sexta-feira, 26/julho/2024
ColunaTrabalhista in focoCota PCD e a dificuldade no seu cumprimento pelas empresas

Cota PCD e a dificuldade no seu cumprimento pelas empresas

Coordenação: Ana Claudia Martins Pantaleão

Conforme dispõe a Constituição Federal no Artigo 7º, inciso XXXI, é expressamente proibida a discriminação do trabalhador com deficiência cabendo à União, aos Estados e ao Distrito Federal a promoção de regras para a proteção.

Visto isto, previu o Artigo 93 da Lei 8.213/91 regras a serem observadas pelas empresas para a inclusão daquele trabalhador no quadro de funcionários, valendo os destaques:

“Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I – até 200 empregados……………………………………………………………………………….2%;

II – de 201 a 500…………………………………………………………………………………………3%;

III – de 501 a 1.000……………………………………………………………………………………..4%;

IV – de 1.001 em diante. ……………………………………………………………………………..5%.

V – (VETADO

1oA dispensa de pessoa com deficiência ou de beneficiário reabilitado da Previdência Social ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias e a dispensa imotivada em contrato por prazo indeterminado somente poderão ocorrer após a contratação de outro trabalhador com deficiência ou beneficiário reabilitado da Previdência Social.

2oAo Ministério do Trabalho e Emprego incumbe estabelecer a sistemática de fiscalização, bem como gerar dados e estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por pessoas com deficiência e por beneficiários reabilitados da Previdência Social, fornecendo-os, quando solicitados, aos sindicatos, às entidades representativas dos empregados ou aos cidadãos interessados.                  

3oPara a reserva de cargos será considerada somente a contratação direta de pessoa com deficiência, excluído o aprendiz com deficiência de que trata a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943.

4o(VETADO)”. (grifos nossos)

 

Posteriormente, foi sancionada a Lei 13.146/2015 instituindo o Estatuto da Pessoa com Deficiência e complementando, assim, o regramento voltado ao trabalho, o que se verifica no capítulo VI.

Neste interim, a empresa passa a ser um importante ator social responsável pela construção de uma sociedade mais justa colaborando com a inserção ao trabalho de aproximadamente 20% (vinte por cento) da população brasileira, conforme informativo divulgado na página oficial do Governo Federal[1]. Além de cumprir a Lei, a empresa cumpre a sua função social exigida pelo Artigo 170, inciso III, da Constituição Federal, através da contratação atuando, portanto, em cooperação com os entes federativos.

Ocorre, contudo, que o processo seletivo de contratação de PCD, por vezes, apresenta dificuldades, podendo acontecer, por exemplo, quando as atividades exploradas pelo empreendimento se mostram incompatíveis com a capacidade laboral do portador de deficiência ou reabilitado, impedindo-o de desempenhar a função que se encontra disponibilizada; ou quando, mesmo tendo sido tomadas as providências cabíveis, não surgem pessoas suficientes e aptas à contratação, dentro do percentual estabelecido pela lei seja em relação à baixa qualificação dos candidatos ou mesmo pelo desinteresse desses indivíduos no trabalho.

Inobstante a dificuldade, ainda assim, a empresa deve tomar todas as medidas possíveis para que a cota seja cumprida, sob pena de sofrer fiscalização com imposição de multas.

O Tribunal Superior do Trabalho entende que a empresa somente não deve ser autuada quando comprovar que empreendeu todos os esforços, mas não obteve sucesso na contratação de pessoas com deficiência ou reabilitado. E por empreender todos os esforços considera-se: divulgar a vaga em diversos meios de comunicação não se limitando apenas a sites, posto não alcançar aqueles de baixa renda; elaborar política interna organizada com a finalidade de preencher a cota; manter contato com atores sociais, tais como órgãos públicos (esfera federal, estadual e municipal), Conselhos e entidades de representação, escolas de Nível Médio, escolas/cursos de formação profissional, faculdades e universidades, entidades e instituições prestadoras de serviços para Pessoas com Deficiência, centrais sindicais e associações patronais, associações comerciais e industriais, mídia local, igrejas de todas as denominações, que prestem serviços às Pessoas com Deficiência, entidades de serviço (Lions e Rotary), desde que interajam, direta ou indiretamente, com Pessoas com Deficiência e/ou reabilitadas, formadores de opinião, dentre outras. Cite-se os seguintes precedentes:

