quinta-feira,28 março 2024
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Violência Doméstica: A Obrigatoriedade do agressor ao ressarcimento ao INSS das despesas sofridas pelas vítimas

A violência doméstica contra a mulher

Anteriormente, em alguns anos atrás, a violência contra à mulher não era vista como uma grande dificuldade social, mas sim uma grande dificuldade individual. Com o crescimento da sociedade esse problema se tornou um fenômeno estrutural em que a coletividade como um todo, tem responsabilidade de minimizar esse grande problema.  A Convenção do Belém do Pará em 1994, conceituou que agressão contra mulher é qualquer atitude que ocasione tanto dano psicológico, físico, quanto sexual, e em caso extremo cause a morte da vítima. É importante salientar, que a mulher é um ser humano e, assim como todos tem direito a segurança, respeito e proteção a sua dignidade e liberdade sem qualquer forma de discriminação.

É de extrema importância mencionarmos quais são os cinco tipos de violência, que são elas: Psicológicas (atitudes que cause dano emocional e baixa autoestima); Sexual (conduta de forçar a participação de relação sexual contra vontade da vítima); Patrimonial (que figura retenção, subtração ou destruição dos bens da mulher); Moral (importa calunia, alegações falsas e difamação); e Física (agressão que ofenda a saúde corporal da mulher).

As agressões acima mencionadas, apresentam efeitos gravíssimos, haja vista, que em diversos casos a vítima terá problemas emocionais como ansiedade, depressão, e transtorno de stress pós-traumático, além de deformidades físicas e paraplegia que podem ter como consequência a invalidez, impossibilitando a capacidade da mulher de se auto sustentar pelo trabalho.

Ações regressivas aos agressores pelo INSS e o tratamento jurisdicional dos casos

É oferecido pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) o benefício do auxílio doença aos segurados que por motivo de acidente ou doença estejam incapazes de retornar ao mercado de trabalho.

Tal benefício, não pode ser acumulado com outros auxílios, e a vítima beneficiária poderá receber em até 91% do salário de benefício.

Assim, ainda é possível fazer a conversão deste benefício para aposentadoria por invalidez, se realmente ficar constatado em perícia que esta incapacidade temporária se tornou de forma permanente.

Nesta hipótese, a vítima deverá ingressar com uma ação judicial para fazer a conversão do benefício.

Haja vista o número de violência praticado contra as mulheres estão aumentando e muitos desses causando incapacidade da vítima trabalhar, o qual representa um enorme déficit nos cofres da Previdência Social, implicando diversos benefícios por inaptidão.

Assim sendo, o INSS lança suas medidas com o objetivo de reduzir seus gastos, onde passará a cobrar dos agressores de forma judicial todas as despesas de benefícios pagos às mulheres que não podem trabalhar por conta das agressões sofridas pelos seus companheiros.

Uma enorme conquista da lei Maria da Penha, foi a primeira sentença judicial de ressarcimento após um ato de violência, sendo que a determinação ocorreu em 23/08/2013 na 3° Vara da Justiça Federal em Brasília, onde ficou estipulado que o agressor devolvesse o valor de R$ 156 mil reais à União, referente a pensão por morte concedida ao filho da vítima, desde fevereiro de 2012 até outubro de 2013 por parte do homem que confessou ter assassinado sua própria esposa. O magistrado que conferiu essa decisão salientou:

“O INSS e a coletividade não podem arcar com custos da pensão por morte, Isso porque se o réu não tivesse cometido ato ilícito, não haveria necessidade de concessão de benefícios, além de a previdência social não possui a finalidade de abarcar quaisquer contingências provenientes de ilegalidade ainda que a lei não exclua casos de ilicitude de sua cobertura. (Juiz Federal Bruno Cesar Bandeira Apolinário)”.

Do fundamento legal

As ações regressivas acidentárias tem seu fundamento legal inserido no artigo 120 da Lei n° 8213/91 (Lei de Planos e Benefícios da Previdência Social),  incluído pela Lei n° 13.846 de 2019, in verbis:

Art. 120. A Previdência Social ajuizará ação regressiva contra os responsáveis nos casos de:

I – Negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva;

II – Violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019);

Art. 121. O pagamento de prestações pela Previdência Social em decorrência dos casos previstos nos incisos I e II do caput do art. 120 desta Lei não exclui a responsabilidade civil da empresa, no caso do inciso I, ou do responsável pela violência doméstica e familiar, no caso do inciso II.

