sexta-feira,29 março 2024
ColunaDiálogos ConstitucionaisO decisionismo ainda vive? A escolha de Ministro para o STF

O decisionismo ainda vive? A escolha de Ministro para o STF

O Direito é uma ciência que exige a transposição do seu conteúdo à realidade mundana: Sai do texto, das palavras que contém o veículo legislativo, é extraído pelo intérprete e é ditada a norma.

Desde a Hermenêutica de Hermes, a interpretação busca retirar das entranhas da lei o seu verdadeiro conteúdo normativo, sua aplicação com o que dê melhor se pode concluir no conjunto de regras, princípios, conceitos e finalidades próprias no qual é concebida.

A norma não é qualquer coisa. É algo que precisa ser legitimada, assim como a lei que é produzida precisa de legitimação à moda de Kelsen (validade hierárquica) e à luz da Constituição.

Se a norma for qualquer coisa, então já não tem legitimidade, mas, sim autoridade.

Carl Schmitt cunhou polêmico, mas, talvez atual slogan: “Soberano é quem decide sobre o Estado de exceção”.

De acordo com este pensamento o jurídico é a decisão, está fora, é externo, é do soberano, não é um fenômeno passível de ser compreendido hierarquicamente como concebemos a partir da Teoria Pura de Kelsen.

Schmitt inaugura a escola do decisionismo. O Direito é uma ordem concreta e não uma ordem formalmente válida. De acordo com esse pano de fundo, o caos é natural, a decisão estabelece a ordem nesse meio.

Não é um jogo de palavras: Se há caos, não há ordem nenhuma, e a decisão do soberano estabelecerá uma ordem, sua ordem, que também ditará as regras de validade das decisões posteriormente a serem proferidas. O soberano está fora da ordem.

Essa foi praticamente a ideia adotada pelo nazismo, transformando em autoridade um discurso contralegem, uma decisão lastreada na solução final acunhada por Hitler. Isso foi há oitenta anos.

Mas, o decisionismo está por aí, ou melhor, por aqui no Brasil. E não digo da atuação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, os ativismos e a judicialização, refiro-me às decisões políticas tomadas pela Presidência da República.

Por que indicar um ministro para o STF gera tanta polêmica?

Porque o candidato era Ministro da Justiça, responsável pela fiscalização e condução da Operação Lava-Jato, porque esse candidato execrou todas as gestões penitenciárias dos presidentes anteriores, eximindo-se da responsabilidade pela explosão de rebeliões e, enfim, porque nem mesmo ele, o candidato, sustenta sua indicação.

Cândido Barata Ribeiro, Médico, exerceu o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, foi nomeado, sendo, posteriormente, rejeitado no ano seguinte, conforme a regra prevista na época.

Naquela ocasião, em 1894, a Comissão do Senado Federal concluiu que o notável saber tem de ser jurídico e gozar de reputação e instrução em jurisprudência, razão pela qual sua nomeação não foi aprovada.

Além de Barata, Innocêncio Galvão, Ewerton Quadros, Antônio Sève e Demosthenes Lobo foram rejeitados pelo Senado, em mais de dois séculos de nossa República, conforme notas de José Celso de Mello Filho.

O Senado estadunidense rejeitou doze, também um número não expressivo.

Esses números indicam a necessidade de sintonia política entre o Presidente e o Senado. Quando o nome é rejeitado, não quer necessariamente indicar que o candidato não preencha os requisitos.

Nisso reside o perigo: A reputação ilibada é aquela aferida pelo Senado ou pelo senso comum? O notável saber jurídico não pode ser objetivamente delimitado com exigência de título?

Por que, afinal, é tão difícil travar esse decisionismo na escolha do Ministro?

A Corte Suprema, no Brasil e em outros modelos, funciona como árbitro que decide a luta de braço entre a tensão social e a gestão política.

A jurisdição constitucional não chama para si apenas o controle da compatibilidade das leis, mas, como temos visto, para a Corte Suprema chegam as denúncias, inquéritos, cautelares, pedidos de afastamento envolvendo a cúpula dos poderes.

A justiça constitucional, tem se tornado mais um jogo de poder, do que propriamente uma Corte que decida aquilo (lei ou ato) que é compatível com a norma fundamental ou não, para se tornar mecanismo de troca de favores, de reciprocidade.

Enquanto a moralidade da administração pública permanecer neste nível, veremos muitos nomes envolvidos na política nomeados e aprovados para o Supremo Tribunal Federal.

A operação Lava-Jato já tem sido abafada da mídia, o que reflete o anseio de setores políticos para que logo ela caia no esquecimento, só espero que para isso não seja utilizada uma cadeira do Supremo Tribunal Federal.

Cristiano Quinaia

Mestre em Direito - Sistema Constitucional de Garantia de Direitos (Centro Universitário de Bauru). Especialista LLM em Direito Civil e Processual Civil. Advogado.

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