quinta-feira,28 março 2024
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O Direito e o ecossistema das startups

Diante da velocidade de propagação da tecnologia e do desenvolvimento de novos institutos, a startup surge como uma nova modalidade de empresa, demandando uma maior reciclagem e proteção jurídica, porquanto o advogado é um importante elemento deste ecossistema empreendedor.

Introdução

Em poucas palavras, ecossistema significa o sistema onde se vive. É um termo que deriva das ciências biológicas.

Contudo, é bastante utilizado no contexto empresarial para designar o conjunto de empresas nascentes e inovadoras que atuam em determinado local, por meio de interação com os hábitos de consumo existentes, com o auxilio de diversos agentes (aceleradoras, investidores, advogados, governos e entidades, incubadoras e etc.) em um cenário de riscos e incertezas.

O objetivo do presente trabalho é analisar este ecossistema empreendedor, as suas origens e diferenças em comparação as empresas tradicionais, realçando ao final, a importância de profissionais capacitados para um sistema estável, equilibrado e autossuficiente.

Desta forma, como veremos no decorrer do trabalho, é bastante recomendável aos empreendedores compreenderem que os institutos jurídicos e a advocacia preventiva existem para sua proteção, como verdadeiros investimentos e não custos, além da necessidade de uma maior profissionalização em seus métodos, com uso do MVP e um plano de negócios escalável e coeso.

Origem e breve histórico

Na década de 70 o termo já era usado para definir as pequenas empresas inovadoras nos EUA.

A sua evolução, conforme disserta o estudioso Bruno Feigelson [1]:

“passa a acompanhar, de certa forma, o surgimento e a propagação da internet. O marco histórico de origem das empresas desenvolvidas com fundamento nessa tecnologia é o ano de 1993, data de criação do navegador Mosaic. A partir de então, sucedeu-se a fundação de diversas empresas deste tipo…Exemplos marcantes de stratups fundadas nesse período são a Yahoo! E a Amazon”

Porém, a sua notoriedade mundial ocorreu após o evento denominado de “bolha da internet”.

A “bolha da internet” ou “bolha das empresas.com” foi uma:

“bolha especulativa criada no final da década de 1990, caracterizada por uma forte alta das ações das novas empresas de tecnologia da informação e comunicação (TIC) baseadas na Internet. Essas empresas eram também chamadas “ponto com” (ou “dot com”), devido ao domínio de topo “.com” constante do endereço de muitas delas na rede mundial de computadores.

No auge da especulação, o índice da bolsa eletrônica de Nova Iorque, a Nasdaq, chegou a alcançar mais de 5000 pontos, despencando pouco tempo depois. Considera-se que o auge da bolha tenha ocorrido em 10 de março de 2000. Ao longo de 2000, ela se esvaziou rapidamente, e, já no início de 2001, muitas empresas “ponto com” já estavam em processo de venda, fusão, redução ou simplesmente quebraram e desapareceram” [2]

Nesta época surgiram inúmeras empresas de comércio eletrônico no mercado internacional, com atuação na rede mundial de computadores, e uma crescente valorização de ações referente à tecnologia e as empresas deste setor.

Contudo, ludibriados com o novo nicho de negócios proporcionado pela internet muitas empresas de comércio ignoraram completamente os preceitos básicos de economia, acreditando no mantra de que qualquer coisa podia ser vendida on line.

“Exemplo clássico dessa abordagem foram às empresas que tentaram usar um modelo de cortador de biscoitos para espalhar suas marcas no mapa global. Muitas delas simplesmente ignoraram as regras básicas de diligência em relação ao mercado-alvo e potenciais clientes no que diz respeito ao mercado e às necessidades locais. Se uma ideia fosse bem sucedida nos E.U.A., supunha-se que pudesse ser também em outras partes do mundo, o que acabou não acontecendo” [3]

Desta forma, surgiu a chamada bolha especulativa, onde os preços que normalmente têm um produto industrial, financeiro ou tecnológico sofreram um aumento muito rápido e elevado, frisa-se, de forma irreal, desviando-se do seu valor intrínseco, motivado por rumores ou notícias de lucros importantes no futuro.

Em meados de 2001 cessou a referida bolha econômica. Grande parte das empresas.com encerraram suas atividades após exaurir seu capital de risco, sem ao menos obter qualquer lucro.

A partir dai, mostrou-se imprescindível a necessidade de um aporte consultivo jurídico e financeiro aos novos negócios, aliados a um plano de negócios coeso e ao MVP, objetos de estudos nos próximos tópicos.

Conceito prático

Analisando a doutrina sobre o tema vemos que as startups podem ser consideradas: (i) empresas com um peculiar empreendimento; ou (ii) estágio de uma, uma fase embrionária.

