quinta-feira,28 março 2024
ArtigosA proteção interna aos Direitos Humanos e as Relações Internacionais

A proteção interna aos Direitos Humanos e as Relações Internacionais

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No que tange ao desenvolvimento interno dos Direitos Humanos, tem-se que sua incorporação progrediu de modo intimamente relacionado com a própria história das constituições, pois só a partir dessa regulamentação jurídica imprimiu-se às suas fórmulas o caráter concreto necessário ao seu reconhecimento e efetividade.

Dirley da Cunha Junior [1] dispõe que este fenômeno, intitulado “constitucionalização dos direitos fundamentais”, é uma das condições de existência e vigência do Estado Democrático de Direito, pois é a partir desta positivação jurídico-constitucional que os direitos fundamentais são guindados a parâmetro de aferição de legitimidade, ao mesmo tempo formal e material, da ordem jurídica estatal.

Nesse processo pátrio, inicialmente tutelou-se os direitos de primeira geração, isto é, os individuais, civis e políticos, tendo-se sua aurora na Constituição Política do Império do Brasil, de 1824. Não se pode, porém, ocultar o fato de que embora a Constituição do Império tenha acolhido os direitos individuais básicos que se encontravam inscritos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, esses direitos só serviam à elite aristocrática que dominava o regime.

Com a proclamação da República, a sua respectiva Constituição, promulgada em 1891, ampliou-se a titularidade dos direitos fundamentais, garantidos “a brasileiros e estrangeiros residentes no país” (art. 72, caput), enquanto a Constituição de 1824 os reconhecia somente aos “cidadãos brasileiros” (art. 179). [2]

A Revolução de 1930 rompeu com a ordem constitucional anterior e com a concepção liberal de Estado, culminando com a positivação de elementos sócio-ideológicos típicos da segunda dimensão na nova Constituição, datada de 1934. Isto é, sedimentaram-se os direitos políticos, sociais e culturais, que requerem uma intervenção direta do Estado.

A Constituição de 1937, fruto do “Estado Novo”, reduziu os direitos e garantias individuais – com suspensão da liberdade de ir e vir, censura da correspondência e de todas as comunicações orais e escritas, suspensão da liberdade de reunião, permissão de busca e apreensão em domicílio (art. 168) -, os quais foram restaurados apenas com o advento da Constituição de 1946, que também ampliou os direitos sociais.

Precedida pela Constituição de 1967, que não trouxe grandes avanços, a Constituição de 1988 (CRFB/88) foi a primeira, na história do constitucionalismo pátrio, que tratou a tutela aos direitos e garantias fundamentais com a devida relevância – num claro resultado da intensa luta pela construção de um Estado Democrático, onde de fato se assegurasse o exercício destes direitos.

Para tanto, contemplou de forma extensa e expressa os direitos das quatro dimensões, bem como adotou cláusula de abertura material, isto é, não excluiu outros direitos decorrentes de regimes, princípios ou tratados internacionais em que o Estado Brasileiro seja parte. Elevou-os à condição de cláusula pétrea (art. 60, §4º, IV CRFB/88) e determinou sua aplicabilidade imediata (art. 5º, §1º, CRFB/88) .

Sobre a CRFB/88, o eminente Ingo Sarlet [3] dispôs que:

A amplitude do catálogo dos direitos fundamentais, aumentando, de forma sem precedentes, o elenco dos direitos protegidos, é outra característica preponderantemente positiva digna de referência. Apenas para exemplificar, o art. 5º possui 78 incisos, sendo que o art. 7º consagra, em seus 34 incisos, um amplo rol de direitos sociais dos trabalhadores. (…). Neste contexto, cumpre salientar que o catálogo dos direitos fundamentais (Título II da CF) contempla direitos fundamentais das diversas dimensões, demonstrando, além disso, estar em sintonia com a Declaração Universal de 1948, bem assim com os principais pactos internacionais sobre Direitos Humanos, o que também deflui do conteúdo das disposições integrantes do Título I (dos Princípios Fundamentais). (SARLET, 2007, p. 77).

Com efeito, além desta proteção panorâmica, a CRFB/88 reforçou que os Direitos Humanos “são tema do legítimo interesse da comunidade internacional, transcendendo, por sua universalidade, as fronteiras do Estado”. [4] Essa concepção está embasada na interpretação de dois dispositivos inéditos, sobre o qual se destaca o artigo 4º. Este artigo, mais especificamente o seu inciso II, proclama que o Brasil se rege em suas relações internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos.

Ocorre que ao fundamentar suas relações com base na prevalência dos direitos humanos, o Brasil reconhece a existência de limites e condicionamentos à noção de soberania estatal. Isto é, “a soberania do Estado brasileiro fica submetida a regras jurídicas, tendo como parâmetro obrigatório a prevalência dos direitos humanos”, como informa Piosevan citando Pedro Dallari. [5]

O art. 4º institui, ainda, outros princípios que devem guiar Brasil no contexto internacional, como o a defesa da paz e a concessão de asilo político.

Com todo este aparato transnacional de proteção, bem como pactos ratificados e ocupação de cadeiras da ONU, tem-se que o Brasil não deve ignorar as violações aos Direitos Humanos perpetradas por ou em outros Estados, uma vez que sua união perante a comunidade internacional gera responsabilidades no que tange à dignidade de toda e qualquer pessoa humana.

Por outro lado, contudo, é sabido que o princípio da soberania (art. 1º, I, CRFB/88) e o princípio da não-intervenção também regem as relações exteriores.

Francisco Rezek [6] ensina que: “identificamos o Estado quando seu governo (…) não se subordina a qualquer autoridade que lhe seja superior, não reconhece, em última análise, nenhum poder maior de que dependam a definição e o exercício de suas competências, e só se põe de acordo com seus homólogos na construção da ordem internacional, e na fidelidade aos parâmetros dessa ordem”. Informa ainda que “a Carta da OEA estatui que a ordem internacional é constituída essencialmente pelo respeito à personalidade, soberania e independência dos Estados”.

Há, portanto, um nítido conflito – de um lado a “prevalência dos direitos humanos” e do outro a “soberania dos Estados” – que clama pelo sopesamento de Robert Alexy [7]: embora abstratamente estejam no mesmo nível, objetiva-se definir qual princípio tem maior peso no caso concreto.

Humberto Ávila [8] chega à conclusão assemelhada, afirmando que “os estudos sobre a ponderação invariavelmente procuram estruturá-la com os postulados de razoabilidade e de proporcionalidade e direcionar a ponderação mediante utilização dos princípios constitucionais fundamentais”.

No bojo do caso em tela, indaga-se: o Brasil afasta-se das questões internas dos demais Estados ou influi ativa e imparcialmente em busca da proteção aos Direitos Humanos?

É a partir deste questionamento que deve ser  criticamente analisado o posicionamento da corte diplomática brasileira perante os casos de violação internacional aos Direitos Humanos – e é também com ele que despeço-me dos caros leitores.

Até a próxima!

[1] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 7ª Edição. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 606.

[2] CASTRO, Marcela Baudel de. A Proteção aos Direitos Humanos no Direito Brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 111, abr. 2013. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13102&revista_caderno=29>. Acesso em dezembro de 2015.

[3] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 77.

[4] PIOSEVAN, Flávia. A Proteção dos Direitos Humanos no Sistema Constitucional Brasileiro. In: Revista da Procuradoria do Estado de São Paulo. V. 51/52, jan. /dez. 1999, p. 92.

[5] PIOSEVAN, Flávia. Op. cit.

[6] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

[7] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.

[8] ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7ªed. São Paulo: Malheiros, 2007.

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