quinta-feira,28 março 2024
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Fornecedor

  1. Introdução:

A relação consumerista é impreterivelmente formada quando há de um lado o fornecedor e do outro o consumidor, e entre eles a transação de produtos e/ou serviços (NUNES, 2018, p. 76)

O fornecedor é o protagonista desse tipo de relação jurídica, uma vez que é ele quem coloca, à disposição no mercado de consumo, produtos e/ou serviços (FILOMENO, 2019, p. 110).

Por essa razão é necessário estudá-lo separadamente, posto que, é um dos elementos essenciais para a formação de relação consumerista, que, por sua vez, é necessária para a aplicação do CDC. Assim, sem fornecedor não há relação de consumo e, consequentemente, não há o uso do Código de Defesa do Consumidor. (MARTINS, 2004, p. 26).

Ademais, o estudo do sujeito fornecedor é importante, pois cada vez mais o judiciário recebe um número alto de demandas oriundas de relações consumeristas causado por diferentes fatores, mas, principalmente, pelo comportamento dos fornecedores, como, por exemplo, nas demandas relativas a instituições financeiras e companhias telefônicas[1].

O aumento na quantidade de fornecedores de produtos e serviços que, em números formais, apontaram cerca de 17.173.284 empresas ativas no primeiro quadrimestre de 2021[2], número esse que não levam em consideração os fornecedores sem CNPJ, é outro fator que contribui para o aumento das demandas judiciais.

A despeito disso, o aumento também se dá pelo amplo campo de aplicação do CDC, como diz o Dr. Sérgio Cavalieri Filho (2019) “Tão amplo é o campo de aplicação do Código do Consumidor que hoje todo operador do direito, principalmente o magistrado, antes de decidir qualquer questão terá que verificar se está ou não em face de uma relação de consumo.”[3].

E por fim, há o fato de o CDC ser um código aplicável às relações consumeristas, sendo a definição do fornecedor ampla também por esse motivo, uma vez que quanto mais fornecedores existirem haverá mais relações consumeristas e consequentemente maior aplicação deste código. ((BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2013, p. 112)

Nesse sentido a doutrina do Dr. Rizzato Nunes (2019):

Não há exclusão alguma do tipo de pessoa jurídica, já que o CDC é genérico e busca atingir todo e qualquer modelo. São fornecedores as pessoas jurídicas públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, com sede ou não no País, as sociedades anônimas, as por quotas de responsabilidade limitada, as sociedades civis, com ou sem fins lucrativos, as fundações, as sociedades de economia mista, as empresas públicas, as autarquias, os órgãos da Administração direta etc.[4]

Dessa forma, o presente texto tem como objetivo facilitar o entendimento do conceito de fornecedor e trazer elementos importantes para que não haja dúvida na caracterização dele e, consequentemente, da aplicação ou não do CDC em determinada relação jurídica.

  1. Fornecedor:

O CDC traz o conceito do fornecedor em seu artigo 3º com a seguinte redação:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Podemos dividir o citado artigo em duas partes. A primeira faz referência a quais sujeitos podem ser caracterizados como fornecedores e a segunda diz o que é preciso para caracterizar o sujeito como fornecedor.

No tocante a quem pode ser fornecedor, como dito acima, temos, em uma leitura simples, que toda e qualquer pessoa civilmente capaz pode sê-lo, seja ela física, jurídica privada ou pública, nacional ou estrangeira, bem como um ente despersonalizado (NUNES, p. 86).

Já a segunda parte do artigo traz a chave para caracterizar qualquer sujeito como fornecedor, que é o “desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produto ou ainda a prestação de serviços.”. (GARCIA, 2013, p. 37).

Portanto, para o CDC não importa quem faz, mas sim o que e como faz. O ponto fundamental para caracterização do fornecedor é o “fazer”, no caso, “desenvolver atividade econômica”. Sendo que o desenvolvimento de atividade econômica pressupõe “profissionalidade”, ou seja, desenvolver a atividade de forma habitual e remunerada (MARTINS, 2004, p. 31).

E nessa linha aproximamos o conceito de fornecedor com o de empresário constante do artigo 966 do Código Civil[5], e isso se dá pelo fato que para caracterização do empresário também é necessário que este exerça atividade econômica de modo profissional (pg. TOMAZETTI, 2017, pg. 82).

Todavia, é necessário atenção ao ler os artigos 3º do CDC e o 966 do Código Civil, embora alguns fatores de caracterização sejam os mesmos, nem todo fornecedor será empresário, se quer empresário de fato. Para fornecedor basta o desenvolvimento de atividade econômica ofertado ao mercado de consumo, no caso do empresário são necessários outros fatores que vão além dos constantes no Código Civil (SZTAJN, 2006).

Pois bem, entendido que o fornecedor pode ser qualquer pessoa e que a sua caracterização advém do desenvolvimento de atividade econômica ofertada ao mercado de consumo de forma remunerada, é importante dar a devida ênfase ao peso que a habitualidade tem para essa caracterização.

Dessa forma, não basta tão somente o desenvolvimento de atividade econômica, mas, sim, o desenvolvimento habitual da atividade econômica. E isso é de suma importância pelo fato de ser possível um fornecedor de produtos ou prestador de serviços, reconhecido como tal, não ser considerado como fornecedor ao praticar um ato comercial eventual.

