quinta-feira,28 março 2024
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Crimes contra a honra praticados em desfavor de parlamentares: competência da Justiça Comum ou da Justiça Eleitoral?

Por Isabela Klein¹ e Paulo Klein²

Não é incomum que surjam dúvidas quanto à competência jurisdicional para processamento e julgamento das ações penais que serão propostas em virtude de ofensas praticadas contra a honra de parlamentares, candidatos e pré-candidatos a cargos eletivos.

Esse tema possui especial relevância no atual cenário da democracia nacional, uma vez que as Eleições Municipais se aproximam e, nos últimos anos foi possível perceber um aumento expressivo da divulgação de fake news especialmente no período do sufrágio, tanto no Brasil como no restante do mundo.

Um estudo liderado pela Universidade de Oxford indicou que entre os anos de 2017 e 2019 houve aumento de 150% na quantidade de países que passaram a utilizar a ferramenta de divulgação de informações falsas em campanhas políticas para desacreditar concorrentes da oposição.

E o aumento exponencial dessa prática nos últimos anos vem causando sérios transtornos no cenário político nacional, ainda mais quando se considera que o Brasil é o terceiro país no mundo em exposição à notícias falsas, atrás apenas da Turquia e México, segundo informações divulgadas pela revista Forbes.

Essa exposição às fake news, amplamente divulgadas por diversas ferramentas de impulsionamento de conteúdo, tais como o Whatsapp, Facebook, Instagram, são absolutamente nocivas à saúde política do País, especialmente porque em questão de segundos as notícias falsas podem ser espalhadas em âmbito nacional, atingindo e ludibriando milhares de cidadãos-eleitores.

E, nesse contexto, é preciso considerar que, muito embora a Lei nº 13. 188/2015 preveja a possibilidade de o parlamentar ou candidato a cargo eletivo ofendido pela divulgação de informação falsa exercer o direito de resposta acerca da matéria divulgada, publicada ou transmitida indevidamente por veículo de comunicação, é certo que, muitas das vezes, o ofendido não possui condições de reverter os prejuízos causados pelo concorrente, se encontrando, assim, em desigualdade de condições na corrida eleitoral.

Com efeito, muito embora a divulgação de fake news não esteja regulamentada no Brasil como fato definido como crime, não significa dizer que tal propagação poderá ser praticada impunimente. Isso porque, a divulgação de informações falsas em desfavor de titulares de cargos políticos, bem como candidatos e pré-candidatos a cargos eletivos que venha afetar a sua honra, poderá ser tipificada, a depender da situação, como crime de calúnia, difamação ou injúria, previstos nos artigos 324 a 326 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965).

Importante esclarecer que, muito embora os crimes contra a honra previstos no Código Eleitoral possuam grande semelhança descritiva dos tipos penais em comparação aos crimes contra a honra previstos nos artigos 138 a 140 do Código Penal, é certo que os respectivos bens jurídicos tutelados são completamente distintos.

Ou seja, apesar de os crimes contra a honra afetarem, primordialmente, a honra objetiva do indivíduo, que é a forma como ele é visto pela sociedade, ou sua honra subjetiva, intrinsecamente relacionada ao sentimento interior do indivíduo, sua moral, é certo que os crimes contra a honra regidos pela legislação eleitoral buscam proteger bem jurídico que ultrapassa a esfera do direito privado da pessoa ofendida.

Note-se que, que a divulgação de informações falsas desabonadoras da conduta dessas pessoas públicas, seja através da prática dos crimes de calúnia, difamação ou injúria, durante a propaganda eleitoral, ou com fins de propaganda, não afetará apenas o bem jurídico privado do ofendido, qual seja, sua honra objetiva ou subjetiva, mas, primordialmente o bem jurídico público da democracia nacional.

De fato, a divulgação desse tipo de ofensa é capaz de abalar a isonomia entre parlamentares, candidatos ou pré-candidatos na disputa eleitoral, justamente porque muitos concorrentes utilizam essa nefasta ferramenta para desacreditar os eleitores do ofendido e se colocar, injustamente, em posição de vantagem em detrimento daquele.

E, por motivos óbvios, afetar a igualdade de condições entre parlamentares e candidatos a cargos eletivos, por via de consequência, acarreta enorme prejuízo ao sistema democrático nacional, que impõe eleições justas por meio do sufrágio universal.

