A publicidade estimula a livre concorrência, permitindo a qualquer agente, independente de seu tamanho e modelo de negócio escolhido no mercado, encontrar seu nicho, sua identidade e seu valor.
Palavras-chave: Liberdade de expressão, Publicidade comercial, Exercício da advocacia, Constituição Federal, Código de defesa do Consumidor.
Introdução
O presente trabalho se propõe de início, a fazer uma análise técnico-jurídica dos deveres e limites da atividade publicitária, encampadas pelo nosso ordenamento jurídico.
Cumprida essa etapa, será possível atingir o fim almejado: discutir e refletir sobre a importância da publicidade, bem como, da necessidade de uma maior ampliação dos seus contornos para a advocacia, cujo mister não se resume ao contencioso judicial.
Uma das formas de liberdade de expressão: a publicidade comercial
Conceito
Antes de analisarmos o conceito da publicidade no ordenamento jurídico, farei uma breve análise da etimologia da palavra. A palavra “publicidade” deriva de “público”, do latim publicus, de publicare (publicar, dar ao público, expor ao público) [1].
Acrescenta Valéria Falcão Chaise [2]:
“o termo “publicidade” foi empregado, em um primeiro momento, na sua acepção jurídica, adquirindo a conotação comercial no início do século XIX, quando a palavra propaganda associada aos abusos e métodos de conscientização nazi-fascista, tornou-se indesejável”
Nesta temática, leciona Guimarães [3]:
“a publicidade tem sempre objetivo comercial, enquanto a propaganda tem objetivo diverso, qual seja, a divulgação de ideias religiosas, filosóficas, políticas, econômicas ou sociais, além do que a publicidade é paga e tem o seu patrocinador identificado, o que pode não ocorrer na propaganda”
A American Association of Advertising Agencies (AAAA) nos traz a seguinte definição:
“publicidade é qualquer forma paga de apresentação impessoal e promoção tanto de ideias, como de bens ou serviços, por um patrocinador identificado” [4]
Também se utiliza do conceito constante no Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária (art. 8°), do CONAR [5] onde publicidade é “toda atividade destinada a estimular o consumo de bem ou serviços, bem como a promover instituições, conceitos ou ideias”
O Código de Defesa do Consumidor, dada à importância da publicidade no contexto socioeconômico atual, dedica-lhe a maior parte do Capítulo V (Das práticas comerciais) do Título I (Dos direitos do consumidor). Todavia, tal diploma em nenhum momento a define.
Para a maioria da Doutrina, o Código de Defesa do Consumidor adotou o termo publicidade enquanto meio de incentivar a aquisição de produtos ou serviços.
Em suma, os elementos intrínsecos ao seu conceito são: (i) função persuasiva destinada ao público; (ii) favorecer o consumo e aquisição de produto ou serviço [6].
Assim sendo, conceitua Fábio Ulhoa Coelho [7] :
“publicidade é a ação econômica que visa a motivar o consumo de produtos ou serviços, através da veiculação de mensagens persuasivas”
E, Valéria Falcão Chaise [8]:
“é toda a informação ou comunicação difundida com o fim direto ou indireto de promover junto aos consumidores a aquisição de um produto ou serviço, qualquer que seja o local ou meio de comunicação utilizado”
De Plácido e Silva [9]:
“a soma de atos ou processos empregados pelos comerciantes, produtores e industriais, a fim de divulgar ou propagar suas mercadorias e produtos”
Por sua vez, Paulo Jorge Scartezzini Guimarães [10], aponta cinco elementos peculiares ao termo, dentre os quais: “o patrocínio, a divulgação de produtos e serviços, a informação, persuasão e a atividade dirigida ao público”. Sem estes elementos, existirá apenas uma mera informação, não se configurando em uma autêntica publicidade comercial.
Assim sendo, na visão deste ilustre autor, deve-se entender por publicidade não só as campanhas publicitárias existentes na TV, rádio, anúncios de revistas, outdoors, folhetos e cartazes, mas também as informações constantes dos rótulos, embalagens, materiais profissionais, cuponagem.
Segundo Tercio Sampaio Ferraz Júnior [11], há duas espécies de publicidade: a interna e a externa. A primeira, é mera publicidade direta de bem ou serviço pelo próprio fabricante ou comerciante, enquanto a última, é a comunicação da informação do produto por intermédio dos meios de comunicação de massa – TV, rádio, imprensa, outdoor – com o propósito de vendê-los. Ao contrário da primeira, não é a publicidade realizada pelo próprio anunciante, no seu local de venda.