A doutrina traz diferentes exemplos para ilustrar esse fato, entre eles, colamos o apresentado pelo Dr. Rizzato Nunes (2019):

E isto porque será possível que a relação de venda de um produto, ainda que feita por um comerciante, não implique estar-se diante de uma relação de consumo regulada pelo CDC. Por exemplo, se uma loja de roupas vende seu computador usado para poder adquirir um novo, ainda que se possa descobrir no comprador um “destinatário final”, não se tem relação de consumo, porque essa loja não é considerada fornecedora. A simples venda de ativos sem caráter de atividade regular ou eventual não transforma a relação jurídica em relação jurídica de consumo. Será um ato jurídico regulado pela legislação comum civil ou comercial.[6]

Por isso é que a caracterização do sujeito em fornecedor para aplicação do CDC exige, mesmo que de forma implícita, a habitualidade na atividade exercida, uma vez que para mesma situação fática é possível que o sujeito seja caracterizado como fornecedor ou não (NETTO, 2013, p.104).

Assim, usando o mesmo exemplo acima, temos que se a loja de roupas vende seus computadores com certa frequência para trocar por novos e de forma reiterada (habitual) lucra com esse tipo de operação, então, nesse caso a loja poderia ser enquadrada como fornecedora, e responder pelo CDC (NUNES, 2019, p.87).

Logo, embora em algumas situações seja fácil enquadrar o sujeito como fornecedor para os efeitos do CDC, em outras é preciso uma análise melhor do caso, uma vez que a ausência dos requisitos aqui trazidos, afastam a aplicação do CDC e, consequentemente, evocam as regras do Código Civil (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2013, p. 112).

Além disso, importante entender que o CDC emprega a nomenclatura de fornecedor quando quer generalizar a responsabilidade daqueles que disponibilizam no mercado de consumo produtos ou serviços, ou seja, fornecedor é gênero no qual o fabricante, produtor, construtor, importador [7], comerciante [8], profissionais liberais [9], fabricante e importador de peças[10], entre outros, são espécie (GARCIA, 2017, p. 38).

Por fim, importante a menção aos parágrafos do artigo 3º que conceituam o significado de produtos e serviços[11]. Sobre produtos não falaremos no presente estudo, mas é de suma importância o parágrafo 2º, uma vez que este traz o conceito de fornecimento de serviços.

Os sujeitos que podem ser fornecedores de serviços são os mesmos, assim como os requisitos. Porém, merece destaque a previsão expressa de “mediante remuneração” constante no parágrafo 2º. Sendo esse, portanto, o elemento caracterizador do fornecedor de serviços, e não, por exemplo, o profissionalismo no serviço prestado (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2013, p. 114).

Ademais, o fato do parágrafo 2º fazer referência a “mediante remuneração”, trouxe uma discussão doutrinária no sentido de debater se a remuneração também é elemento essencial para a caracterização do fornecedor de produtos, conceituado no caput do artigo 3º do CDC.

A doutrina da Dra. Claudia Lima Marques aborda essa questão trazendo a discussão sobre o fato de a gratuidade no fornecimento de produtos serem muito mais uma falsa impressão do que realmente um fato, exemplifica a autora: “(o consumidor idoso, por exemplo, não paga o transporte urbano), mas é sabidamente remunerado e não uma atividade de cortesia ou benesse, logo, é suficientemente abrangente.” (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2013, p. 114)

E finaliza:

Conclui-se, pois, que, no mercado de consumo, em quase todos os casos, há remuneração do fornecedor, direta ou indireta, há “enriquecimento” dos fornecedores pelos serviços ditos “gratuitos”, que é justamente sua remuneração. Importante que estes estejam submetidos ao CDC.[12]

Dessa forma, para os estudiosos da matéria, é importante a percepção que nem sempre a remuneração está explicita, podendo ela se fazer presente de forma direta, indireta ou até mesmo em forma de algum benefício em prol do fornecedor (NETTO, 2013, p. 100).

Nesse passo a jurisprudência do STJ:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO COLETIVO DO CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROGRAMA DE FIDELIDADE VISANDO A CAPTAÇÃO DE CLIENTES NA AQUISIÇÃO DE PASSAGENS AÉREAS. SERVIÇOS PRESTADOS À CLIENTELA COM REMUNERAÇÃO INDIRETA E COM BENEFÍCIOS PARA A EMPRESA. RELAÇÃO DE CONSUMO CARACTERIZADA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DAS SÚMULAS 282 E 356/STF. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS QUE JUSTIFIQUEM A ALTERAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (AgInt no REsp 1678644/BA, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/11/2018, DJe 16/11/2018) (grifo nosso)

Isto posto, como regra geral, todo sujeito que exercendo alguma atividade mercantil de forma habitual, ofertar ao mercado de consumo produtos ou serviços mediante remuneração de qualquer natureza ou por algum tipo de benefício econômico, independentemente de registro em órgãos competentes para tal, será fornecedor e deverá seguir as regras conforme estipuladas pelo CDC (FILOMENO, 2019, p. 111).

Fornecedor Pessoa Física

Quando o artigo 3º do CDC cita expressamente as pessoas físicas, ele está fazendo referência às pessoas naturais, ou seja, grosso modo, todas as pessoas identificadas pelo CPF e não por CNPJ.

Porém, antes de avançar no assunto, nos casos específicos de fornecedor pessoa física, se faz necessário observar se tal pessoa está habilitada para prática dos atos civis[13], uma vez que a primeira regra para a validade dos negócios jurídicos é agente capaz, ou ao menos, devidamente representado[14], o que significa que sendo o agente incapaz, não há o que se falar em fornecedor pessoa física, uma vez que o negócio será nulo de pleno direito.

