quinta-feira,28 março 2024
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A representação de trabalhadores nos locais de trabalho como forma de efetivação dos direitos trabalhistas – provocações sobre as inovações trazidas pela Reforma Trabalhista

Coordenador: Ricardo Calcini.

 

1) Introdução
O presente artigo tem por finalidade a exposição breve de conceitos relacionados à representatividade de trabalhadores em seus respectivos locais de trabalho, à luz do disposto nas regras internacionais de proteção ao trabalho, bem como na legislação trabalhista pátria.
Ao final, pretende-se traçar um panorama entre as formas de representação sindical e não sindical no local de trabalho e a contribuição de tais forma de representação para o alcance da efetivação dos direitos trabalhistas, fazendo-se breve análise dos avanços trazidos pela recém aprovada Lei 13.467/2017 – Lei da Reforma Trabalhista.

 

2) Da liberdade sindical enquanto direito dos trabalhadores e das organizações no local de trabalho perante o empregador – breves conceitos – distinção entre representação sindical e não sindical – sistema dual de representação.

A evolução do Direito do Trabalho passa pela necessidade histórica e evolutiva de proteção às garantias dos trabalhadores, na medida em que a as relações de trabalho pressupõem de forma inconteste a oposição latente entre a força do capital, detida pelos detentores dos meios de produção, e a força de trabalho, detida pela classe trabalhadora.

Nos dizeres de José Francisco Siqueira Neto, “a relação de trabalho é uma relação de poder, e o principal escopo da legislação do trabalho sempre foi – e sempre será – aquele de constituir uma força balanceadora destinada a neutralizar a disparidade contratual imanente dessas relações[1] ”.

Neste contexto, o surgimento dos entes sindicais, assim consubstanciados pela união dos trabalhadores em torno de uma ideologia comum, na defesa de seus interesses e na busca por garantias frente ao detentores dos meios de produção, apresentou-se como resultado de um imperativo social.

O sindicato representa a força coletiva advinda da união dos trabalhadores, de forma a contrabalancear as relações de trabalho, trazendo consigo a ideia de que as atividades empresariais dependem da força de trabalho e, por isso, devem preservá-la garantindo proteção e respeitando limites básicos.

O ordenamento jurídico pátrio, além de estipular condições mínimas e fundamentais a serem garantidas aos trabalhadores, consagra a possibilidade de efetivação de direitos e pretensões suplementares ou especiais pela via da negociação coletiva, a qual se materializa por meio do Acordo Coletivo de Trabalho e da Convenção Coletiva de Trabalho, ambos devidamente reconhecidos pela Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXVI[2] .

Tamanha é a força da negociação coletiva e dos frutos dela decorrentes que a própria Constituição Federal, nos incisos VI, XIII e XIV[3] , do mesmo artigo 7º, prevê a possibilidade de prevalência excepcional dos termos negociados sobre as próprias garantias constitucionais, ao autorizar que Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho estipulem condições, a priori, menos benéficas aos trabalhadores, para que se preserve o interesse coletivo.

Por outro lado, a Constituição Federal é taxativa ao impor a obrigatoriedade da participação dos Sindicatos na negociação coletiva, como forma de validar os termos negociados, tratando expressamente de tal tema em seu artigo 8º, inciso VI[4] .

Isto porque, o ordenamento jurídico trabalhista, construído ao longo de décadas e fruto de momentos históricos que forjaram socialmente sua atual formatação, parte da premissa quase que inafastável de que os trabalhadores apresentam-se hipossuficientes na relação de trabalho e, por tal motivo, não dispõem de condições para negociar diretamente com seu respectivo empregador.
Não obstante à importância da representação sindical, e trazendo novamente à tona os dizeres do já mencionado doutrinador, “os Sindicatos, embora sujeitos típicos da autonomia e da autoproteção coletiva, não são, todavia, seus sujeitos exclusivos. O Sindicato é apenas uma, embora a mais importante, das formas de os indivíduos se organizarem para defender seus interesses profissionais[5] ”.

Com o passar do tempo e o incremento dos meios de produção, tornou-se claro que além dos mecanismos de representação externa (Sindicatos), os trabalhadores também precisariam atuar diretamente no local de trabalho, percepção essa que resultou na criação dos organismos de representação interna, que se tornaram instrumento complementar à negociação coletiva destinada a regular as relações entre capital e trabalho[6] .