 I – AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEI N° 13.015/2014. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA INIBITÓRIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTRATAÇÃO DE PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS E REABILITADOS. NÃO PREENCHIMENTO INTEGRAL DA COTA. Nos termos da jurisprudência desta Corte, não é cabível a condenação da reclamada pelo não preenchimento das vagas destinadas por lei aos portadores de deficiência ou reabilitados quando a empresa empreendeu todos os esforços possíveis para a ocupação das cotas legais, deixando de contratar a cota mínima por motivos alheios à sua vontade. Na hipótese, o Tribunal Regional manteve a sentença que absolvera a reclamada da obrigação de fazer, consistente no preenchimento de vagas de postos de trabalho para deficientes, ao fundamento de que a reclamada envidou esforços no sentido de divulgação de vagas e contratação de pessoas portadoras de necessidades especiais, sem, contudo, obter sucesso no preenchimento da cota mínima legal exigida pelo art. 93 da Lei 8.213/1991, em face da insuficiência de candidatos, acrescentando que não se evidencia conduta recalcitrante ou deliberada da empresa no sentido de furtar-se ao cumprimento da norma legal. Conclusão fática diversa somente seria possível mediante o revolvimento do conteúdo fático-probatório produzido nos autos, procedimento vedado nesta fase processual, diante do óbice da Súmula 126/TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento”. (TST. ARR nº 1588-24.2015.5.09.0654. 2ª Turma. Min. Rel. Maria Helena Mallmann. Data de julgamento: 14/9/2022)

 “(…) 2.2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NÃO CUMPRIMENTO DA QUOTA DE EMPREGO DESTINADA A PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS. VAGAS NÃO PREENCHIDAS. DIFICULDADE NA CONTRATAÇÃO. NÃO PROVIMENTO. Segundo dispõe o artigo 93 da Lei nº 8.213/1991, a empresa que possui 100 ou mais empregados está obrigada a preencher o seu quadro de pessoal com beneficiários da Previdência Social reabilitados ou portadores de deficiência habilitados, no percentual de 2% s 5% do total de cargos disponíveis. Acerca do referido preceito, não se pode negar que o seu objetivo é promover a inclusão social desses beneficiários da previdência, inserindo-os no mercado de trabalho pelo sistema de quotas. Com isso, quis o legislador pátrio dar efetividade aos princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da função social da empresa, adotando políticas voltadas para esse grupo de pessoas, por meio das chamadas ações afirmativas, possibilitando, com isso, diminuir a desigualdade para esse segmento da sociedade. Nessa perspectiva, não há dúvida de que cabe a empresa cumprir com o dever social que lhe foi atribuído, adotando medidas direcionadas ao preenchimento do seu quadro de pessoal com deficientes e reabilitados, observando o percentual fixado pela lei. Não obstante a determinação legal, não há como penalizar a empresa, quando demonstrado que a não realização das contratações na quantidade exigida não dependeu de sua vontade. Isso pode acontecer, por exemplo, quando as atividades exploradas pelo empreendimento se mostram incompatíveis com a capacidade laboral do portador de deficiência ou reabilitado, impedindo-o de desempenhar a função que se encontra disponibilizada; ou quando, mesmo tendo sido tomadas as providências cabíveis, não surgem pessoas suficientes e aptas à contratação, dentro do percentual estabelecido pela lei. Importante ressaltar que, a despeito de o dispositivo em epígrafe fixar a obrigatoriedade da contratação de reabilitados e deficientes habilitados, não estabelece, de forma objetiva, de que modo deve a empresa proceder para atingir a cota mínima exigida. Sendo assim, não há como se aferir que a empresa não cumpriu com o encargo que lhe foi fixado pela a lei, apenas pelo fato de não ter preenchido as vagas reservadas para os portadores de deficiência habilitados e reabilitados. Para as situações em que a empresa demonstra dificuldade em cumprir o número mínimo das contratações previstas no artigo 93 da Lei nº 8.213/1991, este Tribunal Superior tem afastado a aplicação de multa ou de qualquer outro tipo de penalidade, consoante se observa em vários Precedentes. Na hipótese , o acórdão recorrido deixa claro que a demandada (INSTITUTO DOCTUM DE EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA LTDA.) firmou termo de ajustamento de conduta junto ao Ministério Público do Trabalho se comprometendo a contratar de reabilitados e de portadores de necessidades especiais habilitados, no total de 95, observando o percentual exigido pelo artigo 93 da Lei nº 8.213/91, sob pena do pagamento de multa, no valor de R$ 3.000,00, por cada vaga da cota legal não preenchida cada, sendo-lhe concedido o prazo de 36 meses, contados a partir do dia 18/08/2010. Para a espécie, a Corte Regional entendeu que a requerida comprovou a prática de ações voltadas para a contratação de portadores de necessidades especiais (publicação de anúncios e encaminhamento de ofícios ao INSS, APAE, SINE E UETO etc.), razão pela qual concluiu pela inexigibilidade da multa pretendida pelo Ministério Público do Trabalho, uma vez que o descumprimento da norma administrativa não se deu de forma voluntária. A referida decisão, como visto, se alinha à jurisprudência desta Corte Superior, uma vez que, evidenciado que a empresa recorrente envidou esforços para realizar as contratações estabelecidas pela lei, não lhe pode ser aplicada penalidade em razão de não ter atingido a quota mínima exigida, já que tal fato não decorreu da sua vontade, mas das dificuldades encontradas para o preenchimento das vagas disponibilizadas, como ficou demonstrado. Estando, pois, o v. acórdão regional em harmonia com atual e iterativa jurisprudência desta colenda Corte Superior, o prosseguimento do recurso de revista encontra óbice no artigo 896, 7º, da CLT e na Súmula n. 333. Agravo a que se nega provimento” (TST. Ag-AIRR nº 11713-38.2014.5.03.0077. 4ª Turma. Min. Rel. Guilherme Augusto Caputo Bastos. Data da publicação: 03/09/2021).