Sob o prisma de empresas, o autor Eric Ries [4] as define como:

“uma instituição humana projetada para criar novos produtos e serviços sob condições de extrema incerteza”

Para outros estudiosos, é considerada uma fase da empresa, aquelas em fase preliminar de desenvolvimento, conforme lecionam Cumming e Johan [5].

Estes autores entendem que há um protótipo de negócio, uma mera organização com ideias inovadoras, sem que haja um produto ou serviço já lançado no mercado.

A Lei Complementar nº 167/19, publicada em 25/04/2019, estabelece incentivos tributários e financeiros a startups por meio da criação do Inova Simples. Em 24/03/2020, foi publicada a Resolução nº 55/2020, cujo teor complementa a mencionada legislação. A legislação traz algo inédito, que é conceituar o que é uma startup:

“Art. 65-A. É criado o Inova Simples, regime especial simplificado que concede às iniciativas empresariais de caráter incremental ou disruptivo que se autodeclarem como startups ou empresas de inovação tratamento diferenciado com vistas a estimular sua criação, formalização, desenvolvimento e consolidação como agentes indutores de avanços tecnológicos e da geração de emprego e renda.
§ 1º Para os fins desta Lei Complementar, considera-se startup a empresa de caráter inovador que visa a aperfeiçoar sistemas, métodos ou modelos de negócio, de produção, de serviços ou de produtos, os quais, quando já existentes, caracterizam startups de natureza incremental, ou, quando relacionados à criação de algo totalmente novo, caracterizam startups de natureza disruptiva.
§ 2º As startups caracterizam-se por desenvolver suas inovações em condições de incerteza que requerem experimentos e validações constantes, inclusive mediante comercialização experimental provisória, antes de procederem à comercialização plena e à obtenção de receita”

Tentando conciliar esta exaustiva discussão, consideramos startup uma empresa protótipo, em seu estagio inicial de desenvolvimento e em processo de constituição, carente de processos internos e organização, com perfil inovador, altamente dependente do capital: humano (intelectual) e de terceiros (investimentos), bem como, da tecnologia, emergida em condições de risco e incertezas (mercado pouco explorado) tendo como finalidade primordial a criação e o desenvolvimento de produto ou serviços inéditos no mercado.

Requisitos e elementos intrínsecos

Todavia, mais importante que esboçar sua definição, que pode variar devido à falta de um consenso jurídico sobre o tema, é necessário analisar a rotina destas inovadoras empresas e analisar os seus requisitos e elementos intrínsecos que as diferenciam das empresas comuns.

Preliminarmente, cumpre dizer que a startup é anterior à própria ideia do negócio, constituindo-se uma fase probatória de produtos e serviços, frisam-se inovadores, com o objetivo de serem lançados no mercado.

Já as empresas comuns, não estão preparadas para as incertezas e riscos de mercado, em face do seu alto custo (funcionários, impostos e etc) optando por atuarem em um mercado sólido e já conhecido, disputando espaço com outras empresas do mesmo ramo.

Como bem frisado por Cristiano Freitas [6], CEO da Syhus Contabilidade, as empresas comuns ao contrário da inovação oferecida pelas startups, optam pelo tradicionalismo, preferindo:

“atuar em mercados consolidados com soluções já conhecidas; oferecer produtos ou serviços para um público-alvo já existente; produzir uma demanda que já é atendida”

Feita estas pequenas considerações, passemos a analisar os seus requisitos, devendo possuir os seguintes elementos.

A inovação, com perfil inovador e disruptível: não há processos internos e organização. É movida pelo ímpeto de vender uma ideia, produto ou serviço inovador no mercado.

Para tanto, se utiliza de técnicas como o MVP [7] para observar e coletar dados sobre clientes e criar situações práticas de negócio para aferição de preços, funcionalidades, para a inserção de uma solução inovadora no mercado.

Escalável, com uso de tecnologia: o produto ou a ideia deve ser escalável e repetível, ou seja, facilmente expandido e distribuído ao mercado, de forma ilimitada e uniforme, para inúmeros clientes (como um aplicativo, e demais plataformas digitais), com um rápido crescimento, sem que isso interfira no custo da empresa. A intenção é alcançar uma economia de escala. Por essa razão, dificilmente optaram por serviços customizados.

Ambiente de extrema incerteza: mercado pouco explorado, porém com riscos. Não se confunde com modelo de negócios pequenos, já consolidados, como uma padaria. O ineditismo se faz presente, ainda que seja de forma parcial, tornando a atividade dos empreendedores bastante incerta.