Há quem sustente, por outro lado, que o surgimento de representações internas nas empresas é fruto de interesse dos empregadores justamente para “diluir” a representatividade dos sindicatos, circunstância característica da globalização e do neoliberalismo que objetivam “individualizar” cada vez mais as relações coletivas de trabalho[7] .

Neste breve estudo, busca-se avaliar a efetiva possibilidade de representação dos interesses dos trabalhadores não apenas em âmbito sindical mas, também, no ambiente de trabalho.
Procura-se evidenciar, à luz do ordenamento jurídico pátrio, se há efetiva previsão e proteção aos meios destinados à discussão e manifestação dos empregados no local de trabalho, através de entendimentos diretos com o empregador, destinados à efetivação ou à reivindicação de direitos e deveres.

Faz-se necessária, assim, a distinção fundamental entre representação sindical e não sindical:

• Representante sindical corresponde ao membro do sindicato, que é a organização dos trabalhadores enquanto integrantes de uma categoria profissional ou de determinado setor de atividades. O sindicato visa a defender os interesses de seus integrantes enquanto categoria geral, independentemente da empresa para a qual trabalham.

• Representante não sindical, por sua vez, representa os trabalhadores de uma empresa ou estabelecimento, independente de sua categoria profissional. Tem por objetivo promover o entendimento, levando em conta os interesses dos seus representados, enquanto trabalhadores da empresa ou estabelecimento[8] .

O ordenamento jurídico brasileiro, especificamente por meio dos artigos 7º, inciso XI[9] e 11[10] , da Constituição Federal, bem como pelo artigo 617, §1º, da CLT[11] , consagra ou admite a possibilidade do chamado “sistema dual” de representação de trabalhadores, que permite tanto a representação sindical quanto a não sindical.

No mesmo sentido são as disposições de normas internacionais que tratam sobre o assunto, tais como a Convenção 135, da OIT, abordada a seguir.

 

3) As disposições da Organização Internacional do Trabalho – Convenção 135.

O posicionamento adotado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) se dá no sentido de admitir o sistema dual de representação nos locais de trabalho, apenas com a ressalva de que as representações internas não poderão praticar aquelas atividades que a legislação nacional atribuir como prerrogativa exclusiva dos sindicatos. Neste sentido, destaca-se o teor das normas internacionais a este respeito:

a) Convenção 135, da OIT – aprovada em Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho em Genebra, em 1971, dispõe sobre “proteção de representantes de trabalhadores”. A referida Convenção foi aprovada no Brasil via Decreto Legislativo 86/1989, ratificada em maio/1990, com promulgação via Decreto 131/1991 e vigência nacional em maio/1991, à época, com força de lei ordinária. Dentre as disposições mais relevantes da Convenção 135, da OIT, encontram-se as seguintes:

i) aos representantes de trabalhadores no âmbito da empresa deve ser garantida efetiva proteção contra qualquer ato que os prejudique, incluída dispensa, se decorrente de suas funções ou atividades como representante de trabalhadores, devendo atuar, todavia, em conformidade com a lei e normas coletivas em vigor (art. 1º);

ii) as facilidades concedidas aos representantes de trabalhadores devem respeitar as características das relações trabalhistas do país, bem como as necessidades da empresa, não podendo prejudicar a eficiência profissional desta (art. 2º);

iii) as garantias previstas na Convenção direcionam-se tanto aos “representantes sindicais” (nomeados ou eleitos por sindicatos), quanto aos “representantes eleitos” (livremente pelos trabalhadores da empresa), cujas funções não sejam prerrogativas exclusivas do sindicato (art. 3º);

iv) os destinatários da proteção e das facilidades previstas na Convenção poderão ser definidos pela legislação nacional, por norma coletiva e por sentenças arbitrais ou judiciais (art. 4º); e

v) havendo coexistência de representantes sindicais e eleitos, medidas devem ser tomadas para que não haja enfraquecimento sindical, estimulando a colaboração entre ambos (art. 5º).

 

A despeito de a Convenção 135 há muito ter sido ratificada pelo Brasil, percebe-se que suas disposições não haviam sido integralmente adotadas, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento de mecanismos de representação não sindical no local de trabalho, até então inexistentes na Consolidação das Leis do Trabalho.

