sexta-feira, 26/julho/2024
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Contribuição financeira para promover e financiar pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa, configura o crime de organização criminosa?

Em coautoria com Joaquim Leitão Júnior¹ .

Em outras oportunidades falamos sobre pontos não enfrentados pela doutrina, acerca da posição daquela pessoa que contribui financeiramente para organização criminosa, em determinados contextos e os respectivos reflexos penais.

Com o escopo de trazer mais polêmicas ao epicentro de nossa proposta expositiva, sabemos que na grande maioria do território brasileiro em que as organizações criminosas estão efetivamente instaladas, para traficar drogas, o indivíduo na condição de traficante deve efetuar um pagamento intitulado de “caixinha”, “camiseta” “dentre outras terminologias correlatas” para com a organização, sob pena de retaliações, até mesmo a “pena de morte” (“salve”). Ora, o traficante que efetua pagamento do valor mensal à organização, necessariamente, fomenta e a financia à organização criminosa, incorrendo ainda que por “adesão” aos núcleos verbais do art. 2º da Lei 12.830/2013.

O mesmo raciocínio do traficante acima podemos estender para outras atividades ilícitas em que a organização criminosa venha estatuir pagamentos prévios como condição de manter ou dar início às atividades ilegais naquelas localidades.

Entendemos que nessa circunstância específica, o traficante que, de maneira voluntária e consciente, faz o repasse financeiro ou adere ao pagamento, em prol da organização criminosa incide nos verbos promover e financiar pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa (art. 2º, da Lei 12.850/2013).
Os traficantes dentre outros figurantes da criminalidade têm invocado nessas situações, em seus brados defensivos em juízo, teses como coação moral irresistível, coação física irresistível, obediência dentre outras teses, no afã de se desvencilharem e eximirem das imputações penais.

Partimos da premissa de que a ninguém é dado o direito de alegar a própria torpeza (“Nemo Auditur Propriam Turpitudinem Allegans”). Logo, nos parecem totalmente descabidas essas teses. Fato é que ao aderir à prática criminal e à organização, aceita o infrator suas “regras” (sic) e “leis” (sic) e a elas se afilia. Não pode reclamar sobre coação em relação aos repasses financeiros que deve fazer para poder perpetrar suas condutas criminais. Isso se assemelha ao filho que mata os pais e depois vem se queixar de ser órfão! Ao afiliar-se à organização criminosa, ciente das condições de ingresso e manutenção na atividade, concorda e adere induvidosamente ao seu financiamento e promoção, os quais fazem parte inseparável da atividade ilícita em questão.

A propósito do tema, o art. 1º, da Lei Federal nº 12.850/2013 estabelece sobre a definição de organização criminosa:

CAPÍTULO I
DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
§ 2º Esta Lei se aplica também:
I – às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
II – às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos. (Redação dada pela lei nº 13.260, de 2016)

Nesse viés, o legislador ordinário fez a opção de considerar a definição de organização criminosa como a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. Além disso, o legislador permitiu a aplicabilidade desta lei também para fins de organização criminosa em situação que envolva as infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente, assim como às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos.

Já o art. 2º, da Lei de Organização Criminosa preceitua:

Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.

Por zelo ao debate, cabe ingressar nessa oportunidade nas exigências da organização criminosa dirigidas a pagamentos de atividades lícitas (comércios, feirantes, etc., em que se impõe o temor de possível retaliação para aqueles que ousem não repassar valores à “orcrim”.
Afinal, para respondermos a essas provocações devemos visualizar ao menos 3(três) possíveis cenários:

1º cenário: o comerciante, empresário, feirante dentre outros figurantes de atividades lícitas que sofrem extorsões claras de integrantes da organização criminosa. Nessa situação, entendemos que não se pode imputar ao comerciante, empresário, feirante dentre outros figurantes de atividades lícitas a conduta dos verbos promover e financiar pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa (art. 2º, da Lei 12.850/2013). São obviamente vítimas de extorsão no modelo da conhecida máfia com sua “venda” (sic) de “proteção” (sic) às pessoas. As figuras de vítima e algoz estão muito bem delineadas e distinguidas nessa situação, inexistindo dúvida ou confusão a ser dirimida.

