão envolve a temática constitucional da liberdade de associação, ora podem decorrer do contrato padrão de compra e venda depositado em cartório de registro imobiliário, a cujo respeito a Lei 6.766/1979 estatui que as restrições e obrigações constantes no contrato-padrão depositado em cartório como condição para o registro do projeto do loteamento, incorporam-se ao registro e vinculam os posteriores adquirentes.Há que, no que se refere à obrigação de os moradores em loteamento arcarem com as despesas de manutenção e de serviços de infraestrutura, ser feita a distinção da origem da constituição da mencionada obrigação, a saber: (i) se decorre do registro do contrato padrão de compra e venda no cartório de registro imobiliário, cuja publicidade cientifica todos os adquirentes de tal cobrança, ou (ii) se decorre da adesão voluntária à associação civil, de sorte que não havendo a adesão ou havendo a posterior desfiliação, a taxa deixa de ser exigível ao morador.

 

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Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.

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