Pois bem, para o CDC, qualquer pessoa física que “desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.[15], de forma habitual e remunerada, é fornecedora para todos os efeitos da lei consumerista.

Os requisitos para caracterização são os mesmos já ditos acima, contudo, nos casos dos fornecedores pessoas físicas o requisito da habitualidade merece melhor destaque, a fim de afastar uma relação formada por dois “consumidores”, ou seja, sujeitos não profissionais no desenvolvimento de atividade econômica, que de forma eventual vendem produtos que anteriormente adquiriram para uso pessoal, situação essa que é regulada pelo Código Civil e não pelo CDC (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2013, p. 112).

Não sendo outro o entendimento jurisprudencial:

APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS. Sentença de extinção, sem resolução do mérito, por prescrição. Insurgência da autora. CABIMENTO. Aplicabilidade do CDC, na medida em que os réus, embora pessoas físicas, fizeram erigir o prédio de apartamentos sobre o terreno e comercializaram a unidade à autora, assumindo a condição de fornecedores pela atividade de mercancia com habitualidade, caracterizada a atuação descrita no artigo 3º da Lei 6.078/90. PRESCRIÇÃO AFASTADA. Inaplicabilidade do lapso prescricional do artigo 27 do CDC, por se não se estar diante de acidente de consumo. Aplicação da legislação civil. Afastamento do artigo 206, §3º, V do Código Civil, por não se tratar de reparação de danos por ilícito extracontratual, sendo a hipótese de indenização por inadimplemento contratual, disciplinada pelo artigo 205 do Código Civil. Precedentes. Situação dos autos em que não se verificou a prescrição decenal, devendo ser afastada a extinção do processo a este título, com a retomada da fase probatória, uma vez que a causa não se encontra madura para julgamento. RECURSO PROVIDO, com retorno dos autos à origem. (TJSP; Apelação Cível 1003446-09.2015.8.26.0506; Relator (a): Mariella Ferraz de Arruda Pollice Nogueira; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ribeirão Preto – 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/05/2018; Data de Registro: 30/05/2018) (grifo nosso)

CONTRATO – Compromisso de compra e venda de imóvel – Negócio jurídico entre pessoas físicas – Relação de consumo não caracterizada – Vendedor que não se inclui no conceito de fornecedor, na falta de habitualidade – Negócio jurídico sob a égide do Código Civil – Pagamento em prestações – Inadimplemento – Rescisão do contrato com a devolução das parcelas pagas – Admissibilidade – Direito da compradora, sob pena de enriquecimento ilícito dos vendedores – Possibilidade, no entanto, de debitar à compradora que descumpríu o contrato os Ônus decorrentes da rescisão – Aluguéis referentes ao período em que a autora ocupou o imóvel, reconhecido por ela mesma como devidos – Valores que representam a vantagem econômica auferida com a fruição do bem, assim como as despesas vencidas e não pagas (IPTU e condomínio), referentes ao mesmo período – Perdas e danos decorrentes do pagamento de comissão de corretagem – Indenização devida – Valores a serem pagos mediante compensação com a quantia dada a título de sinal – Devolução pleiteada pela autora indevida – Reconvençâo procedente – Recurso desprovido. (TJSP; Apelação 9063767-83.2005.8.26.0000; Relator (a): Rui Cascaldi; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos – 11ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 27/02/2008; Data de Registro: 17/03/2008) (grifo nosso)

Veja que a jurisprudência é pacífica em reconhecer a relação consumerista entre pessoas físicas e a incidência do CDC, entretanto, como destacado acima, é preciso demostrar que o fornecedor pessoa física exerce sua atividade de forma habitual e remunerada.

Ainda, a título de informação, existe na doutrina defensores da tese que haverá a incidência do CDC mesmo nos casos em que o desenvolvimento de atividade econômica seja eventual. É o caso do Dr. Rizzato Nunes, que exemplifica com os casos de pessoas que vendem produtos em épocas especifica, como no Natal ou Páscoa (NUNES, 2019, p.88).

De toda forma, a jurisprudência pátria entende ser necessário a habitualidade no desenvolvimento de atividade econômica, entretanto, pode haver em casos específicos a possibilidade de relativizar o requisito da habitualidade.

Seguindo, para ilustrar quem são os fornecedores pessoas físicas no mercado de consumo nacional, trazemos a figura dos profissionais liberais e as pessoas que compram ou produzem produtos para  vender ou revender a fim de complementar renda ou mesmo para ter uma renda.

Os profissionais liberais são aqueles que exercem profissão de nível técnico ou superior, de forma habitual, remunerada e sem vinculação intelectual ou hierárquica a terceiros, prestando serviços predominantemente intelectuais (MARTINS, 2004, p. 84)

Entre os profissionais liberais temos os médicos, contadores, dentistas etc., todos esses são considerados fornecedores e respondem pelas regras do CDC, contudo, por ser uma atividade econômica de caráter pessoal, esses fornecedores, diferentemente dos demais, respondem de maneira subjetiva.

Isso significa, em resumo, que os profissionais liberais são fornecedores e a eles se aplica o CDC (exceto aos Advogados), entretanto, a apuração de responsabilidade por vícios ou defeitos em sua prestação de serviços se dá mediante comprovação de culpa, ou seja, diferentemente de todos os outros tipos de fornecedores que respondem de forma objetiva[16], os profissionais liberais possuem reponsabilidade subjetiva[17] (NETTO, 2013, p. 108).

