quinta-feira,18 abril 2024
ColunaFamília e SucessõesA Guarda, a Tutela e os Conflitos Familiares

A Guarda, a Tutela e os Conflitos Familiares

Resumo
Existem situações em que o poder familiar pode ser suspenso ou extinto. Nesses casos resta saber como ficará a situação do menor. Quem terá o dever de exercer os cuidados e a proteção necessária ao seu desenvolvimento. Como esses assuntos são objeto de conflitos familiares, traremos a legislação sobre o tema e a análise de algumas decisões judiciais.

Palavras-chaves: Estatuto da Criança e do Adolescente; Guarda; Tutela; Protutela; Testamento

Introdução
Uma das principais preocupações de quem tem filho menor é garantir a sua subsistência e um desenvolvimento saudável caso ocorra o falecimento de seus genitores.
A motivação para essas preocupações pode se dar em razão da existência de poucos parentes próximos ou mesmo em decorrência de conflitos familiares que poderiam influenciar na designação do tutor.
Para refletirmos sobre o assunto traremos a legislação sobre a Guarda, a Tutela e alguns entendimentos dos tribunais.

1- A diferença entre Guarda e Tutela

Para compreendermos como alguém deverá assumir as obrigações com a criação do menor, teremos que distinguir os conceitos de Guarda e Tutela.
A Guarda pode ser conceituada como o “conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais em relação aos filhos menores, com o objetivo de proteger e suprir as suas necessidades, cuja responsabilidade é atribuída por lei ou mediante decisão judicial (SILVEIRA, 2018; CARBONERA, 2000).
Além desse conceito, há a guarda física ou material e a jurídica ou legal. A primeira é atribuída a quem detém a guarda do menor, ou seja, é responsável direto pelos seus cuidados. E a segunda, diz respeito aos deveres de “sustento, educação, proteção” (SILVEIRA, 2018; GRISARD FILHO, 2002).
Além dessas classificações, também podemos citar os institutos da guarda unilateral e da compartilhada. O Código Civil prevê no parágrafo primeiro, art. 1.583, que caberá aos genitores o exercício da guarda dos menores, de forma unilateral ou compartilhada. Diferenciando a primeira como a exercida por um dos genitores e a compartilhada aquela exercida de forma conjunta.
Assim, o que se pode entender é que a guarda, em regra, é atribuída aos genitores do menor, como um atributo do exercício do poder familiar. Porém, existem situações em que terceiros podem exercer a guarda do menor. Podemos citar como exemplo os casos em que os pais possuem alguma dificuldade que os impossibilita de arcar com as necessidades básicas do menor, conforme descrito no art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA (lei nº 8.069/1990).
Cabendo ressaltar que, em regra, a guarda será deferida a quem possui a Tutela ou Adoção do menor. Porém, o ECA prevê algumas exceções, quais sejam:

Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais

[…]

§ 2º Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados.

[…]

Art. 35. A guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público

Portanto, a guarda pode se referir a situações temporárias, em que não seria viável manter a proteção do menor ou mesmo a administração dos seus bens com os seus genitores. Nesses casos, a obrigação pode ser deferida para terceiros e, uma vez, finalizada a situação que ensejou o deferimento, os genitores voltam a ser responsáveis pelo menor.
Com relação à Tutela, o ECA previu alguns requisitos para a sua concessão:

Art. 36. A tutela será deferida, nos termos da lei civil, a pessoa de até 18 (dezoito) anos incompletos.

Parágrafo único. O deferimento da tutela pressupõe a prévia decretação da perda ou suspensão poder familiar e implica necessariamente o dever de guarda.