Tipos de investimento: bootstrapping, investimento-anjo, capital de risco e agências de fomento

Atuando em um mercado de risco e incerto as startups em cada fase de seu desenvolvimento pode ser financiada de diversas maneiras.

O investimento inicial pode ser denominado de capital semente, para atingir um patamar financeiro para o exercício de suas atividades, focados exclusivamente no desenvolvimento de seu produto e/ou serviço principal, ou receba novos aportes financeiros.

Investimento próprio (bootstrapping)

Na criação destas empresas o empreendedor não se utiliza de capital externo, procurando utilizar de capitais próprios ou faz empréstimos pessoais para lançar o seu negócio, com poucos gastos.

Além do aporte financeiro próprio, caracterizam-se por extrair de cada fundador suas capacidades individuais e tempo para tracionar o negócio, em seu estágio inaugural, por meio de prospecção de investidores.

Veja-se o exemplo de empresas como a Apple, Amazon e Google, que começaram suas atividades em verdadeiras garagens, pequenas, com baixos custos e hoje são referência no mercado onde atuam.

Investimento-Anjo

Lançadas no mercado, as startups nascentes com potencial de crescimento (emergentes) entenda-se, plano de negócios escalável, são objetos desta espécie de investimento que se caracteriza:

“1. É efetuado por profissionais (empresários, executivos e profissionais liberais) experientes, que agregam valor para o empreendedor com seus conhecimentos, experiência e rede de relacionamentos além dos recursos financeiros, por isto é conhecido como smart-money.
2. Tem normalmente uma participação minoritária no negócio.
3. Não tem posição executiva na empresa, mas apoiam o empreendedor, atuando como um mentor/conselheiro.
O Investimento com recursos de terceiros é chamado “gestão de recursos”. É efetivado por fundos de investimento e similares, sendo uma modalidade importante e complementar a de Investimento-Anjo, normalmente aplicado em aportes subsequentes.
O Investidor-Anjo é normalmente um (ex)-empresário/empreendedor ou executivo que já trilhou uma carreira de sucesso, acumulando recursos suficientes para alocar uma parte (normalmente entre 5% a 10% do seu patrimônio) para investir em novas empresas, bem como aplicar sua experiência apoiando a empresa. Importante observar que diferentemente que muitos imaginam, o Investidor-Anjo normalmente não é detentor de grandes fortunas, pois o investimento-anjo para estes seria muito pequeno para ser administrado.
Importante observar que o investimento-anjo não é uma atividade filantrópica e/ou com fins puramente sociais. O Investidor-Anjo tem como objetivo aplicar em negócios com alto potencial de retorno, que consequentemente terão um grande impacto positivo para a sociedade através da geração de oportunidades de trabalho e de renda. O termo “anjo” é utilizado pelo fato de não ser um investidor exclusivamente financeiro que fornece apenas o capital necessário para o negócio, mas por apoiar ao empreendedor, aplicando seus conhecimentos, experiência e rede de relacionamento para orientá-lo e aumentar suas chances de sucesso.
O investimento-anjo em uma empresa é normalmente feito por um grupo de 2 a 5 investidores, tanto para diluição de riscos como para o compartilhamento da dedicação, sendo definido 1 ou 2 como investidores-líderes para cada negócio, para agilizar o processo de investimento. O investimento total por empresa é em média entre R$ 200 mil a R$ 500 mil, podendo chegar até R$ 1 milhão” [8]

São de fundamental importância para o crescimento sustentável dos seus negócios.

Capital de risco

São aportes de capital de forma direta ou por meio de fundo de investimentos para aquisição de participações em empresas não listada em bolsas de valores, geralmente minoritária, com o objetivo de ter ações valorizadas para posterior saída da operação.

O capital de risco pode ser classificado como venture capital ou private equity, de acordo com o tipo de empresa receptora dos investimentos.

Venture capital. Em geral, considera-se venture capital o investimento em empresas em estágio inicial, com potencial de geração de receitas e lucros ainda incerto, e possivelmente dependente de um produto, tecnologia ou mercado que não tenha sido inteiramente testado como proposição de negócios. O risco deste investimento tende a ser maior em comparação ao de private equity. São os mais comuns nas startups.

Private equity. Investimento em empresas, mais maduras, em processo de consolidação no mercado, que possam oferecer oportunidades de retorno em razão de uma potencial reestruturação societária, alteração na estrutura de capital, mudança de gestão, dentre outros.

Em geral, o produto ou serviço prestado pela empresa receptora já é plenamente aceito pelo mercado. Este investimento antecede a entrada dessas empresas na bolsa de valores.