Isto porque, a única previsão constante do ordenamento jurídico pátrio a este respeito consistia no já mencionado artigo 11, da Constituição Federal, que garante a presença de pelo menos 1 (um) representante eleito diretamente pelos empregados nas empresas com mais de 200 (duzentos) trabalhadores.

Todavia, o referido dispositivo constitucional permaneceu sem regulamentação legal por mais de 25 anos, demonstrando-se praticamente inutilizado no campo prático de aplicação.

 

4) A representação intra-empresarial de trabalhadores no direito comparado – Itália, Portugal e Espanha.

Avançando-se na análise da representação de trabalhadores no âmbito internacional, denota-se que, além das disposições consolidadas nas Convenções e Recomendações da OIT, outros diversos países desenvolvidos também admitem e incentivam as várias formas de representação dos trabalhadores.

À guisa de exemplo, destaca-se brevemente o tratamento conferido ao tema pelos ordenamentos jurídicos da Itália, Portugal e Espanha, países europeus que, à exemplo do Brasil, também passaram por diferentes momentos políticos e de organização do trabalho, evoluindo de sistemas autoritários e corporativistas para sistemas democráticos:

a) Itália: o primeiro prospecto de “comissões internas” formadas por trabalhadores diretamente eleitos ocorreu na FIAT (1906). No entanto, após a Primeira Guerra Mundial e com a instauração do regime corporativo, as representações de fábrica perderam força. De maneira geral, a representação dos trabalhadores nos locais de trabalho sempre esteve ligada, em última análise, aos sindicatos, os quais, dependendo do momento histórico, incentivaram o aparecimento de comissões internas ou abafaram suas prerrogativas. Em linhas gerais, o cenário atual consiste na coexistência e no respeito recíproco entre as comissões internas e o sindicato. Todavia, as comissões internas não possuem poder de contratação coletiva, mas mera função reivindicativa[12];

b) Portugal: consagra igualmente o modelo dual de instâncias representativas dos trabalhadores nos locais de trabalho, admitindo sindicatos e comissões de trabalhadores, com disposições legais detalhadas acerca das características e prerrogativas de cada ente. As comissões internas são reguladas por estatutos, os quais são submetidos à aprovação dos trabalhadores permanentes da empresa. As prerrogativas e atuação das comissões de trabalhadores são bastante distintas das funções do sindicato. Enquanto ao sindicato incumbe a fiscalização quanto ao cumprimento de normas legais e convencionais, às comissões compete o “controle da gestão” e a defesa dos interesses do conjunto do pessoal da empresa. Estão englobados na competência das comissões de trabalhadores: (i) direito à informação; (ii) direito de controle e gestão; (iii) direito de intervenção na organização das unidades produtivas; (iv) direito de participação na elaboração da legislação. Quanto a este último, a legislação prevê que as comissões podem se credenciar ao Ministério do Trabalho para fins de participação na elaboração das leis trabalhistas, ficando restrita tal participação, no entanto, à mera opinião por meio de emissão de pareceres[13] , e

c) Espanha: possui legislação bastante evoluída no tocante à representação dos trabalhadores no âmbito da empresa. Admite a existência de dois órgãos de representação coletiva nos locais de trabalho, os “delegados de pessoal” e os “comitês de empresa”, a depender da quantidade de trabalhadores representados (entre 10 e 50 ou mais de 50, respectivamente). Tanto os delegados de pessoal quanto os comitês de empresa detêm, por força de lei, prerrogativas de acesso à informações empresariais, gestão produtiva e de pessoal[14] . Além disso, é permitido aos delegados de pessoal e comitês de empresa promover diretamente a negociação coletiva quando se tratar de interesse de “âmbito inferior”[15] , devendo os sindicatos ou representantes sindicais assumirem as negociações mais amplas.

Percebe-se, assim, que estes países europeus adotam, com maior efetividade, a possibilidade de representação ampla de trabalhadores, seja pela via sindical ou pela própria representação direta, demonstrando que é possível aliar a atividade dos sindicatos com uma maior ligação aos interesses da base representada.

 

5) A representação de trabalhadores no Brasil – breve contexto histórico e disposições legais.

No Brasil, os primeiros movimentos tendentes a instituir a representação sindical de trabalhadores perante a empresa datam das primeiras décadas do século XX, com destaque especial às greves promovidas em São Paulo pela Federação Operária (1907), seguida de greves de trabalhadores das indústrias têxteis (1917)[16] .