Assim, há a necessidade da suspensão ou perda do poder familiar para a concessão da Tutela. Além disso, o art. 1729 do Código Civil-CC prevê que os pais têm o direito de nomear tutor, em conjunto, por meio “de testamento ou de qualquer outro documento autêntico.”
É importante ressaltar esses requisitos, pois os tribunais têm entendido que mesmo que a pessoa detenha a guarda do menor, isso não caracteriza a consequente extinção do poder familiar.
Podemos exemplificar com uma decisão do Superior Tribunal de Justiça- STJ, na qual a avó materna detinha a guarda da criança, pois a mãe já era falecida e o pai nunca tinha exercido o poder familiar. Diante desse fato, a avó solicitava que lhe fosse destinada a declaração da Tutela da menor, para que constasse como sua dependente para fins previdenciários.
No caso mencionado, o tribunal entendeu que não seria cabível o pedido:

“ 1. O deferimento da tutela pressupõe a prévia decretação da perda ou suspensão do poder familiar, ex vi do art. 36, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente e art. 1.728 do Código Civil. 2. In casu, aduz a apelante, em síntese, que possui a guarda do menor, condição que, segundo seu entendimento, implicaria na suspensão do poder familiar do genitor. 3. o referido argumento, contudo, não merece prosperar, tendo em vista que a guarda judicial não importa na destituição do poder familiar, tampouco sua suspensão. 4. Por todo o exposto, acostando-me ao brilhante parecer exarado pela Douta representante do Ministério Público, tem-se por incensurável a sentença que julgou improcedente o pedido de tutela em comento, imerecendo qualquer reparo em seus termos. 5. recurso conhecido e improvido. Sentença mantida em todos os seus termos. [,,,]. Nos termos dos dispositivos legais acima transcritos, a nomeação de tutor a menor pressupõe a perda ou suspensão do pátrio poder, circunstância inocorrente no caso sub judice, na medida em que, além de o genitor encontra-se vivo, não se verificam nenhuma das hipóteses previstas no art. 1.635 do Código Civil: Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar: I – pela morte dos pais ou do filho; II – pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único; III – pela maioridade; IV – pela adoção; V – por decisão judicial, na forma do artigo 1.638. Em verdade, no caso dos autos, em que pese o comprovado falecimento da genitora do infante, consoante certidão de óbito às fls. 39 desses autos digitais, tem-se que a própria recorrente evidencia que o pai do menor ainda é vivo. E mais, não há de prosperar, neste ponto, o argumento lançado pela apelante de que a guarda que lhe foi deferida em ação própria importaria na destituição ou suspensão do poder familiar do genitor do menor. (STJ – AREsp: 465930 CE 2014/0004835-6, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Publicação: DJ 18/06/2015)

Na situação mencionada, também não havia testamento no qual os pais, em conjunto, nomeavam a avó materna como tutora. Também não houve o ajuizamento de ação para a decretação da perda do poder familiar, conforme prevê o art. 24 do ECA, na qual seria oportunizado o contraditório ao suposto pai ausente.
Assim, diante dos conceitos mencionados e do caso concreto, podemos utilizar o ensinamento de Guilherme de Souza Nucci que diferencia os institutos da Guarda e da Tutela, entendendo que a Tutela é uma medida de proteção de intensidade maior que a Guarda, pois pressupõe a suspensão ou perda do poder familiar. Segundo o autor essa perda visaria a proteção dos interesses do incapaz, que teria um terceiro (tutor) responsável por administrar os seus bens. (NUCCI, 2014).

2. A ordem de preferência legal

Caso os pais tenham falecido sem nomear tutor, por meio de testamento, o Código Civil prevê a seguinte ordem de preferência:

Art. 1.731. Em falta de tutor nomeado pelos pais incumbe a tutela aos parentes consanguíneos do menor, por esta ordem:

I – aos ascendentes, preferindo o de grau mais próximo ao mais remoto;

II – aos colaterais até o terceiro grau, preferindo os mais próximos aos mais remotos, e, no mesmo grau, os mais velhos aos mais moços; em qualquer dos casos, o juiz escolherá entre eles o mais apto a exercer a tutela em benefício do menor

Observa-se uma preferência aos avós, irmãos maiores de idade e posteriormente aos tios. E caso haja mais de um familiar na mesma classe (exemplo: dois irmãos maiores), os mais velhos precederão aos mais novos. (SILVEIRA, 2015).
Sempre lembrando que esta ordem é aplicável aos casos em que os pais não nomearam nenhum tutor no testamento. No caso concreto, haveria a possibilidade de nomearem uma tia para cuidar dos menores, por exemplo. Nessa situação não seria aplicável, inicialmente, a preferência legal.