Na espécie, a empresa gestora, que detém os investimentos adquiri uma participação societária na empresa investida, se tornando um sócio, a fim de alavancar os seus resultados. Tem como objetivo final dar-lhe um valor de mercado significativo.

A qualidade da gestão é aprimorada, com a profissionalização da equipe, com melhoria da credibilidade e imagem institucional da empresa. Não há somente o acréscimo do capital a empresa beneficiada.

Há ainda, os denominados investimentos: (i) LoveMoney; onde o capital é investido, em função da pessoa do empreendedor e seu potencial e não diretamente no potencial mercadológico de sua startup, (ii) Smartmoney; onde o investidor é também um mentor, contribuindo com seu know-how com o intuito de tracionar o negócio da empresa.

Agencias de fomento

E, por fim, há os investimentos por meio de agencias de fomento, como a FINEP [9].

O crescimento econômico e a competitividade no mercado internacional de um país dependem muito do fomento a criação de empresas inovadoras e de base tecnológica.

Portanto, a consolidação de investimentos dessa natureza mostra-se estratégico, para um crescimento sustentável da economia.

Formas de desenvolvimento

Incubadoras

São organizações sem fins lucrativos, geralmente formadas por meio de convênios ou termos de cooperação firmada entre várias instituições como universidades, institutos de pesquisas, prefeituras, empresas, associações de classe e etc., com o intuito de difundir e desenvolver uma cultura empreendedora para os novos negócios.

Para atingir seus propósitos, elas oferecem por tempo limitado, uma infraestrutura, suporte técnico, gerencial e logística para o desenvolvimento das startups emergentes, no que tange aos produtos e serviços.

Trata-se de processo de fundamental importância para a maturidade e consolidação dessas empresas, de modo a lhe proporcionar competividade no mercado.

A preocupação aqui é apenas dar viabilidade ao seu plano de negócios, como se fosse um estágio, para o ingresso de um universitário ao mercado. Não há investimento nestas empresas, tampouco o intuito de lucro na espécie.

Aceleradoras

As principais diferenças com relação às incubadoras residem no fato de que nas aceleradoras o lucro é um dos objetivos principais.

Deste modo, há um processo de inscrição de seleção altamente competitivo onde os investidores oferecem aporte de recursos financeiros e serviços de capacitação e mentoria intensiva em troca de participação societária na empresa escolhida.

Tem como objeto as startups com plano de negócios escalonáveis, porquanto os investidores almejam obter com a participação na empresa, resultados relevantes em curto prazo, para manterem o seu suporte e investimento.

Tipos de startups

Elas aparecem de várias formas e propostas.

Contudo, devem estar presentes os seus requisitos estudados no tópico anterior quais sejam, inovadores, escaláveis e com uso de tecnologia.

Em geral, variam de acordo com o serviço que prestam e o nicho de mercado onde atuam.

Nesse cenário, destacamos as:

Fintechs

Formado pela combinação dos termos financial e technology (finanças e tecnologia, da língua inglesa) tem o objetivo de simplificar, inovar e otimizar os serviços do sistema financeiro, por meio de uso intensivo da tecnologia, como aplicativos, inteligência artificial e etc.

Possuem custos operacionais bem inferiores e menor burocracia em suas operações em comparação as instituições financeiras tradicionais do setor.

Lawtechs/legaltech

Compreende-se pela junção dos termos law e technology (Direito e tecnologia, da língua inglesa) tem a finalidade de ser uma plataforma digital para conectar pessoas a justiça, por meio de uma intermediação ágil e moderna perante os advogados, bem como, oferecer informações acessíveis na esfera jurídica ao publico leigo.

Caracterizam-se também por oferecerem serviços jurídicos com uso de tecnologia, software e inteligência artificial, para a logística do exercício da advocacia, que podem ser usadas tanto pelos clientes quanto pelo setor jurídico de uma empresa/escritório.

Todas elas são movidas pela ambição de oferecer soluções rápidas, com otimização de tempo e estreitamento de relacionamentos entre clientes/profissionais e usuários, por meio do uso da tecnologia.

A importância da assessoria jurídica e os processos de regularização

Conforme frisado em tópico anterior, a startup, é uma empresa embrionária, ainda em processo de constituição.

Portanto, é uma fase temporária, até atingir uma maturidade comercial, qual seja, oferecer um modelo de negócios repetíveis e escaláveis que sejam novidades e que atendam efetivamente as necessidades do mercado.

O consumidor, as preferências, carências e tendências de consumo são profundamente estudados para que o produto ou serviço seja lançado para a sociedade de consumo, com o maior grau de satisfação e qualidade possível, por meio de planos de marketing, desenvolvimento do MVP e etc.

