sexta-feira,19 abril 2024
ColunaDiálogos ConstitucionaisA Laicidade no Constitucionalismo Brasileiro

A Laicidade no Constitucionalismo Brasileiro

O tema é profundo e árduo. Aqui na coluna vou tentar trazer um histórico das disposições das constituições do Brasil até a atual no que tange à influência da religião no domínio da política e das tarefas do Estado.

A Constituição de 1.824 trazia expressamente a religião católica apostólica romana como oficial de todo o império. Nada obstante, na mesma Constituição se dispunha que ninguém poderia ser perseguido por motivo de religião, desde que respeitasse a do Estado (católica) e não ofendesse a moral (art. 179, V).

A Constituição de 1.891, já inspirada nos alvores trazidos por Rui Barbosa da Constituição dos Estados Unidos, contemplou expressamente que o Estado não poderia subvencionar nenhuma religião ou culto (art. 72, §7º). No mesmo artigo, no § 6º, dizia que o ensino ministrado nas escolas deveria ser leigo.

Já em 1.934 a Constituição que se aprovava trazia a proibição de o Estado manter qualquer relação com alguma religião, porém, autorizava a colaboração recíproca e prol do interesse coletivo (art. 17, III). No artigo 153, autorizou expressamente o ensino religioso nas escolas públicas, primárias, secundárias, profissionais e normais, de acordo com a confissão religiosa manifestada pelo aluno, pais ou responsáveis.

A Constituição de 1.937 já previu no artigo 133 que “o ensino religioso poderá ser contemplado como matéria do curso ordinário das escolas primárias, normas e secundárias. Não, poderá, porém, constituir objeto de obrigação dos mestres ou professores, bem de frequência compulsória dos alunos”.

A Constituição de 1.946 igualmente trouxe a frequência facultativa do ensino religioso no Brasil e foi o primeiro texto constitucional em contemplar a imunidade tributária de templo religioso (art. 31, V, ‘b’).

A Constituição de 1.967 traz a drástica previsão da possibilidade de perda de direitos civis por motivo de crença religiosa, se a pessoa a invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta. Nota: o texto não previa obrigação alternativa em substituição ao dever legal.

A emenda de 69, para alguns uma nova Constituição, não alterou o cenário, que apenas se transformaria com a Constituição de 1.988.

A Constituição atual é complexa quanto à religião. No preâmbulo invoca-se a proteção de Deus.

No artigo 19, I, veda a subvenção de cultos ou adoção de qualquer religião oficial no Brasil.

No artigo 5º, inciso VIII, contempla a escusa de consciência e a possibilidade de prática de prestação compulsória alternativa a fim de não implicar suspensão dos direitos civis.

O artigo 210 prescreve que o ensino religioso é de matrícula e frequência facultativa.

Também é direito fundamental a expressão e a confissão religiosas, não podendo sofrer ingerência, conforme reza o artigo 5º, VI.

A laicidade é a indiferença do Estado quanto à religião professada por seus cidadãos. É dizer, o Estado não interfere e nem obriga a ser confessada esta ou aquela religião, nem incentiva economicamente qualquer fé.

Por outro lado, há uma prestação positiva no direito fundamental de liberdade de fé, pois, o Estado deve assegurar que todos possam manifestar seu culto, sem perturbação e sem ofender a crença das demais pessoas.

Assim, pode-se dizer que o direito fundamental à laicidade do Estado possui uma vertente negativa e outra positiva. Uma primeira no sentido de o Estado não impor que se pratiquem uma fé e outra no sentido de que permita que todos professem sua fé.

Dito isto, é imperioso contextualizar a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439.

A Corte Suprema não disse que as escolas públicas devem professar uma ou outra religião, mas, que podem adotar uma ou outra religião, consoante a formação de seus professores e, repisa-se, manteve-se a interpretação literal do texto constitucional no sentido de que o ensino religioso é facultativo.

O que pretendia a Procuradoria Geral da República era que as escolas ministrassem ensino de história da religião, e não o contexto da religião adotada e oferecida pelo curso de matrícula facultativa.

A nosso ver, o Supremo Tribunal Federal foi coerente com o texto constitucional, porque a liberdade religiosa que protege diz respeito não à história da religião, mas, à oferta não obrigatória da doutrina de determinada fé confessada pelo aluno.

Cristiano Quinaia

Mestre em Direito - Sistema Constitucional de Garantia de Direitos (Centro Universitário de Bauru). Especialista LLM em Direito Civil e Processual Civil. Advogado.

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