No âmbito constitucional é considerada uma atividade econômica lícita, protegida, pelo disposto no parágrafo único do artigo 170 da Carta Magna.
Do exposto, podemos conceituar a publicidade como toda comunicação inserida nos veículos de comunicação social ou nos produtos, destinada a influenciar direta ou indiretamente o público na aquisição de produtos ou serviços colocados no mercado de consumo, sem olvidar-se, do fato de ser um valioso instrumento de fortalecimento do mercado concorrencial.
Na língua inglesa, o inglês se serve do termo advertising, o francês do termo publicité e o italiano: publicità.
Sujeitos da Publicidade
São sujeitos inerentes a qualquer prática publicitária: o anunciante, a agência de publicidade e o veículo.
O primeiro, nas palavras de Valéria Falcão Chaise [12] é a “pessoa ou empresa interessada em promover a venda de seus produtos ou serviços”.
O segundo, diz a autora supra, é a “pessoa ou empresa que, por conta de seu cliente (anunciante), cria e produz o anúncio”.
A lei da propaganda [13] caracteriza veículo (artigo 4°) como sendo qualquer meio de comunicação visual ou auditivo capaz de transmitir ao público, mensagens de propaganda desde que reconhecido pelas associações civis locais e regionais de propaganda, bem como os sindicatos de publicidade.
O veículo, portanto constitui a fonte de transmissão (por exemplo, o jornal), enquanto o meio pelo qual se transmite é o canal de comunicação (no caso, o anúncio inserido no jornal).
Natureza jurídica e princípios intrínsecos
Diz o artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor:
“Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”
A partir da edição deste diploma, a publicidade não é tratada apenas como um meio de indução ao consumo, passando a ter efeitos jurídicos de uma oferta, permitindo ao consumidor exigir o cumprimento do que fora anunciado (no caso de aceitar a oferta).
Deste modo, tendo a publicidade efeitos jurídicos de uma oferta (gênero), pode ser de duas espécies: proposta e promessa de contrato. A primeira é quando há na publicidade, uma ideia de proposição, ou seja; fornece bases para a formação de um contrato, surtindo com isso, obrigações recíprocas entre o anunciante e o consumidor.
Walter Ceneviva [14] entende a publicidade como uma espécie de promessa de contrato pelo qual aquele que patrocina a publicidade informa aos destinatários que concluirá o negócio jurídico ofertado.
Valéria Falcão Chaise [15] exemplifica tal asserção:
“é caso típico de promessa ao público, comumente empregado em campanhas publicitárias, o anúncio da entrega de presente ou prêmio pela prática de determinado fato, como, por exemplo: quem mais comprar na semana ou quem, ao consumir mais litros de refrigerante, guardar suas tampas, pelo período de um mês”
No tocante aos princípios, a Lei n. 8078/90 os elenca da seguinte forma, vejamos.
1°) Princípio da identificação da publicidade (art. 36, caput). A publicidade é lícita somente quando o consumidor puder identificá-la, de forma fácil e imediata, ou seja, no momento de sua exposição.
2°) Princípio da veracidade (art. 31, c/c o art. 37, §§ 1° e 3°). A publicidade deve ser honesta, com apresentação verdadeira do produto oferecido, para assegurar ao consumidor uma escolhe livre e consciente.
3°) Princípio da não-abusividade (art. 31, c/c o art. 37, § 2°). A ação da publicidade não pode prevalecer sobre a fraqueza ou ignorância do consumidor.
4°) Princípio da transparência da fundamentação (art. 36, parágrafo único). A publicidade deve fundamentar-se em dados fáticos, técnicos e científicos que comprovem a informação veiculada.
5°) Princípio da obrigatoriedade do cumprimento (art. 30). A publicidade integra o contrato a que vier a ser celebrado e obriga o fornecedor a cumprir a oferta veiculada. Veda-se o anúncio de mera atração de clientela. Assim, se o incorporador promete, por exemplo, na publicidade do empreendimento, suíte com hidromassagem, closet e terraço, cozinha com piso de porcenalato, sala com tábua corrida, banheiros em granito, dentre outros, deve cumprir rigorosamente o que foi anunciado. Ainda que o contrato, depois, não venha a fazer menção a alguns desses detalhes, o adquirente pode reclamar que se faça em virtude de publicidade anterior, a qual está vinculada à contratação.
