sexta-feira, 26/julho/2024
ColunaDireito ImobiliárioA execução extrajudicial de imóvel no SFH e no SFI

A execução extrajudicial de imóvel no SFH e no SFI

De há muito, a doutrina e os agentes econômicos veiculam críticas à eficácia dos direitos reais de garantia tradicionais (hipoteca, penhor e anticrese) numa sociedade de massa e de maciça industrialização, em razão da morosidade do processo judicial com vistas à retomada do bem para viabilizar a execução da dívida.

Por exemplo, José Carlos Moreira Alves enuncia que “o que é certo, portanto, é que, a partir, precipuamente, do século passado, se tem sentido, cada vez mais, a necessidade de criação de novas garantias reais para a proteção do direito de crédito. As existentes nos sistemas jurídicos de origem romana – e são elas a hipoteca, o penhor e a anticrese – não mais satisfazem a uma sociedade industrializada, nem mesmo nas relações creditícias entre pessoas físicas, pois apresentam graves desvantagens pelo custo e morosidade em executá-las” (Da alienação fiduciária em garantia. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 5).

Sem que haja mecanismos jurídicos que assegurem, ao mesmo tempo, a rápida retomada pelo credor da garantia e a agilidade da execução da dívida, a atividade econômica dirigida à compra e venda e à concessão de crédito não se desenvolverá plenamente.

Com efeito, no Sistema Financeiro da Habitação o Decreto-lei 70/1966, em seu art. 32, admite a execução extrajudicial do débito relativo ao financiamento para a aquisição do imóvel próprio.

No mesmo sentido, o Decreto-lei 911/1969, que versa sobre o financiamento de bens móveis, e a Lei 9.514/1997, que institui o Sistema Financeiro Imobiliário, estabelecem mecanismos vocacionados à retomada da garantia e à implementação da execução extrajudicial da dívida. Em suma, as citadas leis contemplam que, comprovada a constituição em mora do devedor através de notificação cartorária, deve ser concedida a medida liminar de retomada da garantia, e que o leilão extrajudicial do bem deve ser precedido de intimação prévia e pessoal do devedor.

Neste contexto, é assente a orientação jurisprudencial de que a concessão da medida liminar na demanda de busca e apreensão (bens móveis a teor do Decreto-lei 911/1969) e na de reintegração de posse (bens imóveis a teor da Lei 9.514/1997), decorrente do inadimplemento contratual, está condicionada à demonstração da mora do devedor através de notificação cartorária (STJ, AgInt no REsp 1828198), e que há a necessidade de intimação do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial (STJ, AgInt no AREsp 1678642).

Por oportuno, já se alegou que a execução extrajudicial do bem objeto da garantia representaria ofensa ao acesso à justiça e ao devido processo legal, na medida em que o devedor seria privado do bem sem o controle jurisdicional.

A propósito, o STF já se manifestara pela constitucionalidade da execução extrajudicial do SFH prevista no Decreto-lei 70/1966 (RE 148.872, 223.075 e 240.361) e da execução extrajudicial do bem alienado fiduciariamente prevista no Decreto-lei 911/1969 (RE 206.482 e ARE 910.574). Isso porque o fato de a execução ser extrajudicial não impede que o devedor possa veicular pretensão perante o Poder Judiciário, com o propósito de evitar lesão ou de corrigi-la, de sorte que “é irrecusável ao devedor esse direito de fiscalização” (Orlando Gomes. Alienação Fiduciária em Garantia. São Paulo: RT, 1970, p. 110).

Mesmo assim, este assunto foi novamente submetido à discussão da constitucionalidade. Nesta semana, em repercussão geral (tema 249), o STF concluiu o julgamento do RE 627.106, em que declarou a constitucionalidade da execução extrajudicial do SFH prevista no Decreto-lei 70/1966. O voto do relator, Min. Dias Toffoli, assentou que é lícito ao devedor levar à apreciação do Poder Judiciário a ameaça e/ou a lesão em seu direito, eis que deve ser intimado prévia e pessoalmente para acompanhar o leilão extrajudicial. Em igual sentido, o STF, no julgamento do RE 382.928, em 13.10.2020, declarou a constitucionalidade da execução extrajudicial prevista no Decreto-lei 911/1969.

Pelas mesmas razões já anteriormente explicitadas, em razão da identidade da discussão constitucional, embora ainda esteja pendente de exame o tema 982, o procedimento de execução extrajudicial nos contratos de mútuo com alienação fiduciária de imóvel pelo SFI, previsto na Lei 9.514/97, deve ser considerado constitucional.

Por oportuno, a orientação jurisprudencial no STJ aponta que é lícita a concessão de provimento de urgência, a fim de suspender a execução extrajudicial, devendo haver a demonstração da plausibilidade do direito e do risco de dano irreparável (REsp 1067237).

Somente haveria a inconstitucionalidade no procedimento de execução extrajudicial, se a legislação de regência impedisse ou excluísse da apreciação do controle jurisdicional a prática dos atos do credor, o que não é o caso.

A rigor, o acesso pelo devedor ao Poder Judiciário revela-se admissível por ocasião da notificação para a purgação da mora, da tramitação do procedimento do leilão extrajudicial, e da conclusão da venda efetuada em leilão (cf. Cândido Rangel Dinamarco. Fundamentos do Processo Civil Moderno. São Paulo: RT, 2002, p. 1.271).

Registre-se, outrossim, que, por serem normas jurídicas especiais, a sistemática do Código de Defesa do Consumidor, em especial o art. 53, não se aplica aos efeitos dos leilões extrajudiciais decorrentes do inadimplemento contatual com pacto de alienação fiduciária em garantia (STJ, AgInt no REsp 1.822.750).

Por conseguinte, a sistemática de execução extrajudicial de bem – sobre o qual recaia direito real de garantia – não configura violação à Constituição Federal, sendo permitido ao devedor, se assim desejar, submeter ao controle jurisdicional lesão ou ameaça de lesão a seu direito, e representa um fator importante de incentivo às atividades econômicas de comercialização de bens imóveis e móveis e de concessão de créditos, de sorte a assegurar a manutenção do fluxo de retorno das operações de crédito, assim como o interesse coletivo de permanente oferta de crédito. Isso porque as garantias tradicionais oriundas do direito romano não mais fazem frente às necessidades de uma sociedade de massa e de circulação rápida e eficiente de riquezas.

Avatar photo

Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.

Receba artigos e notícias do Megajurídico no seu Telegram e fique por dentro de tudo! Basta acessar o canal: https://t.me/megajuridico.
spot_img

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Mais do(a) autor(a)

Most Read

Seja colunista

Faça parte do time seleto de especialistas que escrevem sobre o direito no Megajuridico®.

Últimas

- Publicidade -