Essa parte da jurisprudência é pacífica nos tribunais:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. PENSIONAMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. PROFISSIONAL MÉDICO. TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. CULPA CONFIGURADA. NEGLIGÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. CABIMENTO. NEXO DE CAUSALIDADE. PRONTUÁRIO MÉDICO. PREENCHIMENTO. OMISSÃO. PRESSUPOSTO ATENDIDO. DEVER DE CUIDADO E DE ACOMPANHAMENTO. VIOLAÇÃO DEMONSTRADA. TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA. APLICAÇÃO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir: (i) qual a natureza da responsabilidade civil do profissional liberal (médico), se objetiva ou subjetiva, no caso dos autos, e (ii) se há nexo de causalidade entre o resultado (sequelas neurológicas graves no recém-nascido decorrentes de asfixia perinatal) e a conduta do médico obstetra que assistiu o parto. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça encontra-se consolidada no sentido de que a responsabilidade civil dos profissionais médicos depende da verificação de culpa (art. 14, § 4º, do CDC). Aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva. Precedentes. […] (REsp 1698726/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 08/06/2021) (grifo nosso)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. TRATAMENTO ODONTOLÓGICO. FACETAS DENTAIS. RESULTADO DO TRATAMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. CLÍNICA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. PROFISSIONAIS LIBERAIS. NEXO DE CAUSALIDADE E DANO. AUSÊNCIA. LAUDO PERICIAL. 1. A responsabilidade civil de Clínica Odontológica, em razão de danos decorrentes do tratamento dental realizado, é objetiva (art. 14 do CDC). 2. Tratando-se de responsabilidade objetiva da Clínica Odontológica que atendeu o Autor/Apelante, não é necessário o exame de culpa dos profissionais de saúde responsáveis pelo tratamento, mas apenas analisar a existência de nexo de causalidade entre o atendimento prestado e o resultado do tratamento. 3. Por outro lado, para a responsabilização dos profissionais liberais, necessário o exame de culpa na realização do tratamento odontológico (art. 14, § 4º, do CDC). 4. As provas produzidas nos autos demonstram que não houve falha na prestação dos serviços odontológicos, nem danos morais ou materiais a serem indenizados ao Autor/Apelante, uma vez que os resultados dos tratamentos dentários, para a recuperação da saúde bucal do consumidor e de embelezamento, mediante a colocação de facetas dentais, alcançaram resultados satisfatórios, de acordo com a conclusão da perícia judicial. 5. Se não demonstrados os danos decorrentes de falhas na prestação do serviço odontológico, tampouco o nexo de causalidade, ausente o dever de indenizar. 6. Apelação conhecida e não provida. (TJ-DF 07025953520198070020 DF 0702595-35.2019.8.07.0020, Relator: Robson Teixeira de Freitas, Data de Julgamento: 27/08/2020, 8ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 09/09/2020 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) (grifo nosso)

No mais, os profissionais liberais, quando não levam a registro o seu ato constitutivo, ou seja, a sua intenção de serem pessoas jurídicas privadas, tendem a ser um ente despersonalizado e não propriamente fornecedores pessoas físicas. E isso se dá pelos fatores outros que empregam na execução da prestação de serviços, como demostraremos no tópico sobre os entes despersonalizados.

Em relação aos fornecedores pessoas físicas de fato, temos àqueles que compram produtos para revender a quem queira comprar, exemplo clássico brasileiro, pessoas que compram roupas no “BRAS”[18] para revender em suas cidades.

São inúmeros exemplos desse tipo de fornecedor, temos ainda as pessoas que produzem produtos ou alimentos e vendem, bem como àqueles sujeitos que prestam diversos serviços como os eletricistas, pintores, encanadores, jardineiros, entre outros. Todos esses são fornecedores para o CDC, destacando sempre a necessidade de habitualidade e remuneração pela venda ou prestação do serviço (ALMEIDA, 2020, p. 161).

Dessa forma, podemos ver que a figura do fornecedor pessoa física é muito importante para a econômica nacional, tanto pelo tipo de serviço que prestam quanto pela quantidade existente, razão pela qual não poderia o CDC excluí-los de sua incidência.

Por fim, pode haver dúvida no tocante de como e quando provar que o fornecedor exerce a sua atividade econômica de forma habitual, entretanto, a prova da habitualidade é uma questão processual e não do Direito Material, razão pela qual não importa no presente estudo o meio de prová-la, e sim saber que é preciso ela estar presente para a caracterização do sujeito como fornecedor (NUNES, 2019, p. 89).

Pessoa Jurídica Privada

As pessoas jurídicas privadas estão expressas no artigo 44 do Código Civil, são elas: as associações, as sociedades, as fundações, organizações religiosas, partidos políticos e empresas individuais de responsabilidade limitada[19].

Todavia, como já dito anteriormente, não importa para o CDC a natureza do fornecedor e sim se ele desenvolve atividade econômica de forma habitual e remunerada. Portanto, a pessoa jurídica privada, seja ela uma associação, sociedade, fundação, organização religiosa ou partido político, que ofertar no mercado de consumo produtos ou serviços de forma habitual e mediante remuneração será fornecedora e responderá pelas regras do CDC.