6°) Princípio da inversão do ônus da prova (art. 38). Constatando-se que o consumidor não tem condições técnicas e econômicas para provar os desvios da publicidade, incumbe ao patrocinador o encargo da prova da veracidade e correção.
Portanto, desta forma, os princípios gerais adotados pelo Código de Defesa e Proteção do consumidor podem ser compreendidas como enunciações normativas de valor genérico cuja finalidade é regrar a publicidade de modo a proteger o consumidor, e não a concorrência no mercado.
Importância e objetivos da publicidade
Conforme é cediço, a publicidade comercial é um poderoso instrumento de marketing utilizado pelos diversos agentes econômicos do mundo contemporâneo, de fundamental importância para o funcionamento da economia capitalista.
Outrossim, destaca-se a sua importância no ato de ampliar e favorecer a concorrência entre os famigerados agentes de modo a reprimir a existência de oligopólios na economia [16].
Os objetivos da publicidade podem ser classificados em função de seu propósito em informar, persuadir ou lembrar o consumidor.
A publicidade dita informativa tem como objetivo desenvolver a demanda primária, informando aos consumidores verbi gratia os benefícios nutricionais e os diversos usos sobre um novo produto inserido no mercado.
Por sua vez, a publicidade persuasiva tem como escopo desenvolver a demanda seletiva para uma marca específica.
Finalmente, a de lembrança não tem o propósito específico de informar ou persuadir, mas de inserir na mente dos consumidores a necessidade de adquirir ou consumir determinado produto ou serviço (top-of-mind).
Publicidade ilícita
A primeira vista, sendo a publicidade uma atividade de informação, manifestação de pensamento (artigo 220 da Constituição Federal), artística, de comunicação e de conteúdo intelectual (artigo 5º, inciso IX da Carta Magna), poderia ser compreendida como uma liberdade irrestrita.
Contudo, não deve prevalecer essa ideia porquanto a publicidade não é uma atividade preponderantemente informativa, tendo como finalidade principal, conforme já mencionado, convencer e estimular o consumo de bens e serviços a uma coletividade de consumidores, como conjunto indeterminado e heterogêneo de pessoas.
Daí, a sua relevância para o Direito como poderosa e influente ferramenta de formação do consentimento do consumidor na relação jurídica de consumo, bem como sua onipresença no cotidiano deste.
Desta forma, muitas vezes o consumidor esta diante de uma multiplicidade de produtos e serviços complexos como automóveis, computadores e etc. desamparado de informação necessária no ato de sua escolha, impossibilitando-lhe de tomar boas decisões no mercado.
Portanto, como forma de mitigar essa desigualdade informativa existente entre fornecedor e consumidor, bem como coibir os abusos ali decorrentes na seara dos direitos consumeristas, o nosso ordenamento jurídico consigna três espécies de repressão de publicidade, quais sejam: a dissimulada, a enganosa e a abusiva. Vejamos.
Publicidade dissimulada
A Lei n. 8078/90 acolhe no seu artigo 36 o princípio da identificação da mensagem publicitária.
Deste modo, conforme ensina Benjamin [17]:
“a publicidade só é lícita quando o consumidor puder identificá-la. Mas tal não basta: a identificação há que ser imediata (no momento da exposição) e fácil (sem esforço ou capacitação técnica)”
Desta forma, repele-se nos meios de comunicação social a publicidade dissimulada, clandestina e a subliminar.
Nessa seara, cumpre observar que apesar da Lei n. 8078/90 não trazer em seu bojo uma proibição expressa do merchandising [18], essa técnica de publicidade deve obedecer ao princípio da identificação da mensagem publicitária esculpido no artigo 36 da Lei consumerista, além de se submeter a às restrições legais cabíveis (artigo 220, § 4° da Carta Magna e artigo 9º, da Lei 8078/90).
Assim sendo, uma medida louvável no regramento do merchandising é a utilização de créditos antecipados ou posteriores a veiculação da informação, fornecendo os elementos necessários para que o consumidor possa identificá-lo, de modo imediato e fácil, como publicidade.
Publicidade enganosa
O artigo 37, § 1º da Lei n. 8078/90 veda a prática da publicidade enganosa e a define como:
“… qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços”
Em linhas gerais, a mens legis do dispositivo é no sentido de que basta a mera enganosidade potencial – “capacidade de indução ao erro” – do seu teor. Aqui, a publicidade é apreciada de forma objetiva, não se perquirindo a boa-fé do anunciante responsável e, por conseguinte, tenha sido o consumidor efetivamente enganado ao vislumbrá-la.