Os altos riscos, o tempo depreendido no estudo e desenvolvimento do negócio, o receio da burocracia fazem com que a formalização dessas empresas seja postergada.

Deste modo, muitos empreendedores questionam: “qual seria o melhor momento para formalizar minha empresa?”, ou seja, a criação da pessoa jurídica que irá exercer a atividade empresarial proposta.

De início, cumpre asseverar que se trata de uma decisão estratégica dos seus fundadores, que deveram ter ciência do tempo para a sua constituição e dos custos fixos que deverão arcar adiante, em razão da contabilidade que precisará ser efetivamente declarada.

As bancas ao serem consultadas pelos fundadores das startups sobre a constituição da sociedade,  precisam avaliar se o estágio do negócio demanda tal providência e propor alternativas.

Considerando o cenário típico, num primeiro momento do projeto, startups podem dispensar a constituição formal (contrato social), o que não significa dizer que os participantes do projeto estarão desassistidos, se amparados em um bem redigido Memorando de Entendimentos com cláusulas de Confidencialidade, na qual iremos analisar adiante.

Todavia, já nos adiantando, este documento serve para alinhar os interesses dos empreendedores e estipular algumas regras da relação de comunhão de esforços, como: percentuais de participação, atividades, local, frequência, responsabilidades, poderes, dever de sigilo, dentre tantas outras previsões que merecem ser exploradas e analisadas desde os estágios iniciais, visando a sua estabilidade e perenidade.

Superada esta fase, deve-se avaliar a mais adequada estratégia de constituição formal da sociedade, qual seja, a sociedade limitada (LTDA) ou quem sabe uma sociedade por ações (SA).

É mais comum a constituição formal de uma startup por meio de uma “sociedade limitada”, pelas mesmas razões que fazem deste o modelo mais utilizado no Brasil: flexibilidade de contratação, estrutura de governança enxuta e, especialmente, a limitação de responsabilidade dos sócios. Em contrapartida, uma de suas grandes limitações é inadequação do tipo para uma sociedade com grande número de sócios, cujo volume de transações demande (estrategicamente) tornar público certos atos. Nesse contexto, a Sociedade Anônima está mais bem aparelhada e estruturada.

Quanto aos aspectos favoráveis a constituição de limitada, em face da sua característica de sociedade de pessoas, mostra-se mais conveniente no seu estágio inicial, onde as ideias dos negócios ainda estão sendo desenvolvidas, dando suporte à expertise dos seus fundadores e a inovação, de modo menos burocrático e custoso.

Doutra parte, com a consolidação e maturidade de seu negócio, e consequente crescimento, faz surgir à necessidade de receberem um aporte de investimentos sem que isto resulte na alteração do controle, o que acaba muitas vezes por justificar a adoção do tipo societário das sociedades anônimas.

Como se vê, há uma porção de variáveis a serem consideradas quando da escolha do tipo societário. O advogado, nesse mister, deve ser um parceiro comercial, e um portfólio de gestão, indo além de seu conhecimento jurídico para auxilia-las, em especial, na esfera preventiva, com um minucioso planejamento jurídico para a consolidação de seus negócios.

Ao propor o modelo jurídico adequado à determinada conjuntura, aliado com a avaliação do cenário econômico, o gestor jurídico com sua solução técnica que atenda aos propósitos empresariais, destaca-se como um importante direcionador de valor.

Observe, nesta temática, a importância dos advogados da Apple recrutados para defendê-la em ações de quebra de patentes por concorrentes, bem como do recente imbróglio com o FBI sobre a segurança e criptografia (dados pessoais) dos seus usuários. Gerenciar a reputação da empresa ao longo do seu processo produtivo é de suma importância e um desafio aos gestores jurídicos.

Partindo desta premissa, mostra-se recomendável que a formalização seja necessária a partir do momento em que essas empresas possuam uma receita recorrente. Isto porque, caso venham a ser demandadas judicialmente, antes de sua constituição, o seus fundadores responderão pessoalmente, com seus próprios patrimônios.

Doutra parte, a formalização propiciará um meio para expandir suas atividades, obter melhores recursos, além de uma maior confiança a seus investidores.

Procedimento de regularização

Em resumo, o procedimento de sua regularização começa com:

Registro

É necessário fazer o registro da empresa perante a junta comercial munida do contrato social e demais documentos.

Para a definição de sua estrutura societária seus fundadores deveram ater-se as peculiaridades de seu modelo de negócios, seus objetivos e atual estágio de desenvolvimento de seu projeto, mediante uma análise estratégica, para escolher o melhor modelo societário a sua empresa (Ltda, S/A, e etc).

Alguns casos, o investidor não tem interesse em ser sócio da startup, novel, porquanto não tem certeza de que seu negócio irá prosperar.

