quarta-feira,27 março 2024
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A possibilidade de nulidade do contrato de estágio para reconhecer o vínculo de emprego

Recentemente o TST negou seguimento ao Recurso de Revista de um escritório de advocacia que foi condenado ao reconhecimento de vinculo de emprego e consequente estabilidade gestacional a uma estagiária.
A reclamante alegava em peça inaugural, que a reclamada havia prometido a promoção da reclamante, mas quando soube da gestação da Obreira, a dispensou imediatamente. Não obstante a isso, a reclamante alegou, descumprimento ao artigo 7º, IV, da lei 11.788/08.

O escritório, em peça defensiva, afirmou não haver obrigação a ela, mas sim da instituição de ensino a exigência quanto aos relatórios de estagio que deveriam ter sido entregues pelo escritório, justificando assim, a ausência de entre do mesmo.

Ocorre que o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, ao apreciar o caso, destacou que a lei do estágio prevê no inciso VII, artigo 9º a obrigação da parte concedente do estágio em enviar o referido relatório, e ainda avultou que “deixou o réu de comprovar o cumprimento de todas as suas obrigações, notadamente o inciso V, que, note-se, não depende de provocação da instituição de ensino, bem como a existência de empregado supervisor. Diante de tal cenário, resta patente que os elementos formais exigidos pela lei à configuração da relação de estágio não eram devidamente respeitados, o que leva à conclusão de que houve a utilização de estagiário para o desenvolvimento de atividades outras que não apenas as próprias desenvolvidas por este tipo de trabalhador. Assim, impõe-se seja afastada a natureza do vínculo defendida pelo reclamado, com o consequente reconhecimento da relação de emprego”

Deste modo, além do reconhecimento do vínculo de emprego, também houve o reconhecimento da estabilidade gestacional da reclamante, que teve seu contrato frustrado no momento que seria efetivada a uma outra função.

Como é sabido, o contrato de estágio, previsto na Lei nº 11.788/08, sendo que este pode ser classificado como um ato educativo, supervisionado pelas instituições de ensino, desenvolvido no ambiente de trabalho, visando preparar aquele aluno para o mercado de trabalho.

Neste tipo de contratação, não há a categorização do vinculo de emprego, haja vista, e por isso o estagiário não faz jus a direitos trabalhistas previstos na CLT, tais como 13º salário, férias, depósito de FGTS, aviso prévio, dentre outros que são exclusivos aos trabalhadores que tem a CLT como seu mandamento fundamental.

Todavia, percebe-se que ora as empresas não cumprem os requisitos pré estabelecidos na legislação, ou ainda essas empresas vislumbram no estágio uma oportunidade de reduzir seu gasto na folha de pagamento, descumprindo também os mesmos requisitos para que se configure este tipo contrato.

Este desvirtuamento do contrato de estágio, registra-se, tem o condão de levar ao reconhecimento do vínculo empregatício do estagiário com o concedente do estágio.

Neste sentido, a própria Lei 11.788/08 deixa evidente possibilidade ao dispor que qualquer descumprimento no termo de estágio caracteriza vínculo de emprego (Art. 3º, § 2º). Sendo certo que a legislação determina como requisito para configurar o referido termo:
(i) assinatura de contrato de estágio;
(ii) o estagiário deve ser acompanhado por supervisor da empresa concedente, e da instituição de ensino, comprovados pela entrega de relatórios;
(iii) compatibilidade entre atividades desenvolvidas no estagio e as previstas no termo de compromisso;
(iv) a empresa concedente deve oferecer instalações que tenham condições de proporcionar ao estagiário atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, observando o estabelecido nas normas relacionadas a saúde e segurança do trabalho; (v) matricula e frequência do estagiário em cursos profissionalizantes;

Ademais, havendo qualquer irregularidade no contrato de estágio implica na nulidade do mesmo, ante o objetivo de fraudar a aplicação da Lei Trabalhista, nos termos do art. 9º da CLT. E este tem sido o entendimento do TST, a saber:

ESTÁGIO. DESCARACTERIZAÇÃO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. A finalidade do estágio é propiciar ao estudante uma experiência prática que seja compatível com o seu currículo escolar. Do contrário, haverá desvirtuamento do instituto que implicará o reconhecimento do vínculo de emprego, tal como dispõe o § 2º do art. 3º da Lei 11.788/2008 […]. (TST. AgR-AIRR-1122-42.2013.5.10.0017. Rel: HUGO CARLOS SCHEUERMANN. Dje: 22/06/2016)

Cumpre destacar que para a comprovação do vínculo empregatício é imperativo que os requisitos caracterizadores do emprego (subordinação jurídica, pessoalidade, pessoa natural, não-eventualidade e onerosidade) estejam presentes.

Contudo, há de se ressaltar que, caso a parte concedente do estágio seja ente da Administração Pública Direta (prefeituras, Tribunais de Justiça, etc.) ou indireta (empresas públicas, por exemplo), não é possível o reconhecimento do vínculo empregatício, por força de norma constitucional.

O art. 37, II da Carta Magna estatui que o ingresso na carreira pública ocorra somente por intermédio de concurso público de provas e títulos. Desse modo, não cabe ao Poder Judiciário determinar que alguém ingresse nos quadros da Administração por decisão judicial.

Este entendimento, inclusive, está consubstanciado na OJ366, SD1 do TST, in verbis:

366. ESTAGIÁRIO. DESVIRTUAMENTO DO CONTRATO DE ESTÁGIO. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA OU INDIRETA. PERÍODO POSTERIOR À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. IMPOSSIBILIDADE. Ainda que desvirtuada a finalidade do contrato de estágio celebrado na vigência da Constituição Federal de 1988, é inviável o reconhecimento do vínculo empregatício com ente da Administração Pública Direta ou Indireta, por força do art. 37, II, da CF/88, bem como a o deferimento de indenização pecuniária, exceto em relação às parcelas previstas na Súmula 363 do TST, se requeridas.

Percebe-se da leitura acima que, mesmo sendo obstado o reconhecimento de vínculo, nada impede que o estagiário receba o pagamento das horas trabalhadas, com base no valor do salário mínimo, além do depósito do FGTS do período trabalhado (Súmula 363, TST).

Ante o exposto, vimos que é plenamente possível o estagiário pleitear na Justiça do Trabalho o reconhecimento do vínculo de emprego, como foi o caso do processo relatado alhures. E no caso de entes da Administração Pública, o recebimento das horas trabalhadas mais o depósito do FGTS de todo o período laboral.

Às empresas, diga-se, é recomendável observar estritamente da Lei do Estágio, em especial seus artigos 3º, mencionado acima, e o artigo 17, que prevê a proporção de estagiários em relação ao número de funcionários. A inobservância deste comando legal pode complicar ainda mais a defesa da empresa reclamada em eventual lide trabalhista.

 

Processo: 1001662-46.2017.5.02.0085

Coordenadora acadêmica da coluna "Trabalhista in foco" no Megajurídico.

Coordenadora acadêmica da coluna "Trabalhista in foco" no Megajuridico®. Advogada trabalhista, especialista em Direito e Processo do Trabalho (EPD), especialista em Direito Previdenciário (LEGALE) e especialista em Compliance, LGPD e Prática Trabalhista (IEPREV). Autora de artigos e livros jurídicos. Profissional Certificada com CPC-A.

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