Nessa seara, insta consignar a árdua tarefa de dimensionar o potencial enganoso da publicidade em concreto, em vista que o standard de enganosidade não é fixo, variando conforme a categoria de consumidores expostos a sua ação onipresente, quais sejam, as crianças, adolescentes, idosos, doentes, rurícolas, indígenas, o ignorante, o desatento e o crédulo e etc. Deste modo, o que é enganoso para um deles pode não sê-lo em alguns casos, para os outros.
Assim sendo, e partindo-se da premissa que a Lei n. 8078/90 tutela os interesses difusos e coletivos dos consumidores, basta que a publicidade tenha a capacidade e tendência de induzir a erro o seu destinatário, para ser proibida, sendo, portanto, presumido jure et jure o dano difuso daqueles.
Portanto, como se percebe deste juízo in abstracto e não in concreto na caracterização de uma publicidade enganosa, o dano efetivo ao consumidor é irrelevante, consubstanciando-se em mero plus, tendo repercussão notadamente na área penal.
No que se refere à enganosidade negativa, comumente conhecida como publicidade enganosa por omissão, o legislador a delimita “quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço”.
No que tange ao conceito de dado essencial, a doutrina [19] esclarece:
“É considerado essencial aquele dado que tem o poder de fazer com que o consumidor não materialize o negócio de consumo, caso o conheça (…) Três famílias principais de dados, sem exclusão de outras, estão normalmente associadas com a publicidade enganosa por omissão: adequação, preço e segurança”
Conforme é cediço, a publicidade é anunciada em espaços reduzidos envolvendo, geralmente, vultosas cifras no âmbito da comunicação social.
Com efeito, não é exigível ao anunciante informar acerca de todas as características e riscos de seus produtos ou serviços, somente aquelas tidas como essenciais no processo decisório de compra dos consumidores, como o uso, necessidade/adequação, preço, segurança, decorrentes do negócio de consumo.
Publicidade abusiva
A publicidade enganosa está prevista no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Seção III, artigo 37, § 2º, que assim prescreve:
“É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança”
Da redação do dispositivo deparamos que a abusividade foi tratada pelo legislador como um conceito jurídico indeterminado, enumerando, por conseguinte, valores constitucionais para sua caracterização no caso concreto.
Assim sendo, mediante análise de um critério residual, “pode-se afirmar que abusivo é tudo aquilo que, contrariando o sistema valorativo da Constituição e das Leis, não seja enganoso” [20].
Destacam-se, nessa seara, os valores constitucionais consagrados em nossa Carta, entre os quais, a dignidade da pessoa, do trabalho, do pluralismo político, da solidariedade , do repúdio à violência e a qualquer comportamento discriminatório de origem, raça, sexo, cor, idade, da intimidade, privacidade, honra e imagem das pessoas, da valorização da família, da proteção ampla à criança, ao adolescente e ao idoso, da tutela enérgica da saúde, do meio ambiente , do patrimônio histórico e cultural.
Analisaremos, adiante, as modalidades da abusividade contidas no dispositivo legal.
A publicidade dita discriminatória é aquela que discrimina o ser humano, sob qualquer ângulo ou pretexto, verbi gratia a raça, sexo, preferência sexual, condição social, nacionalidade, profissão e com as convicções religiosas e políticas.
Por sua vez, a publicidade incitadora de violência, é aquela que contém mensagens relacionadas com qualquer espécie de agressão física, de utilização de força bruta, seja do homem contra seu semelhante, contra os animais e até contra bens, como os públicos.
Outrossim, a publicidade exploradora do medo ou superstição é aquela que faz uso de meios persuasivos utilizando-se do medo ou superstição do consumidor para induzi-lo a adquirir o produto ou serviço, ainda que não o aterrorize em concreto.
A publicidade que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança mereceu atenção do legislador ante a notória vulnerabilidade do público infantil.
Deste modo, a publicidade dirigida a essa classe etária deve ser veraz e claramente identificável como tal e, por conseguinte, não pode exortá-los diretamente a comprar um produto ou serviço a ponto de enfraquecer a autoridade dos pais, tampouco, induzi-los a práticas ilícitas ou que atentam contra as regras gerais de comportamento.