As duas grandes guerras mundiais também tiveram grande importância na mudança dos modelos de Estado (liberal – intervencionista – Estado novo) e, com isso, nas alterações das relações de trabalho, muitas vezes precarizadas, o que motivou ainda mais mobilização coletiva e greves.

Algumas disposições legais começaram a surgir, ainda de forma embrionária, a fim de assegurar um mínimo de representação aos trabalhadores, tais como o Decreto-Lei 7.036/44, que instituiu a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA).

A Constituição de 1967 previu, pela primeira vez, a possibilidade de participação dos trabalhadores nos lucros e, excepcionalmente, nas decisões da empresa e, posteriormente, o Decreto-Lei 229/67 trouxe a criação de comissões mistas de consulta e colaboração no plano da empresa e participação nos lucros (inclusão do artigo 621[17] , à CLT).

No final da década de 1960 e começo dos anos 70, período chamado de “milagre econômico”, após a consolidação em território brasileiro de multinacionais, sobretudo do ramo automobilístico, que trouxeram consigo novos modelos de relação de trabalho, aliado à forte repressão estatal aos sindicatos, ganharam espaço as “comissões de fábrica”, ainda que de maneira informal.

Todas estas formas de representação apresentam-se como meios para efetivar garantias e direitos trabalhistas por via da participação ativa dos trabalhadores, seja com a participação do sindicato, seja na atuação direta no local de trabalho.

 

6) Alterações trazidas pela Lei 13.467/2017 – Lei de Reforma Trabalhista – e respectivas críticas à inovação legislativa.

Depois da aprovação em votação plenária pelas duas casas legislativas, fora sancionada pelo Presidente da República, Michel Temer, a Lei 13.467/2017, apelidada de “Reforma Trabalhista”, a qual alterou diversos dispositivos da CLT e, após o período de vacatio legis, entrará em vigor na data de 11/11/2017.

Dentre as alterações mais relevantes, encontra-se justamente a regulamentação da representação não sindical de trabalhadores no âmbito empresarial, por meio da inclusão do artigo 510-A ao diploma laboral, o qual prevê o quanto segue:

Art. 510-A. Nas empresas com mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de uma comissão para representá-los, com a finalidade de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores.
§1º A comissão será composta:
I – nas empresas com mais de duzentos e até três mil empregados, por três membros;
II – nas empresas com mais de três mil e até cinco mil empregados, por cinco membros;
III – nas empresas com mais de cinco mil empregados, por sete membros.
§2º No caso de a empresa possuir empregados em vários Estados da Federação e no Distrito Federal, será assegurada a eleição de uma comissão de representantes dos empregados por Estado ou no Distrito Federal, na mesma forma estabelecida no §1º deste artigo.

Percebe-se, assim, que a tão esperada regulamentação do artigo 11, da Constituição Federal, fora alcançada pela referida inclusão legal, permitindo, pois, a formação de comissões de representantes dos empregados no âmbito empresarial, sem qualquer vinculação sindical.

Mais adiante, o mesmo texto legal traz em seu bojo o artigo 510-B, que enumera as prerrogativas e atribuições da referida comissão de representantes dos empregados, estabelecendo que:

Art. 510-B. A comissão de representantes dos empregados terá as seguintes atribuições:
I – representar os empregados perante a administração da empresa;
II – aprimorar o relacionamento entre a empresa e seus empregados com base nos princípios da boa-fé e do respeito mútuo;
III – promover o diálogo e o entendimento no ambiente de trabalho com o fim de prevenir conflitos;
IV – buscar soluções para os conflitos decorrentes da relação de trabalho, de forma rápida e eficaz, visando à efetiva aplicação das normas legais e contratuais;
V – assegurar tratamento justo e imparcial aos empregados, impedindo qualquer forma de discriminação por motivo de sexo, idade, religião, opinião política ou atuação sindical;
VI – encaminhar reivindicações específicas dos empregados de seu âmbito de representação;
VII – acompanhar o cumprimento das leis trabalhistas, previdenciárias e das convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho.
§1º As decisões da comissão de representantes dos empregados serão sempre colegiadas, observada a maioria simples.
§2º A comissão organizará sua atuação de forma independente.