2º cenário: o comerciante, empresário, feirante dentre outros figurantes de atividades lícitas que sofrem “pedidos” de colaboração dentre outras terminologias de integrantes da organização criminosa. Nessa situação, entendemos que diante da ameaça velada e sutil de possíveis retaliações, caso não efetue pagamento dos “pedidos” vindos da “orcrim”, não se pode imputar também ao comerciante, empresário, feirante dentre outros figurantes de atividades lícitas a conduta dos verbos promover e financiar pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa (art. 2º, da Lei 12.850/2013). Aqui a única diferença é que a coação ou ameaça é “velada” ou “implícita” ao passo que no primeiro cenário tudo é mais explícito e direto. No entanto, num e noutro caso as pessoas são evidentemente coagidas e vitimizadas por extorsionários, novamente não sendo possível confundir vítimas e algozes.

3º cenário: o comerciante, empresário, feirante dentre outros figurantes de atividades lícitas que espontaneamente efetuam colaboração dentre outras terminologias aos integrantes da organização criminosa. Aqui pensamos que se voluntariamente e de maneira consciente, o comerciante, empresário, feirante dentre outros figurantes de atividades lícitas repassem valores aos integrantes da “orcrim” por “simpatia à causa” ou como “mero colaborador” ou até mesmo em uma espécie de “investimento”, pode–se imputar também as condutas dos verbos promover e financiar pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa (art. 2º, da Lei 12.850/2013).

Concernente ao “dolo” em si, que é a vontade dirigida de um ato de maneira consciente e voluntária, visando à produção de um resultado, é nítida a presença deste elemento na última hipótese em voga, pois o hipotético indivíduo simpatizante, investidor ou colaborador que realiza repasses financeiros à organização criminosa promove e financia o propósito da “orcrim”.

No que diz respeito à adesão aos desideratos da organização criminosa pelo hipotético indivíduo simpatizante ou colaborador desta – que está dentro do concurso de pessoas e temáticas correlatas –, temos o equivalente à terminologia adesão. O indivíduo que promove à anuência, acorde, aceite, apoie, aprove, aquiesça, abrace, concorde, afilie-se, alie-se, apoie ou aprove às ordens emanadas pelo centro de poder ou segmentos estruturais da “orcrim” que orquestra os atos e assim o materializa em favor desta.

Com referência à doutrina pátria, compete apontarmos que ela adota várias definições sobre o concurso de pessoas, porém, entendemos válido para realçar nossa exposição, citar Damásio de Jesus:
A infração penal, porém, nem sempre é obra de um só homem. Com alguma frequência, é produto da concorrência de varias condutas referentes a distintos sujeitos. […] Neste caso, quando várias pessoas concorrem para a realização da infração penal, fala-se em codelinqüência, concurso de pessoas, coautoria, participação, coparticipação ou concurso de delinquentes (concursus delinquentium) […] (JESUS, 2010, p. 447).

Em trilho à doutrina tradicional, vale dizer que esta ensina a regra (com variações de doutrina para doutrina) dos requisitos para o concurso de pessoas no crime como sendo: a pluralidade de condutas, o liame subjetivo e a identidade de infração para todos os envolvidos.
Ademais, a autoria pode se manifestar por três modos distintos: autoria direta (ou imediata), coautoria e autoria mediata (ou indireta) – sem adentrarmos em outras classificações como: autoria de determinação, autoria de Escritório, domínio do fato, domínio do fato organizacional.

Debruçando-nos acercada autoria direta por recorte a nossa abordagem, Luiz Régis Prado entende como:

[…] é aquele que pratica o fato punível pessoalmente. Pode ser: autor executor (realiza materialmente a ação típica) e autor intelectual (sem realizá-la de modo direto, domina-a completamente (PRADO, 2004, p. 397).

Em conclusão, podemos afirmar categoricamente a necessidade imprescindível de enfrentamento às novas figuras e práticas criadas para burlarem a configuração da organização criminosa, pois a mera contribuição financeira de um indivíduo para promover e financiar pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa, configurará ou não o crime de organização criminosa, a depender do contexto fático apresentado.

Referências bibliográficas:

GOMES, Luiz Flávio. Criminalidade organizada: quem determina uma morte é autor mediato, co-autor ou indutor? Disponível:<>. Acesso em 10.01.2024.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Parte geral. 31. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte geral. 3ª. Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

¹ Joaquim Leitão Júnior: Ex-Diretor Adjunto da Academia da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso. Ex-Assessor Institucional da Polícia Civil de Mato Grosso. Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso e atualmente lotado no Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO).

Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós Graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós – graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado do Unisal.

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