Ademais, veda-se também, a denominada publicidade antiambiental no dispositivo em comento, cujo teor encontra-se em consonância com o artigo 225 da Carta Magna.
Por derradeiro, a publicidade indutora de comportamento prejudicial ou perigoso à saúde bem como aquela indutora de insegurança aos consumidores, traz à tona a preocupação do legislador acerca do controle de mensagens publicitárias relacionadas ao consumo de medicamentos, tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos e terapias.
Natureza da advocacia
A Lei n. 8.906/1994 [21] adotou o modelo não empresarial de advocacia.
Sob este contexto, o artigo 2º, §§ 1º e 2º, da referida Lei estabelece a natureza da advocacia: serviço público.
Por sua vez, o Código de Ética e Disciplina da OAB explicita no artigo 5º que “O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização”.
Deste modo, em face da natureza da advocacia a publicidade da profissão é restringida, regrada.
De acordo com o Código de Ética e Disciplina (artigos 28 a 34) e com o Provimento n. 94/2000 do Conselho Federal da OAB, a publicidade da advocacia deve ter objetivo unicamente informativo, discreta e moderada, estando vedada a utilização de meios promocionais típicos de atividade mercantil.
Como exemplo desta restrição, é vedada a prestação de consultoria jurídica por meio de aplicativos com o objetivo de captar clientes [22].
Todavia, vivemos em uma era disruptiva, em que redigir petições, construir teses e realizar audiências não é suficiente para a consolidação e sobrevivência do advogado no mercado.
A tradição inerente à atividade das bancas de advocacia não pode torna-las estagnadas no tempo, porquanto, enquanto atividade econômica privada deve evoluir de acordo com as transformações e complexidades do mercado.
Oportuno, destacar nesta discussão o posicionamento de Marco Antônio P. Gonçalves [23] indicando que:
“[…] as empresas-clientes passaram a exigir mais de seus escritórios e, sob certos aspectos, querem se ver refletidas neles. Em outras palavras, elas querem ser atendidas por um escritório que preze a mesma eficiência que elas. Somente com uma mentalidade empresarial é que os escritórios triunfarão nessa nova realidade que, na verdade, já não é tão nova assim.”
“…a questão é que os escritórios são negócios que precisam ser administrados com eficiência para que se desenvolvam da melhor maneira possível, criando relacionamentos duradouros com clientes satisfeitos e faturando o suficiente para cobrir suas operações e remunerar seus funcionários, advogados e sócios”
A advocacia é fonte de renda dos advogados. Os honorários tem caráter alimentar. A profissão não se restringe ao contencioso judicial.
Os advogados são profissionais liberais. Além de serviço indispensável à administração da Justiça é conciliador, fonte de consulta e aporte de gestão, investimento e minoração de riscos às diversas empresas e profissionais.
Não deve ser dirigida a atividade econômica da advocacia, porquanto seu mister é mutável, flexível e dinâmico conforme as demandas do mercado. Queremos a realidade e não o presente!
A liberdade econômica nessa seara não deve ser fictícia. Deve propiciar aos players jurídicos delinearem seus próprios negócios e usar dos meios promocionais típicos da atividade mercantil.
Há escassez de tempo e recursos. Aplicativos, startups são uma amostra da necessidade de se proporcionar serviços ágeis e personalizados para atender um determinado nicho de mercado.
O mercado jurídico é bastante retrógrado e refratário a essa realidade econômica, tolhendo muitas vezes a perpetuidade de vários negócios, resultante de regramentos conservadores sobre o seu exercício no âmbito econômico.
É necessária uma reflexão. Permitir ingresso de acionistas com a respectiva mudança no modelo societário das bancas, flexibilizar as ferramentas de comunicação e modelos de negócios, de acordo com as mudanças tecnológicas atuais no contato de sua demanda, dentre outras, mostra-se um campo fértil para discussões.
Não trazer para discussão temas polêmicos é ignorar a existência de problemas.
O convite a nos reinventar com a necessidade da mudança de paradigmas é real, como leciona Darwin, não são os mais fortes e sim aqueles que se adaptam melhor os mais bens sucedidos.
Conclusão
A publicidade pode ser compreendida como toda comunicação inserida nos veículos de comunicação social ou nos produtos, destinada a influenciar direta ou indiretamente o público na aquisição de produtos ou serviços colocados no mercado de consumo.