Uma medida interessante para este tipo de situação seria utilizar o contrato de mútuo conversível em participações societárias ou o contrato de opção de compra, como bem explica o advogado e estudioso Plinio [10]:

“Uma solução interessante para não se tornar sócio da empresa nessa fase inicial seria utilizar o contrato de mútuo conversível em participações societárias ou o contrato de opção de compra. Basicamente, os dois instrumentos contratuais possuem o mesmo objetivo, que consiste na realização de aporte financeiro em startups, com a possibilidade de converter esse investimento em participações societárias no futuro. A diferença é que o primeiro contrato trata-se de uma espécie de mútuo, no qual o investidor compra uma dívida da empresa investida, que poderá ser convertida em participação societária, enquanto no segundo contrato, o investidor aporta recursos na empresa para no futuro se tornar sócio caso o negócio venha a prosperar”

Posteriormente, é emitido perante a receita federal, o respectivo cadastro nacional de pessoas jurídicas (CNPJ) bem como, o cadastro perante o INSS.

Inscrição municipal e estadual

Após a obtenção do CNPJ, a empresa deve providenciar a sua inscrição municipal e estadual, de cunho obrigatório.

Alvará de funcionamento

Será exigido caso a startup possua algum estabelecimento físico, consistindo na autorização de funcionamento concedido pelo município.

Fase de pré-constituição

Sem embargos da necessidade de sua constituição, o aporte jurídico e consultivo do profissional do Direito mostra-se imprescindível mesmo antes de sua existência na esfera jurídica, na fase embrionária.

O diagnóstico jurídico preciso e adequado de uma licença de tecnologia e da proteção da marca, dos nuances de um contrato, a correta tributação de uma operação, obrigações trabalhistas, as relações com investidores, fornecedores, funcionários, clientes e governo, de modo a contingenciar os riscos envolvidos, é direcionador de valor para as empresas.

Assim sendo, como o auxilio de um parceiro jurídico, nesta fase de pré-existência, destacamos o memorando de entendimentos (MOU), como importante ferramenta estratégica.

Memorando de entendimentos

Trata-se de um documento, preparatório a elaboração do contrato social, de natureza pré-contratual, contendo por minúcia os interesses, as obrigações e os deveres de cada um dos seus fundadores, conforme as diretrizes do projeto e fins da empresa.

É uma ferramenta importante, porquanto representa uma segurança jurídica, complementando o futuro contrato social e ao mesmo tempo, oferece credibilidade institucional à empresa, antes mesmo de sua constituição, como forma de atrair investidores.

Engloba-se, ainda, no contexto deste primordial documento, questões como:

“definições e princípios preambulares, o objeto e a finalidade da empresa, a divisão da participação e a responsabilidade dos sócios e termos societários como vesting (aquisição progressiva de quotas), direito de preferência e confidencialidade” [11]

Denota-se de todo o exposto a importância de um aporte jurídico preventivo as startups ainda na sua fase embrionária, como forma de garantir a sua constituição, de forma sustentável e com menores riscos, favoráveis a sua própria subsistência no mercado.

Conclusão

A evolução do conceito de startup acompanhou de certa forma, o período de surgimento e a propagação da rede mundial de computadores.

Nesta época, surgiram inúmeras empresas de TI no mercado internacional, com atuação na web, e uma acentuada valorização de ações referente à tecnologia e ao comércio eletrônico.

Contudo, ludibriados com o novo nicho de negócios proporcionado pela internet muitas delas ignoraram completamente os preceitos básicos de economia, acreditando no mantra de que qualquer coisa podia ser vendida on line.

Deste modo, conforme salientamos muitas foram encerradas, por falhas no seu plano de negócios, bolhas especulativas e etc.

A partir dai, mostrou-se imprescindível a necessidade de um aporte consultivo jurídico e financeiro aos novos negócios, aliados a um plano de negócios coeso e MVP, pois o mercado, as tendências de consumo e o próprio consumidor devem ser estudados, com minúcias, de forma estratégica e profissional.

Vivemos na era de incertezas, em mundo de relacionamentos conectados, em constante e rápida transformação, portanto, disruptível, em especial, na seara das relações comerciais e de consumo.

Há escassez de tempo e recursos. As startups são uma amostra da necessidade de se proporcionar serviços ágeis e sem burocracia para atender a um determinado nicho de mercado.

O empreendedorismo proporcionado pelas startups e seus investimentos em tecnologias, de modo a criar um ambiente próspero para a originalidade, agregam riqueza contínua e duradoura, uma vez que diversificam as exportações de um país, que não pode ficar restrito as oscilações do seu mercado de commodities.