2.1 A protutoria

Ainda a respeito do exercício da tutela, o juiz poderá designar um protutor, com a finalidade de fiscalizar os atos do tutor, conforme prevê o art. 1.742 do Código Civil.
Citamos como exemplo um caso julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo- TJSP, em que os pais faleceram em um acidente de trem, sem indicar o nome de algum tutor para cuidar de sua filha de 11 anos. Ao se verificar a ordem preferencial do art. 1.731, CC, observou-se que uma das avós não tinha condições físicas de cuidar da neta e com relação à outra, a menor não queria morar com ela e a tia. Porém, a criança manifestou interesse em ser cuidada pelos seus padrinhos. Manifestação essa que foi aceita pelo juízo. Tendo nomeado os padrinhos como tutores e a tia como protutora, regulamentando, inclusive, o direito de visitas desta em relação à sobrinha (BRASIL, 2014).
No caso descrito houve um acordo objetivando o melhor para a menor, mas sabemos que muitas vezes essas relações familiares são conflituosas e podem ensejar grandes disputas judiciais. É exatamente para tentar sanar esses conflitos, visando o bem-estar do menor que a legislação trouxe as disposições sobre a Guarda e a Tutela.

Considerações Finais

Este artigo buscou descrever a legislação sobre a Guarda e a Tutela, objetivando algumas reflexões por meio de julgados.
Sendo a guarda um instituto que não se confunde com a Tutela, haja vista que pode ser exercida mesmo sem a suspensão ou perda do poder familiar. O que não acontece com a Tutela, cujos requisitos estão previstos em lei.
Ainda sobre o tema, foi possível observar que é sempre bom que os genitores que possuem filhos menores reflitam sobre a necessidade de nomear tutores para cuidar dos menores, caso venham a se ausentar. Para tentar resguardá-los de futuros conflitos familiares.
Porém, caso não haja a nomeação pelos pais, a legislação também trouxe alguns instrumentos que podem ser utilizados pelo juízo para a nomeação de pessoas que poderão garantir o bem-estar do menor, por meio da Tutoria e também da Protutoria.

 


Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 23 abr. 2018.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 23 abr. 2018.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ementa nº ARESP 465930 CE 2014/0004835-6. Relator: MARIA ISABEL GALLOTTI. Brasília, DF, 18 de junho de 2015. Diário de Justiça

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Tutela nº 4010102-80.2013.8.26.0576. São Paulo, SP, 04 de dezembro de 2014. Diário de Justiça: 1ª instância. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/diarios/81585598/djsp-judicial-1a-instancia-interior-parte-iii-04-12-2014-pg-1715?ref=previous_button>. Acesso em: 24 abr. 2018.

CARBONERA, Silvana Maria. Guarda de Filhos na Família Constitucionalizada. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2000.

GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002

NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2014

SILVEIRA, Ana Carolina. Na morte dos pais, com quem ficam os filhos menores?: Tutor. Publicada em 18 de junho de 2015. Disponível em: <http://advfam.com.br/2015/06/18/na-morte-dos-pais-com-quem-ficam-os-filhos-menores-tutor/>. Acesso em: 20 abr. 2018.

SILVEIRA, Ricardo Vanzin. O reflexo da interpretação do conceito de ‘guarda compartilhada’ na sua não-aplicabilidade pelos operadores jurídicos: uma possibilidade. Disponível em: <https://www.univates.br/media/graduacao/direito/GUARDA_COMPARTILHADA.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2018.

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