Registra-se, ainda, que para alguns doutrinadores a redação do artigo 3º do CDC[20], no tocante as pessoas jurídicas, é, no mínimo desnecessária, uma vez que bastaria a referência “qualquer pessoa jurídica” para atingir o mesmo resultado. Entretanto, como já dito, o CDC buscou na redação do artigo 3º ser o mais didático possível para afastar qualquer tipo de dúvida sobre quem pode ser caracterizado como fornecedor, contudo, é comum a rediscussão de fornecedores tentando afastar de si a incidência do CDC (NUNES, 2019, p. 89).

Ademais, vale acentuar que o requisito da habitualidade no desenvolvimento de atividade econômica também é necessário no caso das pessoas jurídicas privadas, caso contrário, poderá ocorrer o afastamento da incidência do CDC (ALMEIDA, 2020, p. 162).

E isso se dá, pela situação já trazida no tópico “Fornecedor”. Á título de recordação, o caso da loja de roupas que eventualmente troca seus computadores por novos e vende os antigos, situação que mesmo sendo fornecedor pessoa jurídica que habitualmente vende roupas, ao vender seus computadores velhos, prática ato comercial eventual, portanto, para essa operação econômica específica não se caracteriza como fornecedor e, consequentemente, não responde pelo CDC e sim pelo Código Civil (NUNES, 2019).

Nesse passo chegamos a grande pergunta constante, entre outros, nos ensinamentos da Dra. Claudia Lima Marques: A empresa é fornecedor mesmo se vende alguma coisa fora de sua atividade profissional?” (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2013, p. 112).

A resposta é negativa, conforme a jurisprudência:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AGRAVO REGIMENTAL – RELAÇÃO DE CONSUMO – CARACTERIZAÇÃO – FORNECEDOR – VIOLAÇÃO DE LEI FEDERAL – AUSENCIA DE PREQUESTIONAMENTO. I – AS NORMAS DE CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NÃO SE APLICAM AS RELAÇÕES DE COMPRA E VENDA DE OBJETO TOTALMENTE DIFERENTE DAQUELE QUE NÃO SE REVESTE DA NATUREZA DO COMERCIO EXERCIDO PELO VENDEDOR. NO CASO, UMA AGENCIA DE VIAGEM. ASSIM, QUEM VENDEU O VEICULO NÃO PODE SER CONSIDERADO FORNECEDOR A LUZ DO CDC. II – OS DISPOSITIVOS DO CÓDIGO CIVIL E DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NÃO FORAM OBJETO DE DELIBERAÇÃO PELO ACORDÃO RECORRIDO QUE JULGOU A CAUSA A LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. III – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO (STJ – AgRg no Ag: 150829 DF 1997/0042245-3, Relator: Ministro WALDEMAR ZVEITER, Data de Julgamento: 19/03/1998, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 11.05.1998 p. 95)

Veja que mesmo havendo todos os requisitos necessários para formação de uma relação consumerista (fornecedor, consumidor, bem como a transação de produtos ou serviços entre eles) não haverá a incidência do CDC e sim do Código Civil. E isso se dá pela tão necessária habitualidade no desenvolvimento da atividade pelo sujeito que a prática, seja ele pessoa física ou jurídica.

Nesse sentido quando um fornecedor de modo eventual vende seus bens usados, ele não poderá ser considerado fornecedor nessa operação e sim considerado um sujeito comum que vende seus bens.

Existem outros exemplos, como o trazido nos ensinamentos do Dr. Rizzato Nunes, que fala sobre a empresa de passagens aéreas que ao vender o seu veículo usado, não será caracterizada como fornecedora, uma vez que é um fato eventual e por consequência regulado pelo Código Civil (NUNES, 2019, p. 90).

Enfim, pode-se concluir que toda e qualquer pessoa jurídica pode ser caracterizada como fornecedora de produtos e serviços pela ótica do CDC, uma vez que como dito, o fato caracterizador não está na personalidade jurídica ou civil do sujeito e sim na sua atividade, logo, fazer referência ao tipo de pessoa jurídica (privada, pública, nacional e estrangeira), não faz diferença em um primeiro momento. (NUNES, 2019).

Por tal razão, não há necessidade de alongar a discussão no tocante as pessoas jurídicas privadas, sejam as nacionais ou estrangeiras, uma vez que prescindem dos mesmos elementos para serem caracterizados como fornecedores e responderem pelas regras do CDC;

Entes Despersonalizados:

Por uma questão lógica, entendemos que o melhor momento de referenciar os entes despersonalizados é após falarmos das pessoas jurídicas privadas, uma vez que são bem próximos.

Em resumo, os entes despersonalizados são os sujeitos que não possuem personalidade jurídica, mas que, mesmo assim, podem ser fornecedores para os efeitos do CDC (ALMEIDA, 2020, p. 163).

Portanto, são àqueles que de fato desenvolvem atividades econômicas, seja na área industrial, comercial ou de prestação de serviços, contudo, sem constituir formalmente pessoa jurídica, sendo chamados de sociedade de fato ou sociedade em comum, como consta do artigo 986 do Código Civil[21] (NUNES, 2019, p. 90)

Assim, de forma acertada, o CDC faz expressa previsão aos entes despersonalizados, afastando qualquer tipo de dúvida sobre isso, bem como evitar que a falta de personalidade jurídica impeça a caracterização do sujeito em fornecedor (GARCIA, 2017 p. 39).

E aqui pode surgir o questionamento sobre qual seria, então, a diferença entre sociedade de fato e o fornecedor pessoa física. De qualquer sorte, tanto faz ser um ou outro, uma vez que o CDC vai caracterizar ambos como fornecedores, caso, por obvio, sejam constatados os outros requisitos pertinentes à atividade.