Os objetivos da publicidade podem ser classificados em função de seu propósito em informar, persuadir ou lembrar o consumidor ou público alvo a respeito de determinado produto ou serviço.
Contudo, destaca-se a sua importância no ato de ampliar e favorecer a concorrência entre os famigerados agentes de modo a reprimir a existência de oligopólios na economia.
Sob este aspecto, a publicidade deve ser um instrumento de cooperação e não de dominação.
É instrumento de cooperação no sentido de estimular a livre concorrência, permitindo a qualquer agente, independente de seu tamanho e modelo de negócio escolhido no mercado, encontrar seu nicho, sua identidade e seu valor, de modo a atender aos anseios da classe consumidora de serviços e consumos, ávidos por serviços personalizados e de qualidade.
Os efeitos benéficos decorrentes de sua ação são evidentes: ao estimular a concorrência, obriga aos diversos agentes a investirem no desenvolvimento da qualidade contínua, oferecendo melhor custo benefício na aquisição de seus produtos e serviços.
Deste modo, salvo a repressão a publicidades ilícitas, conforme vimos acima, é de urgente clamor à necessidade de uma maior liberdade publicitária no âmbito da advocacia, ora restringida pelo órgão de classe, sob a égide de evitar a propaganda e mercantilização da profissão.
Ora, a competição entre agentes é uma consequência do mercado e, este, no final, seleciona e avalia para o seu destinatário qual é o profissional mais responsável e competente daquele que só se preocupa com o marketing.
Ainda que, com espeque na tradição, os prestadores de serviço precisam evoluir com as mudanças tecnológicas e de costumes para alcançarem a liberdade de competição, e, atuarem mais próximos de seus destinatários.
No tocante a gestão, não há diferença entre os diversos prestadores de serviços, sem embargos da atuação de um órgão de classe regulador: encargos trabalhistas, salários, capital de giro, investimentos e custos do negócio.
Para geri-los é necessário à elaboração de um plano de negócio bem sedimentado, contemplando aspectos como: tamanho, especialização, nicho de mercado, rentabilidade e necessidade de crescimento, entre outros, cujo estudo é imprescindível à sobrevivência no mercado.
Portanto, sob este aspecto, a publicidade preenche a lacuna de possibilitar o acesso, enquanto direito à informação, do destinatário aos diversos serviços especializados oferecidos, de forma a viabilizar cada vez mais negócios, com a inserção de novas ideias e profissionais no mercado.
É insuficiente o mero conhecimento técnico especializado de determinada profissão, para o profissional se estabelecer no mercado, como agente econômico, livre e independente.
Somente vão permanecer na atividade, e crescer, os que oferecerem aos seus destinatários mais do que conhecimentos específicos, devendo, os diversos agentes agregarem valor e um diferencial nos serviços prestados, canalizados por técnicas adequadas de gestão e publicidade.
Nesta sequência, é interessante compreender que o sucesso de uma empresa/negócio não está vinculado ao tamanho de seus ativos tangíveis. A riqueza econômica de um empreendimento está na concepção do negócio, na capacidade de se manter o volume de atividade com cada vez menos capital, e identificar estratégias financeiras ajustadas à nova ordem econômica.
Deste modo, restringe-se a falácia o argumento de que a liberação total da publicidade, a advocacia seria prejudicial aos pequenos negócios – porquanto, seriam dizimados pelos grandes, nos dizeres de seus defensores – vez, que, conforme dito acima, a viabilidade financeira não depende do tamanho dos ativos tangíveis do negócio.
Soa tais argumentos, como retrógrados, e, protecionistas, como uma tentativa de estabelecer uma reserva de mercado, ou mesmo, manter o status quo vigente, impedindo a renovação, diversidade e o crescimento saudável e livre de um mercado em constante evolução.
E, mais, a publicidade quando bem elaborada evidencia a qualidade dos serviços ofertados. No conceito moderno de vantagem competitiva, qualidade é a empresa ou prestador ter o produto ou serviço desejado pelo destinatário ao preço que esteja disposto a pagar.
Entretanto, a tarefa não é fácil. É preciso de certo tempo para a inserção de novas culturas, bem como para o progresso econômico e social de países como o nosso.
O mundo sofreu mudanças profundas e rápidas nas últimas décadas, para não dizer nos últimos anos. Grande parte da crise atual, e das incertezas do futuro, está em nossa incapacidade de compreender estas mudanças, as novas tendências do mercado, e cada empresário e prestador de serviço entender efetivamente o seu próprio negócio.