O Direito, enquanto ciência social está também em constante evolução, e dessa maneira, deve acompanhar as transformações e complexidades do mercado.

Na esfera jurídica, a proteção deve ser dada antes de tudo ao negócio, como preparação prévia a constituição das empresas.

O diagnóstico jurídico preciso e adequado de uma licença de tecnologia e da proteção da marca, dos nuances de um contrato, a correta tributação de uma operação, obrigações trabalhistas, as relações com investidores, fornecedores, funcionários, clientes e governo, de modo a contingenciar os riscos envolvidos, é direcionador de valor para as empresas em processos de constituição, como as startups.

Para uma melhor compreensão do que seja direcionador de valor, é preciso analisar o binômio: vantagens competitivas/custos.

A globalização da economia é um grande desafio, porquanto passa a exigir maior competência da gestão empresarial.

Uma reflexão sobre vantagens competitivas é fundamental para a continuidade dos negócios. Reduzir custos, atualmente, é muito mais do que cortar números, é saber identificar as deficiências do próprio negócio e a contingenciar riscos.

No atual cenário econômico, as empresas brasileiras estão convivendo com vários desafios que as expõem ao risco da descontinuidade, especialmente, no que tange aos aspectos jurídicos do negócio.

O ímpeto de um novo empreendimento sem o suporte de um plano de negócios com a avaliação prévia dos reflexos jurídicos que circundam a atividade empresarial pode comprometer a curto, médio, ou longo prazo uma ideia promissora ou a respectiva estratégia negocial com possibilidade de êxito.

Para o mister da advocacia, não é diferente, fazendo-se necessário uma reciclagem profissional para entender o ecossistema das startups, oferecendo serviços jurídicos consultivos, como aporte de gestão.

Ao propor o modelo jurídico adequado à determinada conjuntura, aliado com a avaliação do cenário econômico, o gestor jurídico com sua solução técnica que atenda aos propósitos empresariais, agrega valor e sustentabilidade econômica as empresas.

Não basta ao causídico saber o inteiro teor de leis e regulações. O mercado necessita de um gestor jurídico que entenda a realidade do setor econômico e proponha com sua expertise alternativa para a tomada das decisões empresariais.

A formalidade dos escritórios deve dar lugar um relacionamento mais próximo com os empreendedores, participando do cotidiano das suas operações.

Por sua vez, a inteligência emocional para gerenciar o risco dos negócios, oferecendo soluções criativas de modo a fomentar novas ideias e tomadas de decisões gerenciais é essencial.

A mudança deste paradigma representaria não só a modernização da profissão, elevando o patamar da advocacia a investimento (e não custo) imprescindível para as empresas, aumentando suas vantagens competitivas.

Os serviços oferecidos pelas bancas devem ter o condão de verdadeiros portfólios de gestão as empresas.

A gestão empresarial é um modelo de trabalho orientado por uma política de valores capaz de alocar e gerir recursos, ações, iniciativas, princípios, valores e estratégias, viabilizando o alcance dos objetivos propostos e a maximização do seu valor de mercado.

O surgimento das startups fez eclodir novos paradigmas ao conceito tradicional de empresa, que não se restringe a uma mera atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços.

Há a necessidade de observar a dicotomia: empresa tradicional e negócio. Empresas tradicionais atuam com atividades comerciais já conhecidas, e possuem processos internos e organização, estoques, maquinário, funcionários e etc.

Por sua vez, nas startups, a empresa está ainda em constituição, porquanto as atenções de seus empreendedores são voltadas unicamente para a ideia de negocio inovadora, representado pelos investimentos e estudos dos seus produtos ou serviços no mercado, com o fim de apresentar uma solução concreta, com amparo nas suas habilidades mercadológicas e intelectuais.

Neste contexto, a empresa sob um enfoque financeiro pode ser compreendida como uma unidade econômica geradora e distribuidora de caixa, transcendendo de seu conceito jurídico. Seu valor não se restringe aos seus ativos tangíveis e ao lucro, mas está associado com a capacidade futura de geração de caixa.

A figura do advogado não pode ser mais vista como mero conselheiro, inserindo-se como peça chave de gestão e de direcionamento de valor, enquanto gestor jurídico participa de todo o processo de formação das empresas de startups.

Hodiernamente, também não se pode mais conceber que o profissional da área jurídica seja um custo e muito menos óbice às negociações e projetos comerciais e estratégicos.

Nesta sequência, a advocacia enquanto gestora jurídica deve ser aliada das empresas na sua função de gerir e agregar valores e riquezas.

É um desafio às bancas a proporem as empresas um modelo de negócio mais criativo e alinhado com as novas mudanças do mundo corporativo.