De qualquer forma, a diferença está na existência de organização dos fatores “empresariais”. A sociedade em comum subentende-se que é de fato uma empresa organizada com estabelecimento (sede) onde há exposição dos produtos e serviços, ou seja, existe um ponto comercial. Já em relação ao fornecedor pessoa física há apenas a produção, comercialização ou prestação de serviços diretamente ao consumidor de forma mais informal (ALMEIDA, 2020, p. 161).

Para exemplificar podemos citar o grande exemplo brasileiro de sociedade em comum, o camelô. Veja que o camelô desenvolve atividade econômica de forma habitual, profissional, com horários, em um ponto comercial e com o claro intuito de obter lucro com a venda ou prestação de serviço (CAVALIERI FILHO, 2019, pg. 102).

No que se refere ao fornecedor pessoa física, podemos exemplificar como uma pessoa que vende produtos (roupas ou chocolates), ou ainda no caso de serviços, os tão populares eletricistas, encanadores, jardineiros etc. Ressalvando, mais uma vez, que essas atividades se deem de forma habitual e remunerada. (ALMEIDA, 2020).

Nessa linha, usemos o exemplo dos profissionais liberais, mais especificamente do médico. Quando o médico não tem consultório e atender o paciente na casa dele, temos aqui um fornecedor pessoa física. De outro lado, o médico que monta um consultório, por mais simples que seja, para receber os pacientes, mas opta por não criar uma pessoa jurídica para esse fim, teremos aqui um fornecedor sociedade de fato, ou seja, um ente despersonalizado.

Em vista disso, a diferença entre um e outro está no profissionalismo e investimento para o desenvolvimento de atividade econômica. Entretanto essa é uma questão mais pertinente ao Direito Empresarial, uma vez que para o CDC ambos são fornecedores.

E, por fim, cabe a referência a “massa falida”, trazendo a percepção que mesmo com a decretação de falência o fornecedor que disponibilizou produtos e/ou serviços continua responsável por eles, contudo, como ente despersonalizado (NUNES, 2019).

Desse modo, como a intenção do CDC é de enquadrar como fornecedor o maior número de sujeitos possíveis, não poderia faltar à clara e inequívoca menção aos entes despersonalizados.

Pessoa Jurídica pública:

Sobre as pessoas jurídicas públicas o primordial é trazer elementos para ajudar na identificação de quais pessoas jurídicas públicas poderão ser caracterizadas como fornecedoras e formarem uma relação consumerista regida pelo CDC.

Para isto, como um norte, trazemos a questão constante na doutrina do Dr. Sérgio Cavalieri Filho (2019), “Quando os serviços públicos estão sujeitos às regras do Código do Consumidor?)

Pois bem, antes de qualquer coisa, é necessário diferenciar o “contribuinte” (Relação Tributária) do “consumidor” (Relação Consumerista), o qual não se confundem (FILOMENO, 2019, p. 117).

O ponto principal de diferenciação é a natureza da remuneração que a pessoa jurídica pública recebe pelo serviço prestado. Há uma divisão na doutrina sobre esse ponto, mas a corrente majoritária segue o entendimento que o CDC se aplica aos casos de remuneração por meio de tarifa e não se aplica aos casos de remuneração por meio de taxa (tributo). (CAVALIERI FILHO, 2019, P. 107).

Sendo esse o entendimento do STJ:

ADMINISTRATIVO SERVIÇO PÚBLICO CONCEDIDO ENERGIA ELÉTRICA INADIMPLÊNCIA. 1. Os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio Estado, tais como segurança pública, saúde, educação, etc. Podem ser também impróprios e individuais, com destinatários determinados ou determináveis. Neste caso, têm uso específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água e energia elétrica. 2. Os serviços públicos impróprios podem ser prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação, como previsto na CF (art. 175). São regulados pela Lei 8.987/95, que dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços público. 3. Os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta, remuneração do serviço público próprio. 4. Os serviços públicos essenciais, remunerados por tarifa, porque prestados por concessionárias do serviço, podem sofrer interrupção quando há inadimplência, como previsto no art. 6º, § 3º, II, da Lei 8.987/95. Exige-se, entretanto, que a interrupção seja antecedida por aviso, existindo na Lei 9.427/97, que criou a ANEEL, idêntica previsão. 5. A continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da igualdade das partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito (arts. 42 e 71 do CDC, em interpretação conjunta). 6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido. (STJ – REsp: 840864 SP 2006/0078247-0, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 17/04/2007, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 30/04/2007 p. 305) (grifo nosso)

PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. SERVIÇO DE ESGOTO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165, 458 e 535, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DO CDC. POSSIBILIDADE. LEGALIDADE DE COBRANÇA PELO SERVIÇO. DECRETO 553/76. LEI LOCAL. SÚMULA 280/STF. 1. Inexiste ofensa aos arts. 165, 458, 535, I e II, CPC, quando o Tribunal de origem se pronuncia de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, tendo o decisum revelado-se devidamente fundamentado. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, uma um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. Precedentes. 2. O Código de Defesa do Consumidor aplica-se na hipótese de serviço público prestado por concessionária, tendo em vista que a relação jurídica tem natureza de Direito Privado e o pagamento é contra prestação feita sob a modalidade de tarifa, que não se classifica como taxa […] (STJ – AgRg no Ag: 1398696 RJ 2011/0020842-4, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 03/11/2011, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/11/2011). (grifo nosso)

À vista disso, parece imperioso mostrar, mesmo que minimamente, a diferença de taxa para tarifa. A taxa tem previsão no inciso II, do artigo 145 da Constituição Federal[22] e consta também do artigo 77 do Código Tributário nacional[23], sendo que essa lei já nos diz que tal remuneração é devida pelo contribuinte.