Percebe-se, pois, que a despeito de regulamentar o artigo 11, da Carta Magna, estabelecendo mecanismos para a criação de comissões de representantes dos empregados nos locais de trabalho, a inovação legislativa traz atribuições deveras superficiais às referidas comissões.

Com efeito, o mero papel reivindicatório e de mediação entre empregados e empregadores por certo não será suficiente para que a atuação das comissões encontre efetividade no plano prático.
Mais do que isso, far-se-ia necessária a autorização legal para que as comissões de representantes de empregados pudessem, de fato, participar ativamente na negociação coletiva e efetivar acordos coletivos em âmbito empresarial, como forma de privilegiar a representatividade das referidas comissões, diretamente atreladas à base de trabalhadores existente nos locais de trabalho.
Como é sabido e por vezes noticiado[18] , nem sempre a existência de uma relação formal de representação sindical corresponde à efetividade pretendida pelos empregados de uma categoria, especialmente pelo distanciamento existente entre os representantes sindicais e a base representada. Não é raro constatar situações nas quais os trabalhadores discordam das decisões e condutas adotadas pelo respetivo sindicato.

O modelo sindical brasileiro se apresenta de forma intrinsecamente ligada à representação por categorias, respeitada a unicidade sindical e a territorialidade.

Não são adotados por nosso ordenamento jurídico os Princípios da Liberdade Sindical e da Pluralidade Sindical, o que muitas vezes coloca os trabalhadores em situação de verdadeira ausência ou insuficiência de representação, haja vista a impossibilidade de efetivamente negociarem os termos que entendem devidos para sua condição específica de trabalho.

Por isso é que, ao tratar da regulamentação da representação de trabalhadores no âmbito da empresa, a recente Reforma Trabalhista pecou por não permitir que as comissões de representantes possam, de forma legítima, estabelecer negociações com os empregadores e obter, com isso, a segurança jurídica e a estabilização que tanto esperamos possam advir das relações trabalhistas.
No âmbito do Direito do Trabalho internacional, há estudos paradigmáticos que apontam para a possibilidade e necessidade de efetivação jurídica das chamadas “negociações coletivas atípicas”, assim compreendidas como aquelas que não necessariamente exigem a participação do sindicato para que possam ter validade.

Em obra intitulada “Negociação coletiva atípica[19] ”, a professora lusitana Maria do Rosário Palma Ramalho trata da questão de forma elucidativa. Na opinião da referida professora, estes acordos desafiam o monopólio sindical da negociação, mas têm contribuído para prosseguir vetores axiológicos importantes do direito do trabalho, como a uniformização mínima das condições de trabalho no seio das empresas, a estabilização das relações coletivas pela mediação dos interesses dos trabalhadores e da gestão, adaptação dos regimes laborais a conjunturas econômicas menos favoráveis e, por certo, a busca pela paz social[20] .

Todavia, definitivamente não parece ter sido esta a intenção do legislador.

Pelo contrário, discute-se, em paralelo à vacatio legis da Reforma Trabalhista, o texto de uma Medida Provisória[21] que deverá acrescentar alguns elementos à regulamentação da comissão de representantes de empregados nos locais de trabalho, por meio da qual pretender-se-á a inclusão do artigo 510-E, à CLT, com a seguinte redação:

“Art. 510-E. A comissão de representantes dos empregados não substituirá a função do sindicato de defender os direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas, restando obrigatória a participação dos sindicatos em negociações coletivas de trabalho, nos termos dos incisos III e VI do art. 8º da Constituição Federal”

Portanto, o que se percebe é o perpetuamento de um conceito de que apenas os sindicatos teriam condições de representar os interesses dos trabalhadores, relegando a segundo plano a possibilidade de que tal representação possa ser obtida, até mesmo com maior eficácia, pelos próprios trabalhadores organizados em âmbito empresarial.

 

7) Considerações Finais

Diante dos conceitos traçados ao longo do trabalho, bem como da análise comparativa feita com base na legislação alienígena, conclui-se que o ordenamento jurídico brasileiro, a despeito de sempre ter se inspirado em normas internacionais de proteção ao trabalho que versam com maior propriedade sobre a representação de trabalhadores no local de trabalho, tardou a regulamentar o disposto no artigo 11, da Constituição Federal, que estabelecia o direito de representação de trabalhadores no local de trabalho.