É de rigor, portanto, uma maior ampliação dos contornos da publicidade para a advocacia, como forma de aprimorar o direito a informação garantida constitucionalmente aos cidadãos e empresas, muitas vezes, ávidos de serviços personalizados, conforme dito.
A economia onde está inserida a atividade prestada pela advocacia se fundamenta essencialmente na cooperação voluntária e mutuas das relações de demanda e serviços do mercado.
A liberdade econômica nessa seara não deve ser fictícia. Deve propiciar aos players jurídicos delinearem seus próprios negócios e usar dos meios promocionais típicos da atividade mercantil.
Não estamos defendendo um mundo ideal, tão somente, uma sociedade que preserva e amplia a liberdade econômica dos seus diversos agentes. O Estado não gera riquezas e sim, os seus cidadãos, por meio da atividade econômica exercida.
Sob este contexto, somos favoráveis à ampliação da liberdade de publicidade a essa nobre profissão, como instrumento de fortalecimento concorrencial, agregando ao advogado o seu devido papel de protagonista e gerador de riqueza no mercado de consumo e de serviços.
Referências bibliográficas
[1] [9] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. P. 660-661.
[2] [8] [12] [15] CHAISE, Valéria Falcão. A publicidade em face do Código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2001. P. 7, 12,13 e 98.
[3] [10] GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. A publicidade ilícita e a responsabilidade civil das celebridades que dela participam. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. P. 94 e 97.
[4] [17] BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. O controle jurídico da publicidade. Revista de direito do consumidor. São Paulo, número 9, jan./mar., 1994. P. 268 e 320.
[5] O CONAR, Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária, é uma organização não-governamental fundada em 1980 pelas entidades do mercado publicitário brasileiro. Sua missão é impedir que a publicidade ofensiva, enganosa ou abusiva cause constrangimento ou prejuízo a consumidores e empresas e, ao mesmo tempo, zelar pela liberdade de expressão comercial independentemente de censura, tal como assegurado pela Constituição federal.
[6] PASQUALOTTO, Adalberto. Os efeitos da publicidade no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 1997. P. 25
[7] COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1999. P. 303.
[11] FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Parecer sobre a Constitucionalidade dos Projetos de lei n° 63/99 e 3156/00, que visam a proibir a publicidade de bebidas alcoólicas e produtos fumígenos em todos os veículos de comunicação de massa e do instrumento que restabelece a censura prévia sobre a propaganda de medicamentos, alimentos, bebidas, águas, cosméticos, produtos de higiene, saneantes, cigarros, entre outros produtos e serviços (medida provisória n° 2039-19), entregue ao CONAR. Disponível em: http:// www. conar.org.br/ opinião/expressão.html. Acessado em: 06 Jun./2002.
[13] BRASIL. Lei número 4.680 de 18 de junho de 1965. Dispõe o exercício da profissão de publicitário e de agenciador de propaganda e dá outras providências. Publicada no D.O.U. de 21/06/1965.
[14] CENEVIVA, Walter. Publicidade e direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. P. 65.
[16] KOTLER, Philip. Administração de marketing: análise, planejamento, implementação e controle. Tradução: Ailton Bonfim Brandão. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1994. P. 540-541.
[18] Conforme leciona Chaise, convencionou-se chamar “merchandising” em publicidade “a apresentação dos produtos no vídeo, em áudio ou em artigos impressos em sua situação normal de consumo, sem a declaração ostensiva da marca” Op. Cit. P.16.
[19] [20] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 7.ed., 2001.P. 337 e 340.
[21] BRASIL. Lei n. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
[22] Neste sentido: 1ª turma de Ética do TED da OAB/SP. Proc. E-5.045/2018 – v.u., em 17/05/2018, do parecer e ementa do Rel. Dr. EDUARDO PEREZ SALUSSE, Rev. Dr. EDUARDO AUGUSTO ALCKMIN JACOB – Presidente Dr. PEDRO PAULO WENDEL GASPARIN
[23] GONÇALVES, Marco Antônio P. Quer goste ou não, escritório de advocacia é uma empresa. Revista Consultor Jurídico. 20 de dezembro de 2006. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2006-dez-20/goste_ou_nao_escritorio_advocacia_empresa>. Acesso em 07 de nov. de 2012.