Por sua vez, a tarifa possui previsão em diferentes diplomas, mas merece destaque o artigo 175 da Constituição Federal[24], o qual diz que “Incube ao Poder Público, na forma da lei a política tarifaria.”.

O ponto a se fixar é que a taxa é uma espécie de tributo de caráter compulsório e instituída por lei. E a tarifa é uma espécie de preço público de natureza negocial e não compulsória, conforme a súmula 545 do STF[25], portanto, taxa é obrigatória e tarifa é facultativa (ALMEIDA, 2020, p. 273).

Complementando, o inciso II do artigo 145 da Constituição Federal é professoral e claro. A taxa é devida em razão da utilização efetiva ou potencial de serviços públicos prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição. Sendo a tarifa o contrário.

A tarifa, como dito acima, se caracteriza com preço público sendo o pagamento devido pela efetiva utilização do serviço. Podendo o sujeito, inclusive, optar pelo não uso e consequentemente não pagar por ele (FILHO, 2020, p. 638).

Portanto, os serviços públicos remunerados por meio de taxa (art. 145, II, CF/88), são oriundos de uma relação entre Estado e contribuinte com natureza administrativa-tributária na qual não há incidência do CDC. Já serviços públicos remunerados por meio de tarifas (preço público) haverá a aplicação do CDC (CAVALIERI FILHO, 2020, p. 107).

Finalizando, importante destacar dois artigos do CDC para entender a extensão de aplicabilidade do CDC nos casos envolvendo pessoas jurídicas públicas. São eles o artigo 6º inciso X, que diz ser direito básico do consumidor: “a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.” e o artigo 22 que diz serem responsáveis os órgãos públicos e suas empresas, concessionárias e permissionárias pelo fornecimento adequado dos serviços públicos, respondendo conforme o CDC pelo descumprimento[26].

Nesse diapasão a doutrina do Dr. Rizzato Nunes (2019):

Diz a norma: “órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento”, vale dizer, toda e qualquer empresa pública ou privada que por via de contratação com a Administração Pública forneça serviços públicos, assim como, também, as autarquias, fundações e sociedades de economia mista. O que caracteriza a pessoa jurídica responsável na relação jurídica de consumo estabelecida é o serviço público que ela está oferecendo e/ou prestando.[27]

Vemos que o artigo 22 do CDC é fundamental, uma vez que coloca no campo de aplicação da lei consumerista todos os serviços públicos prestados tanto pelos órgãos públicos quanto suas empresas, concessionárias e permissionárias caracterizando estes como fornecedores (TARTUCE, NEVES, 2020, p. 114).

Então, se uma relação jurídica tiver de um lado o consumidor e de outro o fornecedor, pessoa jurídica pública (sujeitos), e por esse a prestação de serviços públicos (objeto) remunerado por meio de tarifas, estaremos, então, diante de uma relação tipicamente consumerista regida pelo CDC (NUNES, 2019, 100).

  1. Conclusão:

Em virtude de todas as considerações, pode-se dizer que o CDC caracteriza como fornecedor toda e qualquer pessoa (física, jurídica privada ou pública, nacional ou estrangeira e ente despersonalizado) que habitualmente e mediante remuneração participa da cadeia de fornecimento de produtos e serviços (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2013, p. 117).

Além disso, registra-se que a doutrina classifica os fornecedores em diferentes tipos, por exemplo: fornecedor real, presumido ou aparente. Sendo que cada um possui características diferentes, mas todos respondem objetivamente frente aos consumidores (MARTINS, 2004, p. 34).

Dessa forma, o fornecedor real é o construtor e o produtor, ou seja, àqueles que participam diretamente no processo de produção, confecção e elaboração do produto. O fornecedor presumido é o que prática os atos de intermediação, exemplo, o importador e o comerciante. E o fornecedor aparente é o que coloca o seu nome no produto ou serviço, mesmo que não o tenha produzido ou comercializado, exemplo, as franquias.  (MARTINS, 2004, p. 34).

Esse entendimento se faz importante principalmente na questão processual, mais precisamente no tocante a responsabilização de todos àqueles que participam da cadeia de produção ou prestação de serviços.

Assim, importante o destaque ao parágrafo único do artigo 7º do CDC: “Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.”, bem como aos artigos 12, 13[28], 14, 18 e 20 e 25, § 1º[29], todos do CDC.

Por fim, importante trazer a figura do fornecedor por equiparação, em especial os entes desportivos que conforme a lei 8.078/90, a qual recebeu o nome de Estatuto do Torcedor, são fornecedores por equiparação[30].

Assim, vimos que o CDC se preocupou em caracterizar como fornecedor toda e qualquer pessoa que participa, de alguma forma, na cadeia de fornecimento de produtos e serviços ao mercado de consumo, bem como de responsabilizar todos esses por danos que porventura venham a causar ao consumidor, mesmo que a sua contribuição à cadeia de fornecimento tenha sido mínima (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2013, p. 117).

Assim, conhecer as regras de caracterização do fornecedor é importante para o consumidor, uma vez que esse saberá a quem recorrer nos casos de vícios e defeitos em produtos e serviços. E de outro lado é de suma importância ao fornecedor identificar quando é regulado pelo CDC e quando é pelo Código Civil.

