sexta-feira, 26/julho/2024
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Gol do Supremo Tribunal Federal

Dogma origina-se da palavra grega dokein, que traduzido literalmente significa opinião, pensamento, termo difundido na doutrina religiosa para designar aquela postura que não pode ser alterada, que se constitui como basilar para o desenvolvimento e aplicação da teoria.

Um dos grandes dogmas do Direito Processual é o da coisa julgada.

Por meio desta garantia de ápice constitucional assegura-se aos cidadãos que nenhum de seus pares e/ou o Estado pode editar atos em desrespeito a uma decisão judicial anteriormente prolatada e para a qual se revestiu da preclusão máxima.

Na teoria clássica, Enrico Tullio Liebman dissertou sobre o manto da coisa julgada na obra Eficácia e Autoridade da Sentença, na qual esposa a tese de que a sentença possui eficácia e autoridade como ato estatal emanado de um dos poderes fundamentais.

De outro lado, acresce o ilustre processualista que a coisa julgada é um plus, uma qualidade que apenas as sentenças de mérito produzem, que fazem impedir que o mesmo caso fosse rediscutido em processo posterior.

Seguindo as pegadas de Liebman, distinguimos em nosso sistema processual a preclusão como eficácia de todo sentença (de mérito ou não) e a coisa julgada como qualidade que torna imutável a sentença que resolve o mérito.

O Código de Processo Civil de 2.015 adota expressamente tal classificação, quando enuncia no “art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”.

Logicamente, não só no processo se trata da coisa julgada, senão acima dele a Constituição Federal dispõe como direito e garantia fundamental do cidadão a observância da coisa julgada, do ato jurídico perfeito e do direito adquirido (art. 5º, inciso XXXVI).

Há algum tempo, em julgamento envolvendo a investigação de paternidade, o Supremo Tribunal Federal entendeu possível o afastamento da coisa julgada, para permitir a propositura de nova ação para realização de exame genético.

Na hipótese, tratava-se no RE 363889 de afastar ou não a coisa julgada de um caso julgado em 1992, pela improcedência da ação em razão da não comprovação da filiação.

Na ocasião, chamou atenção o destaque feito pelo Eminente Ministro Marco Aurélio, no sentido de que, se de um lado o filho buscava o reconhecimento da paternidade, de outro, o pretenso pai reconstituiu sua vida, já passados, na ocasião do julgamento, 20 anos da improcedência da ação.

Embora vencidos os Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso, sustentaram de forma crucial que não há como viver em sociedade sem o dogma da segurança jurídica, tudo em direito pressupõe segurança, previsibilidade, certeza.

Trazendo para os dias atuais, em recente decisão, o Ministro Marco Aurélio manteve seu posicionamento quanto à necessidade de respeito à garantia da coisa julgada, quando asseverou no RE 881.864 que o ganho de causa anteriormente proferido em sentença outorgando o título de campeonato a um time não poderia, posteriormente, ser revisto por resolução desportiva ou desfeita a coisa julgada.

Do voto do eminente relator, colhemos que a coisa julgada “trata-se de garantia inerente a cláusula do Estado Democrático de Direito, a revelá-la ato perfeito por excelência, porquanto decorre de pronunciamento do Judiciário”.

Ao final das contas, quem saiu ganhando não foi o time consagrado campeão pela sentença cuja coisa julgada foi mantida incólume, mas, em verdade, foi todo o Estado Brasileiro.

Em tempos nos quais temos visto a constante mudança de entendimento jurisprudencial, sucessivas reformas legislativas, manobras políticas, ascende como de suma relevância uma decisão deste jaez que dá força à nossa Constituição Federal e à garantia nela consagrada com bastante luta e sacrifício da civilização.

Quem ganhou o título foi o Sport Clube de Recife, mas, o gol desta vez foi marcado pelo Supremo Tribunal Federal.

 

 

 

Mestre em Direito - Sistema Constitucional de Garantia de Direitos (Centro Universitário de Bauru). Especialista LLM em Direito Civil e Processual Civil. Advogado.

Cristiano Quinaia

Mestre em Direito - Sistema Constitucional de Garantia de Direitos (Centro Universitário de Bauru). Especialista LLM em Direito Civil e Processual Civil. Advogado.

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