Não obstante, a despeito de a Reforma Trabalhista ter se proposto a criar mecanismos para estabelecer a representação de trabalhadores nos locais de trabalho, pecou ao deixar de conferir maior representatividade para que as comissões de representantes possam estabelecer acordos com eficácia e validade jurídica junto aos empregadores.

Ao nosso sentir, a representação de trabalhadores nos locais de trabalho não deve ficar adstrita ao mero poder de reivindicação, mas deve também autorizar sejam entabuladas negociações específicas no âmbito empresarial, com a participação direta das comissões de trabalhadores diretamente eleitos, não significando, necessariamente, que tal autorização possa enfraquecer os sindicatos.

Ao contrário dos argumentos contrários a esta condição, entendemos que a representação coletiva nos locais de trabalho fortalece, inclusive, o ativismo sindical, já que permite aos sindicatos alcançar a compreensão exata das reivindicações específicas feitas pela base representada, permitindo, assim, uma maior efetividade dos direitos e garantias trabalhistas.
Ora, mais do que a preservação dos sindicatos, o ordenamento jurídico trabalhista deve zelar e dar preferência à efetivação dos anseios dos trabalhadores, os quais, muitas vezes, não encontram correspondência na atuação sindical.

O tema ganha especial relevância em um cenário de crise econômica, no qual empresas buscam alternativas para manter suas atividades e postos de trabalho, ao passo que trabalhadores sofrem com altos índices de desemprego e, muitas vezes, com a falta de representatividade sindical apta a garantir-lhes seus reais interesses.

A chamada autonomia coletiva decorre de uma das mais importantes funções do sindicato. A valorização da negociação coletiva é condição do exercício da democracia. As normas coletivas, junto com a lei, compõem um sistema de direitos e de proteção para os trabalhadores. No entanto, só se pode falar em autonomia coletiva quando esta efetivamente se traduz na vontade dos representados.

O fim maior de permitir essa espécie de negociação (intraempresarial, por comissão de trabalhadores) é justamente ressoar a harmonia social, preconizada no preâmbulo da Constituição, com a solução pacífica das controvérsias.

Os avanços, com a conscientização da classe trabalhadora e incentivo de fomentar a informação por parte da ala patronal, devem ser vistos com bons olhos, dando abertura a ambos os lados da relação de trabalho na solução de conflitos e tomada de decisões.

Este modelo se apresenta como um importante mecanismo de democratização das relações que possibilita a busca pela emancipação dos trabalhadores e pela função social da sociedade privada.
Ainda, desconstrói ou, ao menos, ameniza a ideia fixa da judicialização excessiva de conflitos, e, de outro lado, aumenta a crença na independência dos trabalhadores, eis que não existe norma coletiva ou sentença normativa que possa alcançar a realidade particular de forma tão próxima quando se trata de tutelar categorias tão amplas, como pretendem os sindicatos.

 


 

Notas

[1] SIQUEIRA NETO, José Francisco. Liberdade sindical e representação dos trabalhadores nos locais de trabalho. São Paulo: LTr, 1999. p. 57.

[2] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…) omissis;
XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

[3] VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; (g.n.)
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (g.n.)
XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; (g.n.)

[4] Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
(…) omissis;
VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;

[5] SIQUEIRA NETO, José Francisco. Liberdade sindical e representação dos trabalhadores nos locais de trabalho. São Paulo: LTr, 1999. p. 57.

[6] SILVA, Walküre Lopes Ribeiro da. Representação e participação dos trabalhadores na gestão da empresa. São Paulo: LTr, 1988, p. 11.

[7] BORTOLOTTO, Rudimar Roberto. Os aspectos da representatividade no atual direito sindical brasileiro. São Paulo: LTr, 2001.

[8] COSTA, Carlos Eduardo Dantas. Organização e representação de trabalhadores no local de trabalho. In Suplemento Trabalhista 021/14. São Paulo: LTr, 2014. p. 91.

[9] CF. Art. 7. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei (g.n.);

[10] CF. Art. 11. Nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores (g.n.).