As empresas e as bancas precisam trabalhar em conjunto. O advogado deve ir além da ciência jurídica, e avaliar com precisão o custo econômico de uma decisão judicial, bem como, dos riscos de êxito ou insucesso nas demandas, de modo a permitir as empresas provisionarem perdas, aperfeiçoando-se, deste modo a sua gestão.

É necessário, portanto, desatar os nós das “gravatas mentais” da profissão. O novo mercado exige uma advocacia mais colaborativa e próxima e menos contenciosa, mais profilática e menos reacionária, e que seja descomplicada, ágil e inovadora.

A advocacia não é apenas um “serviço indispensável à administração da justiça” como apregoa a Constituição Federal. É um agente econômico, protagonista e gerador de riquezas na economia. Não deve ser confundida com fóruns e burocracias.

O advogado não é um burocrata restrito ao contencioso judicial, é antes de tudo um profissional técnico, gestor e liberal na essência, cujo portfólio de conhecimentos e serviços postos a disposição do mercado, garante a ele a sua identidade (intuitu personae) e o legitima, com sua excelência e ética, a máxima de que um grande advogado, assim como as startups, é bem sucedido por sua reputação e gestão de seus ativos, como verdadeiro negócio.

Referências bibliográficas

[1] FEIGELSON, Bruno et al. Direito das startups. São Paulo: Saraiva educação, 2018. Livro digital (E-pub).
[2] [3] CONTEÚDO aberto. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Bolha_da_Internet> Acesso em: 7 jan 2019.
[4] RIES, E. A startup enxuta: como os empreendedores atuais utilizam a inovação contínua para criar empresas extremamente bem-sucedidas [tradução texto editores] São Paulo: Lua de Papel, 2012. Título original: The Lean Startup.
[5] CUMMING, Douglas J.; JOHAN, Sofia A. Venture Capital and Private Equity Contracting: An International Perspective. Burlington: Elsevier, 2009
[6] FREITAS, Cristiano. Entenda 3 diferenças entre startup e empresa tradicional!. Disponível em: https://syhus.com.br/2018/09/21/entenda-3-diferencas-entre-startup-e-empresa-tradicional/. Capturado em 16/01/19.
[7] Minimum Viable Product, o MVP. A Endeavor Brasil apresenta um conceito didático desta ferramenta: “É um conjunto de testes primários feitos para validar a viabilidade do negócio. São diversas experimentações práticas que serão desenvolvidas levando o produto a um seleto grupo de clientes… mas não é o produto final! Estamos falando em um produto com o mínimo de recursos possíveis, desde que (em sua totalidade) estes mantenham sua função de solução ao problema para o qual foi criado (não vale ser apenas funcionalidades soltas: juntas, elas devem configurar um produto, ainda que em forma de protótipo!). O empreendedor vai oferecer o mínimo de funcionalidades para conhecer na prática a reação do mercado, a compreensão do cliente sobre seu produto e se ele — de fato — soluciona o problema do consumidor”. Disponível em: https://endeavor.org.br/estrategia-e-gestao/mvp/. Capturado em 16/01/19.
[8] CONTEÚDO aberto. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Startup. Capturado em 17/01/19.
[9] A Financiadora de Estudos e Projetos, é uma empresa pública brasileira de fomento à ciência, tecnologia e inovação em empresas, universidades, institutos tecnológicos e outras instituições públicas ou privadas, sediada no Rio de Janeiro. A empresa é vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação. A sua missão é promover o desenvolvimento econômico e social do Brasil por meio do fomento público à Ciência, Tecnologia e Inovação em empresas, universidades, institutos tecnológicos e outras instituições públicas ou privadas. BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação. FINEP. Disponível em: http://www.finep.gov.br/a-finep-externo/sobre-a-finep. Capturado em 18/01/19.
[10] HAYASHI, Plinio Tatsumi. Startups: Sociedade Limitada ou Anônima?. Disponível em: https://souzapereiraadv.jusbrasil.com.br/artigos/484343029/startups-sociedade-limitada-ou-anonima. Capturado em 20/01/19.
[11] BROTTO, Natália e RIBEIRO, Aleff. Stratups precisam de respaldo jrídico desde a sua criação. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jun-10/opiniao-startups-respaldo-juridico-criacao. Capturado em 20/01/19.

Advogado e Consultor. Pós-Graduado em Direito Societário pelo Instituto Insper (SP), com Especialização em Direito Processual Civil pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP (Lato Sensu). Atua nas áreas de Direito Empresarial, Societário, Direito Bancário e Recuperação Judicial. Autor de diversos trabalhos científicos publicados na área.

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