 

REFERÊNCIAS:

Ada Pellegrini Grinover… [et al.]; colaboração Vicente Gomes de Oliveira Filho e João Ferreira Braga. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto: direito material e processo coletivo: volume único. – 12. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019

Antônio Herman V. Benjamin, Claudia Lima Marques, Leonardo Roscoe Bessa: Manual de direito do consumidor. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2013.

Garcia, Leonardo de Medeiros. Código de Defesa do Consumidor Comentado: artigo por artigo I Leonardo de Medeiros Garcia – 13. ed. rev. ampl. e atuaL- Salvador: JusPODIVM, 2016.

Nunes, Rizzatto Curso de direito do consumidor / Rizzatto Nunes. – 12. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. 1. Consumidores – Leis e legislação – Brasil 2. Consumidores Proteção–Brasil.I.Tı́tulo.

Almeida, Fabricio Bolzan de Direito do consumidor esquematizado / Fabricio Bolzan de Almeida. – Coleção esquematizado® / coordenador Pedro Lenza – 8. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

Martins, Plínio Lacerda, 1959 – Anotações ao Código de Defesa do Consumidor: (Lei 8.078/90): conceitos e noções básicas / Plínio Lacerda Martins – Rio de Janeiro: Forense, 2004.

Braga Netto, Felipe Peixoto. Manual de direito do consumidor: à luz da jurisprudência do, STJ/Felipe Peixoto Braga Netto. – Salvador: Edições Juspodivm: 2013.

Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo / José dos Santos Carvalho Filho. – 34. ed. – São Paulo: Atlas, 2020.

Tartuce, Flávio Manual de direito do consumidor: direito material e processual, volume único / Flávio Tartuce, Daniel Amorim Assumpção Neves. – 9. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.

Cavalieri Filho, Sergio. Programa de direito do consumidor / Sergio Cavalieri Filho. – 5. ed. – São Paulo: Atlas, 2019.

SZTAJN, R. Notas sobre o conceito de empresário e empresa no Código Civil brasileiro. Pensar (UNIFOR), v. 11, p. 192-202, 2006.

Tomazette, Marlon, Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito societário, v. 1 / Marlon Tomazette. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017.

<https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%2FPainelCNJ.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shResumoDespFT. Acessado em 16/07/2021.

<https://www.gov.br/governodigital/pt-br/mapa-deempresas/boletins/mapa-de-empresas-boletim-do-1o-quadrimestre-de-2021.pdf. Acessado em 16/07/2021.

< https://alobras.com.br/conheca-o-bras/. Acessado em 24/08/2021)

< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm >. Acesso em: julho de 2021. BRASIL.

< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm> Acesso em: julho de 2021. BRASIL.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: julho de 2021. BRASIL.

< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm> Acessado em: julho de 2021. BRASIL.

<https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Inicio> Acessado em: julho de 2021. BRASIL.

< http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp> Acessado em: julho de 2021. BRASIL

 

NOTAS DE RODAPÉ:

[1]Acessado em 16/07/2021. https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%2FPainelCNJ.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shResumoDespFT

[2]Acessado em 16/07/2021. https://www.gov.br/governodigital/pt-br/mapa-deempresas/boletins/mapa-de-empresas-boletim-do-1o-quadrimestre-de-2021.pdf

[3] Cavalieri Filho, Sergio. Programa de direito do consumidor / Sergio Cavalieri Filho. – 5. ed. – São Paulo: Atlas, 2019.pg. 14

[4] NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, 4ª ed, Ed. Saraiva, São Paulo, 2012, p. 86

[5] Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços

[6] NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, 4ª ed, Ed. Saraiva, São Paulo, 2012, p. 87.

[7] Art. 12. O fabricante, CDC: o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

[8]  Art. 13, CDC: O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:

[9] Art. 14, § 4°, CDC: A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

[10] Art. 32, CDC: Os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto.

[11] Art. 3º, CDC, § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial; § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

[12] Antônio Herman V. Benjamin, Claudia Lima Marques, Leonardo Roscoe Bessa. Manual de direito do consumidor, 5. ed., rev., atual. e ampl., 2013, p. 114.

[13] Art. 5º C.C: A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

[14] Art. 104, C.C.: A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz;

[15] Art. 3°, CDC: Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

[16] Art. 12, CDC.: O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos; Art. 13, CDC: O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:

[17] Art. 14, CDC: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

[18] O BRÁS hoje é considerado o maior polo de confecção de roupas do Brasil. – O Brás hoje está consolidado como principal centro de distribuição de pronta entrega de confecções do Brasil. – O IDH da região é 0,868, considerado elevado e maior que a média da cidade, do estado e do país. – Sob os pontos de vista social e econômico, o Brás tem hoje um papel extremamente relevante para o país. (https://alobras.com.br/conheca-o-bras/. Acessado em 24/08/2021)

[19] Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I – as associações; II – as sociedades; III – as fundações. IV – as organizações religiosas; V – os partidos políticos. VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada.

[20] Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

[21] Art. 986, C.C.: Enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis, as normas da sociedade simples.

[22] Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I – impostos; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

[23] Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

[24] Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: III – política tarifária;

[25] Súmula 545, STF: Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu.

[26]  Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

[27] NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, 4ª ed, Ed. Saraiva, São Paulo, 2012, p. 100.

[29] Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos; Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando; Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos; Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas; Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha; e Art. 25, § 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.,

[30] Art. 3º Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo.

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