[11] CLT. Art. 617. Os empregados de uma ou mais empresas que decidirem celebrar Acordo Coletivo de Trabalho com as respectivas empresas darão ciência de sua resolução, por escrito, ao Sindicato representativo da categoria profissional, que terá o prazo de 8 (oito) dias para assumir a direção dos entendimentos entre os interessados, devendo igual procedimento ser observado pelas empresas interessadas com relação ao Sindicato da respectiva categoria econômica.
§1°. Expirado o prazo de 8 (oito) dias sem que o Sindicato tenha se desincumbido do encargo recebido, poderão os interessados dar conhecimento do fato à Federação a que estiver vinculado o Sindicato e, em falta dessa, à correspondente Confederação, para que, no mesmo prazo, assuma a direção dos entendimentos. Esgotado esse prazo, poderão os interessados prosseguir diretamente na negociação coletiva até o final.(g.n.)

[12] SIQUEIRA NETO, José Francisco. Liberdade sindical e representação dos trabalhadores nos locais de trabalho. São Paulo: LTr, 1999. págs. 220-222.

[13] Idem, págs. 250-258.

[14] Idem, págs. 282-290.

[15] Neste sentido, transcreve-se o teor do artigo 87, do Estatudo de los Trabajadores:
Artículo 87. Legitimación – Estarán legitimados para negociar:
1. En los convenios de empresa o ámbito inferior: el comité de empresa, delegados de personal, en su caso, o las representaciones sindicales si las hubiere.

[16] FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social citado por Walküre Lopes Ribeiro da Silva apud Representação e participação dos trabalhadores na gestão da empresa. São Paulo: LTr, 1988. p. 158

[17] CLT. Art. 621. As Convenções e os Acordos poderão incluir entre suas cláusulas disposição sobre a constituição e funcionamento de comissões mistas de consulta e colaboração, no plano da empresa e sobre participação, nos lucros. Estas disposições mencionarão a forma de constituição, o modo de funcionamento e as atribuições das comissões, assim como o plano de participação, quando for o caso.

[18] A título de exemplo neste particular, destaca-se notícia recentemente veiculada pela revista eletrônica Istoé (com informações prestada pelo jornal O Estado de S. Paulo) em 06/08/2016, contendo a manchete “Trabalhadores contra o sindicato”, por meio da qual relatou-se a ocorrência de um protesto iniciado por trabalhadores de uma fábrica de sapatos em Franca/SP. Segundo a notícia, mais de 400 trabalhadores discordavam da postura do sindicato de não aceitar propostas feitas pela empresa, dentre as quais estavam a sugestão de redução da jornada de trabalho para evitar demissões. O inteiro teor da referida notícia encontra-se disponível para consulta em http://istoe.com.br/trabalhadores-contra-o-sindicato/

[19] RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Negociação coletiva atípica. Coimbra: Almedina, 2009.

[20] Idem. p. 26

[21] Conforme notícia veiculada no site do jornal Valor Econômico, em 13/07/2017, intitulada “Governo divulga minuta de MP com mudanças na reforma trabalhista”, disponível para consulta eletrônica em: http://www.valor.com.br/politica/5037574/governo-divulga-minuta-de-mp-com-mudancas-na-reforma-trabalhista


 

Referências Bibliográficas

BORTOLOTTO, Rudimar Roberto. Os aspectos da representatividade no atual direito sindical brasileiro. São Paulo: LTr, 2001.

COSTA, Carlos Eduardo Dantas. Organização e representação de trabalhadores no local de trabalho. In Suplemento Trabalhista 021/14. São Paulo: LTr, 2014.

FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social citado por Walküre Lopes Ribeiro da Silva apud Representação e participação dos trabalhadores na gestão da empresa. São Paulo: LTr, 1988.

JOÃO, Paulo Sergio. Negociações coletivas de trabalho no Brasil. In Temas Laborais Luso-Brasileiros (FORJAS, Paula; SILVA, J A Ferreira da; MADEIRA, Auta; CORREIA, Nilton. Coods). Coimbra:

Editora Coimbra – JUTRA, 2007.
___________________. O fim da unicidade sindical no Brasil. Jornal Valor Econômico. Caderno Legislação & Tributos. São Paulo: 03/01/2008.
___________________. Relação de trabalho em busca de resultados. MIGALHAS. Texto publicado em 09 de fevereiro de 2011.

RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Negociação coletiva atípica. Coimbra: Almedina, 2009.

SILVA, Walküre Lopes Ribeiro da. Representação e participação dos trabalhadores na gestão da empresa. São Paulo: LTr, 1988.

SIQUEIRA NETO, José Francisco. Liberdade sindical e representação dos trabalhadores nos locais de trabalho. São Paulo: LTr, 1999.

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