Ainda previsto nos artigos 341 e 342 do Decreto n° 3.048/99, que regulamentou a referida lei, in verbis:

Art. 341. Nos casos de negligência quanto às normas de segurança e saúde do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, a previdência social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

Art. 342. O pagamento pela previdência social das prestações decorrentes do acidente a que se refere o art. 336 não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de terceiros.

Assim, em sua origem, as ações regressivas estavam relacionadas à esfera dos acidentes de trabalho, de modo a veicular a pretensão do INSS relativa aos ressarcimento de todas as despesas com as prestações sociais efetivadas (pensão por morte, auxilio doença, aposentadoria por invalidez) em face dos acidentes ocorridos por culpa dos empregadores que descumprem as normas de segurança e de saúde dos trabalhadores.

O artigo 120 da Lei 8.213/91 não criou uma prerrogativa de ressarcimento em favor do INSS, ao contrário, foi instituído um verdadeiro dever legal á Previdência Social, sem nenhuma discricionariedade, no sentido de promover a medida judicial adequada tendente ao ressarcimento das despesas públicas suportadas nos casos de condutas ilícitas praticadas por terceiros.

Em suma, ainda que em sua previsão do artigo 120 da Lei 8.213/91 faça menção especialmente ao acidente de trabalho, é o ressarcimento da Autarquia Previdenciária pela conduta ilícita e ilegal que antecipa a necessidade de conceder-se um benefício. Assim, tem-se alargado o conceito também para abranger outras inúmeras situações como os ilícitos de trânsito e os ilícitos penais dolosos que resultarem em lesão corporal, perturbação funcional ou morte, gerando o benefício previdenciário a essas vítimas.

Tais regramentos são encontrados nos artigos 186 e 927 do Código Civil, in verbis:

Artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito

Artigo 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

O direito de regresso não é uma novidade jurídica em nosso ordenamento pátrio, e constitui-se no direito de reaver as quantias pagas indevidamente.

Desta forma, toda conduta ilícita que venha a causar danos à Previdência Social, mesmo que não fundada especificamente no artigo 120 da Lei 8.213/91, pode causar o exercício da pretensão ressarcitória, tendo como fundamento a responsabilidade civil.

Por outro lado, é possível observar a preocupação do Estado, que através do referido Instituto, busca mover a máquina judiciária através das ações regressivas acidentarias para buscar o ressarcimento aos cofres públicos e, por fim, o ressarcimento à sociedade, por ato ilícito de terceiro que antecipa um benefício fora do risco social admitido.

Os Tribunais, por sua vez, estão acolhendo a postura e determinando na maioria dos casos até o presente momento a condenação dos agressores através do instituto da responsabilidade civil, sempre em observância aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e, principalmente, buscando o efeito punitivo pedagógico ínsito às ações regressivas.

Diante disto, a violência doméstica contra a mulher surge no cenário contemporâneo como uma das principais expressões da violação dos direitos humanos que ocorrem no âmbito das relações interpessoais.

O presente tema, que se tornou uma questão pública através da força dos movimentos feministas, impõe considerações com base na cultura da sociedade que reproduz, mesmo sem querer, o legado do sistema patriarcal, conhecido por gerar assimetrias de poder nas interações humanas.

Essas discriminações são amparadas nas relações de poder que operam principalmente no âmbito doméstico e familiar onde, dentro das relações ocultas e privadas, as mulheres tendem a se submeter ao poder masculino.

Assim, as leis institucionalizam as normas sociais, e por sua vez regulam as relações sociais. Formalmente a Lei Maria da Penha cumpre o papel de prevenir e punir a violência doméstica contra a mulher. Entretanto, sua existência tão somente não garante a extinção da violência contra as mulheres. Para que isso aconteça, faz-se necessário uma mudança de mentalidade do sistema estatal.