Nesse sentido, é preciso esclarecer que os crimes decorrentes desse tipo de propaganda eleitoral negativa, absorta por críticas que ultrapassam a liberdade de informação, serão processados e julgados perante a Justiça Eleitoral mesmo se praticados por terceiros, tal como eleitores, e mesmo se divulgados de forma extemporânea – fora do período autorizado pela legislação eleitoral –, desde que estejam inseridos em contexto indissociável da disputa eleitoral, objetivando, através da divulgação de certos fatos, desacreditar a imagem de um parlamentar ou possível candidato para que os eleitores não venham a votar nele, prejudicando sua candidatura futura.

Esse é o entendimento exposto pelo Tribunal Superior Eleitoral que, ao julgar Agravo de Instrumento nº 0000406-80.2016.6.09.0008, cuja relatoria foi do e. Ministro Relator Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, ao julgar a representação apresentada em desfavor de um radialista em razão de propaganda eleitoral negativa extemporânea, indicou que até mesmo terceiros nestas condições se submetem às sanções previstas na legislação eleitoral.

É por esse motivo que a divulgação de informações falsas capazes de desabonar a conduta de parlamentares, candidatos e pré-candidatos a cargos eletivos deve ser analisada com muita cautela quando da propositura da medida judicial adequada em desfavor do autor do fato, especialmente porque, em sendo proferida a ofensa no contexto eleitoral, por afetar bem jurídico público, será processada mediante ação penal pública, como dispõe o artigo 355 do Código Eleitoral, após apresentação de notícia crime por qualquer pessoa que tenha conhecimento do ilícito, diretamente ao Juízo Eleitoral, que, por sua vez, a encaminhará ao Ministério Público Eleitoral, que avaliará se oferecerá denúncia em face do autor do fato, dando início assim, à ação penal (artigo 3º e 6º da Resolução nº 23.396/2013 do Tribunal Superior Eleitoral).

Essa peculiaridade é bastante relevante porque os crimes contra a honra regidos pelo Código Penal, processados e julgados perante a Justiça Comum, por serem crimes de iniciativa penal privada, dependem apenas da apresentação de queixa-crime pelo ofendido diretamente ao Juízo, já que, por ser ele o titular da ação penal, não dependerá da atuação do Ministério Público para propositura da ação.

Importante levar em consideração tais questões porque, além de os procedimentos em questão serem completamente distintos, o simples fato de o ofendido ser pessoa pública, parlamentar, candidato ou pré-candidato a cargo eletivo, por si só, não atrairá a competência da Justiça Eleitoral, para processar e julgar crimes contra a honra que tenham sido praticados em seu desfavor.

É preciso ter em mente que tais crimes precisam ser praticados no contexto do pleito eleitoral, em propaganda ou com fins de propaganda eleitoral – negativa – buscando prejudicar a igualdade de condições dessa pessoa com os demais concorrentes no sufrágio universal, prejudicando, por via de consequência, o Estado Democrático de Direito, que deve preservar a igualdade de condições na disputa eleitoral.

De outro lado, é preciso notar que se tais crimes forem praticados em desfavor de um parlamentar, candidato ou pré-candidato a cargo eletivo, mas que não tiverem qualquer relação com o contexto eleitoral vindouro, tratando-se de crimes capazes de afetar, única e exclusivamente, a honra objetiva o subjetiva do ofendido, serão processados, obrigatoriamente, perante a Justiça Comum.

Dessa forma, a chave para se estabelecer a competência da Justiça Comum ou da Justiça Eleitoral, para processar ou julgar crimes contra a honra praticados contra parlamentares, candidatos ou pré-candidatos a cargos eletivos está, única e exclusivamente, no contexto de sua prática, se vinculada ou não à disputa eleitoral.

 

 

¹Isabela Klein – Advogada -Membro da Comissão de Políticas Criminal e Penitenciária da OAB/RJ;Pós-Graduada em Direito Público Latu Sensu pela Universidade Cândido Mendes – UCAM/RJ;

²Paulo Klein – Advogado – Área Direito Penal e Processual- Sócio fundador do escritório Klein & Giusto. Pós graduado em Direito Penal Econômico pelo Instituto de Direito Penal Econômico Europeu e IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais de Coimbra.

 

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