Em que pese a oportunidade surgir pela empresa é imprescindível que haja trabalhadores capacitados às vagas, sob pena de dificultar a prestação dos serviços do empregador. Neste sentido, importante enfatizar os dizeres da sentença proferida pela i. Juíza Marli Gonçalves Valeiko da 1ª Vara do Trabalho de Araucária/PR:

 “Ademais, se de um lado não se pode obrigar a pessoa portadora de necessidades especiais ou reabilitada a aceitar a vaga oferecida, de outro não se pode obrigar o empresário, individual ou coletivo, a realizar algo impossível, contratando quem não está disponível ou interessado. O que não se pode confundir é a recusa no cumprimento da legislação quando há deficientes e/ou reabilitados disponíveis no mercado de trabalho, com a situação de a lei prever um número de contratações e não ser atingida a cota por não apresentação de candidatos às vagas. Nesta última hipótese não há descumprimento da lei pela empresa. Somente se a ré tivesse se recusado a realizar as contratações caberia a iniciativa do Ministério Público do Trabalho.

Embora o nosso ordenamento jurídico estabeleça que a empresa tenha função social, não firma a obrigação das empresas em geral de realizarem atividades filantrópicas ou de prestarem assistência social”. (Processo nº: 0000446-82.2015.5.09.0654. Juíza Marli Gonçalves Valeiko da 1ª Vara do Trabalho de Araucária/PR. Data da sentença: 13 de Fevereiro de 2017) (grifos nossos)

Frisa-se que a situação aqui abordada não desincentiva ou descredibiliza a importância da inserção profissional do PCD no ambiente de trabalho tratando-se, apenas, de apontamentos para fins acadêmicos.

A temática é tão importante que a Organização Internacional do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho elaboraram um guia[2] para orientar quando aos procedimentos a serem observados para a inserção do PCD e, ainda, facilitar o acesso às informações confiáveis e atualizadas. O guia é “Dividido em 12 blocos de ágil consulta, o guia traça um amplo panorama da empregabilidade PcD no Brasil e apresenta conceitos básicos sobre inclusão e PcD, legislação nacional e documentos internacionais sobre acessibilidade e direito ao trabalho, além dicas para a empresa implementar comitês e programas de inclusão” (OIT, Outubro/2021).

Não fosse o bastante, é cediço que o envolvimento das empresas com questões de relevância social, em seu aspecto positivo, implicam em visibilidade de mercado, valorização da marca e credibilidade perante stakholders, além de se mostrar atualizado e consciência das questões ESG – Environmental, Social and Governance.

Isto posto, o que se espera dos empregadores é a união dos esforços com intuito de incluir trabalhadores com deficiência em seu ambiente laboral, apesar de haver certa dificuldade, por vezes, na contratação. É importante ter a consciência do papel social a ser cumprido não desistindo ou desestimulando práticas para este fim, sob pena, inclusive, de sofrer fiscalização.

 

Referências:

OIT:  Incluir, o que é, como e por que fazer? Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/publicacoes/WCMS_821892/lang–pt/index.htm

Ministério do Trabalho e Previdência. Inclusão de Pessoas com Deficiência. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/composicao/orgaos-especificos/secretaria-de-trabalho/inspecao/areas-de-atuacao/inclusao-de-pessoa-com-deficiencia

[1] Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/pessoa-com-deficiencia/acoes-e-programas/cadastro-inclusao-da-pessoas-com-deficiencia Acesso em 2/1/2023.

[2] Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—americas/—ro-lima/—ilo-brasilia/documents/publication/wcms_821892.pdf Acesso em 7/1/2023.

Colunista Júlia Tiburcio

Advogada, consultora em Compliance, pós-graduada em Direito Material e Processual do Trabalho pela PUC-SP e em Direito Processual Civil pela Universidade Mackenzie. Mestre em Compliance pela Ambra University.

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