Desta forma, para fazer frente a números assustadores e crescentes de violência doméstica, o INSS ingressou na rede de proteção à mulher e, através das Ações Regressivas Acidentárias, veiculou a pretensão do INSS relativa ao ressarcimento das despesas com as prestações sociais implementadas em face dos crimes cometidos contra as mulheres seguradas da Previdência Social por terceiros alheios à relação Previdência segurada que alteram as equações de custeio, criando um grande desequilíbrio no sistema.

A ideia de que o INSS enquanto segurador universal deveria arcar com quaisquer prejuízos causados também foi suplantada para uma completa aceitação dos Desembargadores e Magistrados, com o fundamento na responsabilidade civil, que há muito já abarca a pretensão do ente Previdenciário, que atua em nome de toda a sociedade.

É possível verificar, que os casos analisados demonstram que a prática da violência doméstica é uma constante na vida de inúmeras mulheres, e que no atual quadro o conceito não mais está adstrito à população de baixa renda, alcançando inclusive as esferas sociais, as de elevado nível de escolaridade. Essas sequelas são sentidas por todo o corpo, na honra, família, patrimônio, configurando-se, inclusive, em gastos para entes federados, e em última análise, para toda a sociedade.

Deste modo, por intermédios das ações regressivas acidentárias, PGF/INSS consegue alcançar dos importantes objetivos, o primeiro chamado explícito ou imediato, ressarcir o INSS dos gastos suportados com as prestações sociais acidentárias implementadas por culpa dos agressores, e o segundo, o objetivo, chamado implícito ou mediato, visa contribuir para a concretização da política pública de prevenção à violência doméstica, funcionando como medida punitivo-pedagógica.

Apenas o direito, não será capaz de transformar séculos de dominação masculina e da permissividade em face da violência doméstica. As instituições e as leis podem mudar, porém esta mudança de mentalidade levará um pouco mais de tempo. E esta vai muito além da mentalidade dos agressores, atingindo também todos os operadores do direito e da sociedade como um todo.

Somente a consciência emancipatória do papel da mulher extinguira a discriminação histórica que se recebe como herança.

 


Referências

ACAYABA, Cintia. Mais de 500 mulheres são vítimas de agressão física a cada hora no Brasil, aponta Datafolha. Disponível em: https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/mais-de-500-mulheres-sao-vitimas-de-agressao-fisica-a-cada-hora-no-brasil-aponta-datafolha.ghtml Acesso em 10/09/2018.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 2012. 12 p. Acesso em 10/09/2018.

DEL PRIORE, Mary. Conversas e histórias de mulher. 1. Ed. são Paulo: Planeta, 2013.

ESSY, Daniela. A evolução histórica da violência contra a mulher no cenário brasileiro: do patriarcado à busca pela efetivação dos direitos humanos femininos. Disponível em:http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-evolucao-historica-da-violencia-contra-a- Acesso em 10/09/2018.

JUCÁ, Gisele. Primeira decisão para ressarcimento ao INSS após caso de violência doméstica. Disponível em:https://giselejuca.jusbrasil.com.br/artigos/111870571/primeira-decisao-para-ressarcimento-ao-inss-apos-caso-de-violencia-domestica. Acesso em 10/09/2018.

MACIEL, Fernando. Ações Regressivas Acidentárias. São Paulo: LTr, 2010, p.16-17.

REVISTA CONSULTOR JURIDICO. AGU quer ampliar número de ações regressivas contra assassinos de mulheres. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-out-09/agu-acoes-regressivas-assassinos-mulheres Acesso em 10/09/2018.

 

Colunista

Advogada - Graduada pela Universidade Paulista UNIP – Pós Graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito - EPD, Pós Graduada em Direito Previdenciário – Faculdade Legale, Presidente da Comissão de Violência Doméstica- Subseção 103° OAB/SP Vila Prudente (Gestão 2019 a 2021).
Membro da Comissão Jovem Advocacia OAB SP - Membro da Comissão de Direito Penal na empresa OAB Ipiranga - 100ª Subseção
Professora Universitária no Colégio Santa Rita Ibec - Professora/auxiliar de necropsia/pericia criminal na empresa Cisa Ciep Cursos Profissionalizantes Sócia Majoritária do escritório Medina Advocacia & Consultoria

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