sexta-feira, 26/julho/2024
ColunaTrabalhista in focoO compliance antidiscriminatório no ambiente de trabalho

O compliance antidiscriminatório no ambiente de trabalho

Coordenação: Ana Claudia Martins Pantaleão

Casos de discriminação no ambiente de trabalho são constantemente praticados por grandes organizações privadas. Alguns, ganharam bastante repercussão midiática, como o caso envolvendo o grupo Carrefour, que ocasionou o assassinato brutal de um homem negro às vésperas do Dia da Consciência Negra, devido a um processo de “filtragem racial” realizado por seguranças da empresa e que foi acompanhado por funcionária da empresa, a qual não impediu a ação violenta.

Em virtude disso, o MPF solicitou ao grupo de supermercados, em nota pública[1],  a adoção de medidas concretas em toda a rede por meio de políticas de compliance em direitos humanos, com a observância de programas de capacitação, treinamento e qualificação de seus empregados e agentes terceirizados, com o intuito de combater discriminação no ambiente de trabalho.

O compliance é um modelo norte-americano, importado com histórico de legislação preventiva contra a corrupção com intuito de tornar mais rígidas as punições às organizações americanas envolvidas em atos de corrupção no exterior, auxiliando o Estado a coibir essas atitudes ilegais e corruptas. No Brasil, o instituto do compliance teve seu marco com a edição da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846, de agosto de 2013), que preconiza acerca da responsabilidade administrativa e civil das pessoas jurídicas em virtude da prática de atos contra a Administração Pública nacional e estrangeira.

O termo compliance vem do verbo em inglês to comply, que significa cumprir uma determinada regra e agir de acordo com um conjunto de regras, comprometendo-se com a integridade, podendo ser implementado quando ocorre uma situação em que um específico ato ou omissão está em desconformidade com as obrigações contraídas por determinadas instituições.

O compliance, enquanto mecanismo de conformidade, integridade e gestão de riscos, compõe o sistema de gestão das empresas, inclusive no que toca às questões relacionadas a diversidade e inclusão. A implementação de procedimentos internos de integridade, auditoria, incentivo à denúncia de irregularidades e aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, no âmbito da pessoa jurídica, que sintetiza o compliance, modela a empresa a alcançar os resultados esperados pela legislação e diminuir riscos de indenizações, trazendo a segurança aos investidores, instituições financeiras e ao custo do crédito.

Recentemente, foi inserido aos pilares do compliance, o pilar de diversidade e inclusão, que visar evitar que ocorra a discriminação de pessoas diversas. A inserção desse novo pilar, que surge diante das novas premissas e amplia a área de atuação que de início estava ligada a práticas de corrupção, auxilia a promover a diversidade nas empresas através do denominado compliance antidiscriminatório. Essa modalidade do compliance, embora ainda recente no país, auxilia na integridade e na reputação da empresa por meio de programas bem estruturados e eficazes, como parte da promoção da ética corporativa.

Desse modo, diante das novas exigências globais e com consumidores cada vez mais atentos às questões de representatividade; e sendo a reputação da empresa um ponto fundamental para os negócios e receio de propositura de ações judiciais que resultem em prejuízos financeiros e danos à imagem da empresa, além dos efeitos deletérios que a discriminação ocasiona na produtividade, cresce a exigência para as empresas se posicionarem sobre as pautas sociais e adotarem uma melhor governança corporativa.

Nesse toar, os programas de integridade passaram a configurar um ponto relevante para a implementação de ações antidiscriminatórios, vez que é muito comum as empresas estarem envolvidas em atos discriminatórios. Em vista desse panorama, Adilson Moreira destaca que:

A discriminação institucional pode ser produto da dificuldade ou impossibilidade de acesso a oportunidades de emprego na instituição, pode ocorrer por meio de obstáculos ou impedimentos ao progresso profissional dentro da empresa, pelo oferecimento diferenciado de serviços ou atendimento a clientes ou até pela negação de prestação de serviços a pessoas ou regiões. A discriminação organizacional é um gênero da discriminação institucional e ela trata de um tema muito relevante para o que estamos discutindo a cultura corporativa.

Com o intuito de prevenir e reprimir essas microagressões no ambiente de trabalho, o compliance antidiscriminatório configura-se como o meio extremamente importante para a gestão dos riscos relacionados à diversidade, permitindo à empresa a solidificação da governança corporativa e solucionando os processos relacionados à diversidade racial, de gênero e sexual, tornando-se um instrumento essencial para que as empresas respeitem as pessoas no ambiente de trabalho, ademais, as empresas que são omissas quanto a questões preconceituosas perdem competitividade, vez que deixam de promover as melhores pessoas e não conseguem evitar vieses preconceituosos.

Assim, conhecer as ferramentas de gestão é fundamental para a promoção da diversidade e da inclusão. Por meio das ferramentas de gerenciamento de risco, é possível analisar as possíveis falhas dentro das atividades que envolvem o compliance. No momento em que a empresa identifica a falha, por exemplo: contratação engessada devido à desatualização de cargos, ela consegue identificar a barreira para gerenciar as ações, analisando os erros e evitando uma reputação negativa da imagem que possar acarretar uma perda de receita.

Além de inserir uma cultura de ética empresarial, com intuito de cumprir os preceitos legais e regulatórios, além de proporcionar vantagens econômicas significativas para as empresas que efetivamente implantam, os programas de compliance, pretendem minimizar riscos externos, como a quebra da reputação, por ocasionar uma publicidade negativa, perda de rendimentos, litígios caros e redução do número de clientes.

No entanto, é imprescindível, para a efetividade da política de compliance, atentar-se, primeiramente, para a cultura da empresa, por meio de escolhas conscientes, esforço ativo e engajamento coletivo, a fim de se criar um ambiente inclusivo de fato. A empresa deve ter uma cultura não somente na base, mas que tenha força na hierarquia da liderança. A cultura é o alicerce para a construção de políticas de diversidade e inclusão efetivos, devendo a inclusão permear a estrutura da empresa até que se torne um comportamento normal.

Por fim, a implementação do compliance antidiscriminatório além de mitigar os riscos relacionados as discriminações no ambiente organizacional, promove um ambiente de trabalho mais saudável e digno e reduz os danos de imagem decorrentes de atos discriminatórios, que não fazem parte dos valores defendidos pelas empresas.

Referências Bibliográficas:

BERTONI, Regiane Brunelli., op cit., 2022, p.28.

CALDAS, Camilo Onoda; ANDRADE, Nayara Correia de. Compliance antidiscriminatório e mediação de conflitos no ambiente de trabalho. In. Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu, Ano:2020, p.49.

CALIL Mário Lúcio Garcez; MARKMAN, Débora. Gestão de risco e Compliance: Questões Jurídicas Ambientais. In. NOHARA, Irene Patrícia; PEREIRA, Flávio de Leão Bastos; FLORÊNCIO FILHO, Marco Aurélio P. (Coord.). Anais do II Seminário Governança, Compliance e Cidadania. Londrina, PR: Thoth, 2019, p.146.

MOREIRA, Adilson José. Tratado de Direito Antidiscriminatório. 1ª edição. São Paulo: Editora Concorrente, 2020 (Versão E-book), p.706-707, posição no Kindle 1370.

 

 

 

 

 

 

Layse Maurício Fortes Gonçalves

Mestre em Relações Sociais e Trabalhistas. Advogada e consultora em ESG Social.

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