sexta-feira, 26/julho/2024
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Caos no Flamengo: insubordinação, agressão e violência psicológica. O que diz a CLT?

Coordenadora: Ana Claudia Martins Pantaleão

A mídia noticiou no último dia 29 de julho de 2023 o cenário desastroso envolvendo o Clube de Regatas do Flamengo, o atleta Pedro Guilherme Abreu dos Santos e o preparador físico Pablo Fernández.

Conforme se apurou, e de uma forma bastante sucinta, o atleta Pedro teria se negado a proceder com o aquecimento solicitado para entrada em campo no segundo tempo do jogo envolvendo o Atlético Mineiro. Em razão de tal situação, o preparador físico Pablo teria se irritado e resolvido de forma agressiva – tapas e soco – com o atleta no vestiário. A agressão foi contida pelos demais atletas e os envolvidos se direcionaram para a delegacia para formalização a queixa.

A situação em tela traz questões importantes a serem discutidas, principalmente, no que diz respeito aos contratos firmados com o atleta e com o preparador físico.

Evidencia-se que a discussão iniciou em razão de um ato de insubordinação do atleta ao não obedecer ao comando do preparador físico de se aquecer para possível entrada em campo. Qual a consequência trabalhista para este ato? A CLT prevê em seu Artigo 482, alínea h, que o ato de insubordinação é passível de dispensa por justa, assim, em um primeiro momento, poder-se-ia dizer que a situação enquadrar-se-ia na rescisão motivada.

Ocorre, contudo, que a jurisprudência do TST possui entendimento no sentido de que para ensejar a justa causa é necessário, como regra, que haja “reiteração de sua conduta funcional irregular, nos moldes elencados no artigo 482 da CLT, salvo nas hipóteses em que a gravidade da falta cometida justifica a cessação imediata da fidúcia imprescindível à manutenção do pacto laboral. Além disso, deve ser observada a proporcionalidade entre falta e medida disciplinar, bem como o princípio da gradação das penas”. (TST. Ag-AIRR – 329-88.2018.5.13.0003).

Não se observa na conduta do atleta falta grave passível de dispensa imediata por justa causa, principalmente, em razão de não haver notícias sobre a existência de penalidades anteriores, reincidência, ou prejuízo ao clube. Desta feita, tem-se que o ato não se enquadra na modalidade de dispensa por justa causa, embora possa, sim, ser objeto de eventual advertência por seu superior hierárquico.

Por sua vez, no que pertine à conduta do preparador físico, evidencia-se que seria aceitável que houvesse questionamentos acerca da recusa do atleta em campo, contudo, em hipótese alguma, tal ato poderia ser feito com qualquer meio violento ou com objetivo de afetar física, ou moralmente o atleta.

A CLT é taxativa ao dispôr que aquele que comete ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas a qualquer pessoa, salvo em caso de legítima defesa própria ou de outrem, deverá ser dispensado por justa causa. (Artigo 482, alínea j, da CLT) Ao contrário da insubordinação ocorrida pelo atleta, tem-se que a agressão se reveste de gravidade suficiente para reconhecer o direito do empregador em fazer uso de seu poder disciplinar e aplicar a penalidade máxima ao empregado, principalmente, porque o ato gera insegurança ao ambiente de trabalho.

Assim, eventual aplicação da dispensa motivada seria razoável e acertada, contudo, o que ocorreu foi o pedido de demissão do preparador físico, sendo a questão finalizada por parte do clube.

Todo o imbróglio nos remete à reflexão de como ficaria o contrato de trabalho do atleta, o qual foi o principal prejudicado. Conforme dispõe o Artigo 483, alínea f, da CLT, o empregado pode considerar seu contrato rescindido quando for ofendido fisicamente pelo empregador ou quaisquer de seus prepostos, situação que ficou muito bem evidenciada com a agressão sofrida e os hematomas divulgados. Referido dispositivo possibilita, ainda, o recebimento de indenização pelo atleta em razão do ocorrido. Há, ainda, previsão da rescisão contratual pelo atleta no Artigo 28, §5º, inciso IV, da Lei 9.615/98.

Ainda, divulgou o atleta em sua rede social ter sofrido violência psicológica durante as últimas semanas, situação que respalda, ainda mais, o eventual pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho, com fulcro no Artigo 483, alínea e, da CLT e, ainda, indenização por assédio moral, tendo em vista as supostas e reiteradas condutas assediadoras sofridas.

Fato é que é responsabilidade do clube garantir um ambiente seguro aos atletas, sendo tal obrigação prevista, expressamente, na Lei 9.615/98, em seu Artigo 2º, inciso XI, na Lei 14.597/22, em seu Artigo 2º, inciso XVI, e na CLT em seu Artigo 157, inciso I.

Isto posto, tem-se que o atleta encontra-se amparado juridicamente para pleitear na Justiça do Trabalho a rescisão indireta de seu contrato de trabalho, tendo em vistas as faltas praticadas por seu empregador, o que poderia ser cumulado, também, com eventual pedido de indenização e assédio moral.

Há que se levar em consideração que é possível que o atleta tenha interesse em deixar o clube, tão logo haja uma oportunidade, o que poderia ensejar eventuais responsabilidades pela rescisão contratual. Por outro lado, tem-se que o clube já assumiu a responsabilidade pela violência suportada pelo atleta no exato momento em que ocorreu devendo suportar, portanto, eventuais indenizações daí decorrentes.

Desta feita, uma possível estratégia para mitigar os riscos envolvidos por cada uma das partes é a elaboração de um acordo extrajudicial, nos termos do capítulo III-A da CLT, valendo a leitura do texto Acordo Extrajudicial – Abrangência da quitação segundo o TST.

Ressalta-se, por fim, que as considerações postas neste texto referem-se, tão somente, à situação ocorrida em 29/7/2023, desconsiderando-se, portanto, eventuais desdobramentos após tal data.

Referências:

TST.  Ag-AIRR – 329-88.2018.5.13.0003. Relatora: Maria Helena Mallmann. Julgamento: 10/5/2023.  Disponível em: https://jurisprudencia-backend2.tst.jus.br/rest/documentos/42a18d767401362f27d1e2eda5237b43 Acesso em 31/7/2023.

PLANALTO. Consolidação das Leis do Trabalho.

PLANALTO. Lei 14.597/2022.

PLANALTO. Lei 9615/1998.

TIBURCIO, Júlia. Acordo Extrajudicial – Abrangência da quitação segundo o TST. Megajurídico. 15/6/2023. Disponível em: https://www.megajuridico.com/acordo-extrajudicial-abrangencia-da-quitacao-segundo-o-tst/ Acesso em 31/7/2023.

 

 

Colunista Júlia Tiburcio

Advogada, consultora em Compliance, pós-graduada em Direito Material e Processual do Trabalho pela PUC-SP e em Direito Processual Civil pela Universidade Mackenzie. Mestre em Compliance pela Ambra University.

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